Wilian Carlos Cipriani Barom


REVISITANDO OS CONCEITOS DE CONSCIÊNCIA HISTÓRICA E CONSCIÊNCIA UTÓPICA PARA O ENSINO DA HISTÓRIA


A teoria da história de Jörn Rüsen pode ser sintetizada na trilogia intitulada Grundzüge einer Historik [Fundamentos de uma teoria da história], publicada na Alemanha ao longo da década de 1980. A partir de 2001, estas obras foram inseridas no Brasil com a colaboração da Editora UnB e tradução dos professores Dr. Estevão Chaves de Rezende Martins e Asta-Rose Alcaide, da Universidade de Brasília. O primeiro volume da trilogia foi lançado com o título de Razão histórica: os fundamentos da ciência histórica [Rüsen, 2001], ganhando sequência seis anos depois, com os títulos Reconstrução do passado: os princípios da pesquisa histórica [Rüsen, 2007a] e História viva: formas e funções do conhecimento histórico [Rüsen, 2007b]. Além destas obras, inúmeros artigos do autor também se encontram traduzidos e publicados no Brasil, além de outros em língua espanhola e inglesa que também circulam nacionalmente. Recentemente, o entendimento da teoria de Rüsen vem sendo complementado com novas obras integrais do autor que foram lançadas pelas editoras Vozes, Editora UFPR e W.A. Editores.

Na obra Razão histórica e História viva, principalmente, dois conceitos são trabalhados e que aqui merecem o nosso destaque: consciência histórica e consciência utópica. São dois conceitos que julgamos ser bastante promissores para a área do ensino da história e que neste texto buscaremos reapresentar e comentar, cotejando com alguns outros autores, para que no fim possamos deixar algumas questões/provocações em aberto para o campo de pesquisa e práticas escolares.

A consciência histórica

O conceito de consciência histórica tem importância singular no interior da teoria da história de Jörn Rüsen, articulando ao seu redor todos os demais conceitos da teoria. Rüsen define como “processos mentais genéricos e elementares da interpretação do mundo e de si mesmos pelos homens” [Rüsen, 2001, p. 55] e “a suma das operações mentais com as quais os homens interpretam sua experiência da evolução temporal de seu mundo e de si mesmos, de tal forma que possam orientar, intencionalmente, sua vida prática no tempo” [Rüsen, 2001, p. 57].

Nestas duas afirmações a ideia de consciência está atrelada ao que é comum e fundamental no ser humano diante da necessidade de interpretar as experiências do tempo. Estes “processos mentais” de interpretação se referem às articulações do pensamento com a finalidade de criar um entendimento sobre o mundo e sobre o próprio sujeito, de modo a permitir-lhe agir na vida prática.

Consciência histórica não seria a mesma coisa que estado de consciência, que poderia ser analisada, medida ou mensurada. Convém entender este conceito a partir dos sinônimos utilizados pelo próprio autor: “estruturas mentais”, “operações do pensamento”, “processos mentais de interpretação”, “trabalho intelectual”, “operações de constituição e/ou rememoração de sentido”. Assim, nos afastamos a priori de interpretações que atualmente acreditam poder “formar”, “criar” ou “gerar” a consciência histórica nas pessoas unicamente a partir de intervenções pontuais [Barom, 2012, p.77]. Em nosso entendimento, não tem a ver com a dualidade saber x não saber, consciência x ignorância, mas com o fato de ser uma característica do pensamento que é “universalmente humana” [Rüsen, 2001, p. 78].

Por ser uma operação abstrata, um trabalho do intelecto de recorrer a dados da memória para interpretar o presente e possibilitar ações no mundo, a consciência histórica não seria visualizada ou percebida imediatamente, o que dificulta um pouco a sua instrumentalização pelas pesquisas na área do ensino da história. Ela está implícita nas ações das pessoas, é percebida a posteriori, mesmo sendo condição necessária para a ação.

Para o professor Oldimar Cardoso, a dificuldade de precisão no entendimento da consciência histórica está relacionada às diferentes apropriações deste conceito ao longo da história, seja por sua assimilação por autores francófonos – conscience historique – seja por gemanófonos – Geschichtsbewußtsein. A expressão reuniria em si pelo menos quatro significados: consciência histórica como sinônimo de consciência da disciplina da história, uma representação sobre ela ou sobre a forma como ela organiza simbolicamente o mundo, apropriação de Nicole Tutiaux-Guillon e Marie-José Mousseau; como o entendimento da inserção social de um indivíduo ou de um grupo na História de sua sociedade, aproximando-se do conceito de Henri Moniot de mémoire, mémoire collective e identité; como consciência da temporalidade histórica, da capacidade humana de situar-se e orientar-se no tempo a partir da linguagem, utilização de Dagmar Klose e Bernard Lepetit; e a concepção adotada por Rüsen, como “fundamento de todo conhecimento histórico”, “um modo elementar do pensamento humano” [Cardoso, 2008, p. 160].

Para o historiador Luís Fernando Cerri [2000, p. 156; 2001, p.96], este conceito deve ser entendido como um fenômeno, como uma das expressões da existência humana, não necessariamente mediado por uma preparação teórica, uma filosofia ou uma teoria da história. Desta forma, desconsiderando o entendimento de consciência histórica como consciência política, na perspectiva de Raymond Aron, Cerri também aponta a pluralidade de interpretações ao redor do conceito enumerando três apropriações: a de Hans-Georg Gadamer, que relaciona o termo a um estado de consciência com relação ao tempo, possível graças à evolução da ciência da história, do conhecimento especializado e erudito da contemporaneidade – a consciência histórica como um “privilégio do homem moderno” –; a concepção de Phillipe Ariès sobre a “tomada da consciência da história” do homem europeu no século XX, no sentido de que o indivíduo passa a aperceber-se da sua condição de alguém determinado pela história, além de influenciador dela; e a noção de Agnes Heller, na qual “inerente ao estar humano no mundo e é composta de diversos estágios, que vão desde o momento em que um dado grupo cria normas de convivência, substituindo com elas os instintos [...] até o momento em que se concebe o mundo como histórico” [Cerri, 2001, p. 99].

O professor Rafael Saddi, recuperando Karl-Ernst Jeismann, uma das influências de Rüsen e Klaus Bergmann no cenário alemão, reflete sobre o momento em que este conceito passou a ser objeto da didática da história a partir de seu entendimento como “o total das diferentes ideias e atitudes diante do passado”. Tratar-se-ia, portanto, da suma dos modos como os homens se relacionam com o que já aconteceu. Para Jeismann, esta relação com o passado se daria a partir de formas variadas num mesmo tempo. E, por não ser um “produto natural”, a consciência histórica das pessoas variaria também ao longo da história, do fluxo do tempo, influenciada e “propagada pela tradição, modificada pela experiência histórica, aumentada pela crítica ou agitação, corrigida ou não pela pesquisa documental” [Saddi, 2012, p. 214]. Este é um entendimento sincrônico e diacrônico de consciência histórica como “autocompreensão do presente” a partir do passado.

Em certa medida, o historiador Estevão Chaves de Rezende Martins aproxima estes variados entendimentos citados em sua definição dimensional do conceito: consciência do tempo, da realidade, da historicidade da existência do agente, da identidade pessoal e grupal, da moral, da política, da sociedade como “meio ambiente envolvente”, da economia como “circunstância de atuação laboral” [Martins, 2011, p. 57]. Em outro texto do autor, Cultura, história, cultura histórica [2012], Martins atribui este entendimento dimensional à Hans-Jürgen Pandel, que também havia identificado formas distintas no meio cultural: 1] consciência do tempo [presente, passado, futuro e a percepção da densidade histórica empírica, concreta da existência do agente]; 2] consciência da realidade [percepção da distinção entre o real e o fictício]; 3] consciência da historicidade [a composição entre o permanente e o mutável]; 4] consciência identitária [formação e enunciação de si, percepção de si e de outros como pertencentes a determinado grupo]; 5] consciência política [percepção das estruturas de organização, interesses e prevalência na sociedade]; 6] consciência econômico-social [conhecimento das desigualdades sociais e econômicas engendradas em determinado percurso histórico da sociedade]; 7] consciência moral [reconstrução de valores e normas vigentes e tradicionais, sem cair em relativismo absoluto nem abdicar de sua própria autonomia judicante].

Concordamos com esta definição mais ampla do termo, contida, em certa medida, também na teoria rüseniana, e assumimos aqui que é um conceito bastante plural em suas variadas conceituações, que, como nos afirmou Bodo Von Borries, “não faltaram tentativas de definir com maior exatidão o que seria mesmo consciência histórica na Alemanha, na década de 1970, sem que um modelo único pudesse realmente estabelecer-se” [Borries, 2016, p.17].
Diante desta pluralidade, a apropriação por Rüsen do conceito como “estruturas mentais” elementares pode ser aproximada ao entendimento de Agnes Heller, pois em ambos consciência histórica não seria uma meta a ser alcançada, mas um fenômeno cotidiano e inerente à condição humana, não estando restrito a um período da história, a regiões do planeta, a classes sociais ou a indivíduos mais ou menos preparados para a reflexão histórica ou social geral [Cerri, 2001, p. 99]. A consciência histórica como produto da vida prática concreta, resultado da humana e íntima conexão entre o pensamento e a vida [Rüsen, 2001, p. 55], sendo, portanto, universal, estendida a todos os seres humanos [Rüsen, 2001, p. 78].

Como um filtro, a consciência histórica regularia as intenções de futuro e as ações no presente a partir dos conteúdos e experiências rememoradas do passado, tornando as intenções de agir conformes estas experiências.

De acordo com o seu maior ou menor poder de criticidade – e aí Rüsen inclui a importância do conhecimento regulado metodicamente como meio prático de orientação –, a consciência histórica processaria as tradições e as heranças da experiência do passado vivas no presente, desmontando suas aparências de eternidade pelo desvelamento de seu caráter essencialmente histórico [Assis, 2004, p. 334]. Seria um fenômeno que ocorre no interior do intelecto da pessoa, portanto um fenômeno individual, mas em íntima relação com a coletividade a partir das memórias e representações que são herdadas de gerações anteriores e compartilhadas num mesmo período, ou seja, em relação com os conhecimentos que estão dispostos no interior da sociedade.

Como o local em que o “passado é levado a falar” [Rüsen, 2001, p. 63] – a partir das questões, carências e interesses do presente, em relação aos anseios e expectativas lançadas ao futuro –, a consciência histórica articula passado, presente e futuro localizando o sujeito no tempo e no espaço. Esta memória/lembrança dos dados e experiências do passado – nas palavras de Rüsen “lembrança interpretativa” [2001, p. 63] – comporia o quadro de orientação das pessoas na vida prática atual. Não seria em si a própria consciência, mas o substrato/substância desta consciência [as memórias, as lembranças], o material que ela mobiliza de determinadas maneiras e se apropria como filtro.

A consciência utópica 

É nesta relação entre consciência e memória que Rüsen insere também a categoria utopia. Somente a recuperação dos dados da memória não dariam conta do superávit de expectativas com relação ao futuro que derivam dos “saltos utópicos” da consciência humana [Rüsen, 2007b, p. 136]. Em outras palavras, a constituição de sentido da consciência costuma ir além das circunstâncias dadas pela vida, interpretando a realidade conforme suas intenções de construir o “inteiramente novo”, o “outro”, o inédito. Mesmo não encontrando respaldo ou fundamentação racional no horizonte da cultura, esta vontade humana de transcender a realidade também nos sugere o pensamento utópico como um condicionante para o agir. Assim, a presença do passado e o desejo pelo futuro exercem influência nas interpretações e ações das pessoas no presente.

Neste ponto encontramos aproximações entre o conceito rüseniano de utopia e a expressão “horizonte de expectativas” de Reinhart Koselleck.  Para este, o passado não é o único condicionante temporal das ações que ocorrem no presente.  Como numa balança, as ações presentes ocorrem em meio a uma tensão entre a presença do passado [experiências] e as expectativas de futuro. Por “horizonte de expectativas”, Koselleck entende as sensações e antecipações humanas que se relacionam ao futuro, os medos e esperanças, ansiedades e desejos, apatias e certezas, inquietudes e confianças/desconfianças. Nesta relação passado-presente-futuro, quanto menor a presença do passado [experiências], como orientação às ações no presente, maior a influência do futuro [expectativas]. O contrário também é válido, ou seja, haveria sociedades, ou épocas, em que a presença do passado seria tão intensa sobre o presente que limitaria as novas expectativas e sonhos com relação ao futuro. Mas isso não significa que não existiriam expectativas em relação a ele. O exemplo citado por Koselleck se refere às novas expectativas que a Revolução Francesa inseriu no contexto europeu, exatamente pela forma como as experiências do passado foram perdendo influência sobre o presente, abrindo margem a um novo “horizonte de expectativas”. Novas experiências naquele tempo-presente geraram novas expectativas. E, inversamente, “velhas expectativas” se desgastaram diante das novas experiências [Koselleck, 2006, p.326]. Contudo, por mais que em algumas situações, contextos ou épocas, as “experiências do passado” contrastem com as “expectativas de futuro”, como no caso específico enunciado, passado e futuro devem ser entendidos como duas categorias temporais intimamente complementares. Numa dada sociedade, a forma como o passado está distribuído, ou até mesmo o tipo de passado comumente recuperado, influencia na maneira como o futuro é projetado, sonhado e esperado.

Retornando a Rüsen, o pensamento utópico define-se pela negação da realidade das circunstâncias dadas da vida. Ele articula carências, na expectativa de circunstâncias de vida nas quais desaparecessem as restrições à satisfação dessas carências. A constituição utópica de sentido pressupõe que as condições atuais do agir são irreais e que é possível imaginar outras condições totalmente diversas. Ao neutralizar, ficticiamente, as circunstâncias reais da vida, o pensamento utópico abre uma via para a orientação da existência humana, na qual representações de outras circunstâncias de vida aparecem como expressão de carências de mudança do mundo, motivadoras do agir [Rüsen, 2007b, p. 137].

Este pensamento utópico, como orientação do agir, constrói representações da realidade social descoladas das experiências temporais concretas, sendo uma orientação ausente de mediação. Por isso, essas representações remetem a ações cuja liberdade não se evidencia na materialidade do presente. “Utopias são, por princípio, exageradas” [Rüsen, 2007b, p. 138]. Enunciam mais carências [ou medos e temores] do que se poderia satisfazer sob as condições dadas, constituindo um superávit das carências com relação aos meios.  São constituídas de esperanças que vão além do factível aqui e agora, sendo os “sonhos que os homens têm que sonhar com toda a força de seu espírito, para conviver consigo mesmos e com seu mundo, sob a condição da experiência radical da limitação da vida” [Rüsen, 2007b, p. 138]. Portanto, para Rüsen, este é um componente necessário – “uma fonte vital” – das motivações do agir.

Esta liberdade do sonho utópico [que idealiza outros futuros melhores e piores] costuma deslocar tanto o indivíduo da concretude do presente, que suas ações [ou intenções] incidem de modo deficitário sobre sua orientação existencial. Estas ações e interpretações precisam ser rearranjadas conforme a realidade da experiência, ou seja, de acordo com Rüsen, o superávit do pensamento utópico precisa ser mediado pela consciência histórica. Com isso, o pensamento histórico entra no jogo. Por definição, ele é crítico da utopia, pois conecta o superávit intencional do agir humano às experiências acumuladas do que esse agir causou ou não ao longo do tempo. As experiências exageradas, com as quais as utopias sonham com o reino da liberdade, são por ele submetidas ao regime da necessidade, imposto pela força domesticadora da memória, que recorda o que foi o caso [Rüsen, 2007b, p. 139]. Ele modera as constituições utópicas de sentido, a fim de fornecer uma base sólida às representações do que teria sido o caso, sem a qual estas não seriam fatores da orientação do agir. A consciência histórica introduz, no quadro de orientação da práxis humana, a experiência que o pensamento utópico abandona e neutraliza, em nome da esperança. Em outras palavras, a memória do passado torna possível/realizável a utopia: “a utopia vazia de experiência torna-se uma alteridade plena de experiência” [Rüsen, 2007b, p. 142]. É nesta relação tensa entre experiências e expectativas ou entre história e utopia – ou ainda entre consciência histórica e consciência utópica – que a orientação existencial se dá no cotidiano. A utopia seria uma crítica da história, na busca por um outro futuro [bom ou ruim], e o conhecimento histórico, como uma mediação nas possíveis intenções “exageradas” da consciência utópica. Entendemos a utopia rüseniana no mesmo tom otimista de Eduardo Galeano, que identifica a utopia como necessária ao humano “A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar”.

Tendo apresentado e problematizado estes dois conceitos, deixamos aqui seis questões que podem provocar práticas e pesquisas na área do ensino da história: a] como podemos identificar de modo prático e eficaz a mobilização da consciência história nos jovens em sala de aula? b] como podemos qualificar com práticas docentes os dados da memória que os jovens utilizam na orientação para a vida prática? c] como a consciência histórica opera na seleção das memórias, entre aquelas que são de curto prazo, longo prazo e discursos ideológicos do tempo presente? d] como considerar metodologicamente o pensamento utópico dos jovens? e] como testar a eficácia do conhecimento histórico escolar nos jovens em suas relações/ações cotidianas extraescolares? f] como considerar em ambiente escolar os conhecimentos históricos da cultura que participam cotidianamente do quadro interpretativo dos jovens?

REFERÊNCIAS

Wilian Carlos Cipriani Barom é doutor em Educação. Professor do Departamento de História da Universidade Estadual de Ponta Grossa/PR.


ASSIS, Arthur. A teoria da História de Jörn Rüsen: uma introdução. Goiânia: Editora UFG, 2010.

BAROM, Wilian Carlos Cipriani.  Didática da História e consciência histórica:  pesquisa na Pós-graduação brasileira [2001-2009].  2012, 136 f.  Dissertação [Mestrado em Educação] - Universidade Estadual de Ponta Grossa, Ponta Grossa, Paraná, 2012a. Orientador: Luis Fernando Cerri.

BORRIES, Bodo Von. Jovens e Consciência Histórica. Curitiba: W.A Editores, 2016b.

CARDOSO, Oldimar. Para uma definição de Didática da História. Rev. Bras. Hist., São Paulo, v. 28, n. 55, Junho, 2008.

CERRI, Luís Fernando. Ensino de história e nação na propaganda do “milagre econômico” – Brasil: 1969-1973. 2000, 304f. Tese [Doutorado em Educação] – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, São Paulo, 304f. Orientadora: Ernesta Zamboni.

___________. Os conceitos de consciência histórica e os desafios da Didática da História. Revista de História Regional, Ponta Grossa, PR, v. 6, n.2, p. 93-112, 2001.

KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado. Contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto, Editora Puc-RJ, 2006.

MARTINS, Estevão Rezende. História: consciência, pensamento, cultura, ensino. Educar em Revista, Curitiba, n. 42, p. 43-58, 2011.

RÜSEN, Jörn. História Viva:  teoria da história III:  formas e funções do conhecimento histórico. Brasília: UnB, 2007b.

___________. Razão histórica: teoria da história: os fundamentos da ciência histórica. Brasília: UnB, 2001.

___________. Reconstrução do passado:  teoria da história II:  os princípios da pesquisa histórica. Brasília: UnB, 2007a.

SADDI, Rafael. O parafuso da didática da história: o objeto de pesquisa e o campo de investigação de uma didática da história ampliada. Rev. Acta Scientiarum, Maringá, v. 34, n. 2, p. 211-220, July-Dec., 2012.

17 comentários:

  1. Professor Cipriano, me pergunto como pensar em uma consciência utópica sem questionar a consciência de classe. Que modos de ponderação poderíamos dispor para trazer ao aluno uma reflexão sobre o seu lugar político social. Se pensarmos que utopias podem estar relacionadas aos espaços heteropicos como elaborado por Foucault?

    Edson Silva de Lima

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    1. Olá Edson, imagino que cabe sim relacionar a consciência utópica (e histórica) de Rüsen com o conceito de espaços heterotópicos de Foucault. Se não me engano, o segundo tem a ver com os lugares e espaços que estão a margem da realidade, mas que reproduzem/idealizam esta realidade, funcionam de maneira não hegemônicas, como camadas diversas de interpretação, como espaços de alteridade (motéis, hospitais psiquiátricos, asilos, prisões, museus, templos religiosos, filmes ficcionais, jardim botânico, etc). Como a utopia para Rüsen tem a ver com as projeções humanas e cotidianas, os comportamentos e as tomadas de decisões que subentendem futuros (e que escapam a racionalidade), sendo impulsos, imagino que um cineasta ao criar um filme de ficção que projete um futuro apocalíptico, por exemplo, tem sim a ver com este impulso/desejo de ir além da atual realidade (utopia), mas um desejo que se apresenta já enviesado pelas memórias do cineasta que sua consciência histórica trouxe à tona (em outras palavras, “é porque aconteceu isso, isso e isso que o futuro pode ser esse da ficção”). O mesmo poderíamos aproximar com relação aos “outros lugares” heterotópicos, são produtos da interpretação, em íntima ligação com a realidade, são utopias já adensadas de memórias. Sobre a primeira parte de sua pergunta, Rüsen entende que as ações humanas são qualificadas a partir do conhecimento histórico científico, o que atribui a educação escolar um papel fundamental. Neste processo é que cabe ao professor uma educação que relacione os conteúdos escolares (e experiências) às carências e necessidades humanas daquela comunidade específica (quase no sentido freireano mesmo). Uma Educação que se esforça em ser política e crítica da realidade exatamente por se propor em construir uma aprendizagem escolar com sentido (o que possibilitaria a esta comunidade utopias realizáveis). Por fim, convém entender a consciência histórica como este movimento rápido que o pensamento faz em direção/seleção (d)às memórias para interpretar o presente e possibilitar os futuros, e que não vejo como sinônimo de consciência de classe, mas que, com certeza, para que haja uma consciência de classe, precisa haver um trabalho da consciência histórica. E quando você se refere à “pensar em uma consciência utópica sem questionar a consciência de classe”, penso que a teoria rüseniana não desconsidere esta condição da classe, exatamente porque demonstra a íntima ligação que existe entre as utopias e carências, entre o pensamento e o aprendizado, entre indivíduo e a cultura.

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  2. Caro professor Wilian Carlos Cipriani Barom,
    O seu texto nos ajuda a compreender o pensamento de Rüsen, ao mesmo tempo em que nos traz outras indagações a respeito deste historiador. Parabéns pelo artigo!
    Após a leitura do seu trabalho e diante dos conceitos apresentados, fiquei pensando: seria a consciência utópica o fenômeno responsável pela mudança da consciência histórica – de uma tipologia tradicional para uma tipologia crítica, por exemplo?
    Atenciosamente,
    Aaron Sena Cerqueira Reis.

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    1. Olá Aeron, penso que não. O salto utópico tem mais a ver com os desejos humanos de ir além da realidade, e a evolução das tipologias de Rüsen tem mais a ver com a qualidade da memória recuperada e como ela estrutura o pensamento enquanto forma (em termos de estética e oratória). Para migrarmos de uma sentença tipo “mulher nasceu para servir o homem” (tradicional) para uma outra do tipo “neste lugar existe uma cultura machista que condiciona as ações das mulheres” (genética) precisa haver no indivíduo um conjunto de memórias que ele possa utilizar como contraste na comparação e interpretação da realidade. Penso que esta evolução vai se dando na medida em que ele vai acumulando experiências/memórias, por isso o papel revolucionário da Educação e do conhecimento científico. Abraço.

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    2. Obrigado pelas considerações, professor.
      Abraços,
      Aaron.

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  3. Parabéns pelas reflexões feitas professor. Eu tenho sentido falta de textos que discutam a consciência utópica, esse peso do futuro sobre o presente.

    Nessa linha gostaria de perguntar se o Horizonte de expectativa de Kosellek Não é mais amplo que a consciência utópica de Rusen? Porque me parece que Rusen trabalha menos o futuro como um topo, mas mais o futuro utópico.

    Matheus Mendanha Cruz

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    1. Olá Matheus, sim, concordo contigo. Por mais que o futuro seja uma constante nas definições que Rüsen faz de quase todos os seus conceitos, ele se atenta mais na relação teórica que o sujeito estabelece com o passado. Talvez avance um pouco na relação que estabelece entre formação complementar e as ações consequentes que contribuem na reelaboração da cultura histórica. Mas gosto de pensar a contribuição de Koselleck (a ideia das duas forças – passado e futuro – que existem no interior de uma sociedade) como os componentes que estruturam, ou atribuem dinâmica ao conceito de cultura histórica (deixa este conceito de Rüsen menos estático e sujeito a disputas e tensões).

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  4. Parabéns, excelente texto! Fiz a leitura com muita atenção e satisfação!
    Queria pensar algumas questões com o senhor, assim, explico as razões da minha curiosidade, para daí fazer meu questionamento...
    Seu texto me ajuda a pensar, que uma obra como: “A Cultura Brasileira” (1943) de Fernando de Azevedo, possuem critérios de orientação e modelos explicativos (historicismo e explicação genética), por recuperar o passado, descrever e explicar circunstâncias temporais e espaciais em sentidos de superação.
    Por tentar identificar o tipo de história que um autor produz - poderia ser o conhecimento histórico que um aluno utiliza no seu cotidiano - lhe pergunto: A construção de uma obra, de uma representação, de um texto, pode ser entendida como um “produto da vida prática concreta”, resultado humano da “íntima conexão entre o pensamento e a vida”?
    Como o senhor concorda com a “definição mais ampla do termo [consciência histórica], contida, em certa medida, também na teoria rüseniana”, e assume que “é um conceito bastante plural em suas variadas conceituações”, me parece que sua aplicação, possibilita entender orientação temporal, consciência identitária e processos de interpretação (como por exemplo da cultura brasileira), como algum tipo de atribuição de sentido ao tempo na busca da própria orientação e conscientização (da identidade nacional, do próprio eu na comunidade por exemplo).
    Não quero fugir ao tema do evento e nem a proposta do seu texto, contudo, me parece que a questão nos ajuda a pensar a educação, a história e as questões propostas pelo senhor. Muito obrigado, mais uma vez parabéns pelo texto!

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  5. Olá Wilson, penso que sim, a construção de uma obra, de uma representação ou de um texto, pode ser entendida como um “produto da vida prática concreta”, resultado humano da “íntima conexão entre o pensamento e a vida”, inclusive este é o principal eixo da teoria ruseniana, no esforço que faz em articular ciência e senso comum, pensamento histórico científico e pensamento histórico comum. As angústias e carências do tempo presente participam enquanto fios condutores em nosso trabalho de evocar ideias históricas, ou dados da memória, o que nos sugere que a vida, o cotidiano, os nossos dramas particulares e coletivos, medos e sofrimentos, ideias preconcebidas e saberes tácitos em alguma medida solicitam de nosso pensamento resoluções e explicações, como diria Rüsen, para viver no mundo precisamos incondicionalmente interpretar o mundo: uma das premissas de sua teoria. Assim, convém tomarmos obras, representações e textos como produtos dsta interpretação humana, a partir de memórias que a consciência selecionou, neste trabalho de interpretar. Por isso, cada tempo possui as suas carências (experiências e horizonte de expectativas, conforme Koselleck) o que atribui ao produto do historiador ou a um trabalho artístico a particularidade de ser a interpretação (enquanto resolução íntima), uma dentre tantas possíveis naquele momento, que sintetizou passado-presente-futuro enquanto narrativa. E, exatamente, por ter essa íntima ligação com a vida, com a necessidade humana de se explicar e explicar as mudanças do mundo, é que atribui identidade como resultado (os textos historiográficos carregam esse anseio em dizer “quem é o outro do passado”, e por consequência, “quem sou eu”).
    Obrigado pela pergunta, espero ter contribuído ;)

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  6. Contribui Sim!! Fico grato pela gentileza... !

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  7. Parabéns pelo texto. É um assunto que prende minha atenção. Em meu cotidiano relaciono muito passado-presente-futuro, pois acredito que através de experiências e expectativas poderemos construir uma vida prática com relação às necessidades da sociedade histórico crítica cultural. Será que dentre de tantas utopias, algum dia poderemos dizer: "Alunos, hoje vamos aprender história". Ou seja, compreender de fato a realidade vivida através dos tempos? Professora Eliana Cristina Dias Bueno Nunes.

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    1. Olá Eliana, este é o nosso desafio, construir um ensino da história escolar com sentido. Propiciar experiências que instrumentalizem os alunos no entendimento da realidade presente a partir dos conteúdos e competências/habilidades desenvolvidas no ambiente escolar. Aprender no sentido de apreender, se apropriar de novas memórias sobre outros passados de modo a rearranjar o funcionamento da consciência histórica dos jovens, e assim desenvolver a interculturalidade, a solidariedade e a criticidade.

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  8. Grato pelo texto, consegue apresentar e nos envolve em mosaico de pressupostos teóricos que cercam esta categoria da história. Pela abordagem vejo que Rüsen compreende a consciência histórica como universal e que é inata aos indivíduos. A partir de sua abordagem sobre conhecimento disponível em cada tempo ou sociedade a ideia do autor se configura em estágios e quais seriam?

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    1. Olá Claudivan, convém entender estes estágios evolutivos da consciência histórica apenas no âmbito da complexidade. Um subentende a existência do outro. Mas não permaneceríamos neles, habitaríamos simultaneamente os quatro tipos de geração de sentido (tradicional, exemplar, crítico e genético), variando conforme as temáticas e desafios do cotidiano. Somos um misto e utilizamos estas quatro formas de orientação constantemente. O desafio da educação escolar é qualificar o pensamento histórico dos jovens de modo a conduzi-los ao modo genético, quando os demais modos forem um problema para a sociedade. Enquanto professores, podemos aceitar um posicionamento tradicional dos jovens no tocante à sua religião e crença (surgimento do mundo, por exemplo), mas não podemos aceitar quando esta mesma modalidade de atribuição de sentido aparece na definição do papel da mulheres na sociedade (o papel da mulher é obedecer o homem, por exemplo).

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  9. Olá Wilian, tudo bem? Achei muito interessante a sua abordagem sobre consciência a consciência utópica e as articulações com aspectos da teoria de Koselleck. Nunca havia pensando a consciência histórica por este viés e achei muito pertinente, e como você apontou ao final: abre um grande leque para pesquisas.

    Nas suas investigações (mestrado/doutorado) você chegou a analisar ou abordar o conceito de consciência utópica em alunos ou docentes?

    Parabéns pelo texto. Grande abraço.

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  10. Olá brother, não avancei na captura empírica deste conceito nem no mestrado, nem no doutorado. Apenas passei a refletir sobre no corpo do texto da tese na caracterização da teoria rüseniana. Quem já fez este estudo foi a Caroline Pacievitch, vale dar uma olhada nos textos dela, inclusive relacionando com a temática do seu texto, a identidade e formação docente. Abraço, valeu ;)

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  11. Wilian, entendi. Bem lembrado, inclusive já li algumas vezes as abordagens na dissertação e tese da Caroline. Ótima indicação mesmo. Abraços.

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