João Otávio Tomazini Fardin


MINHA CIDADE, MINHA HISTÓRIA: APLICAÇÕES DA HISTÓRIA DE BAURU EM SALA DE AULA, UMA PROPOSTA DE PROJETO


Para elaboração deste projeto partimos da ideia de que há um descompasso entre a sociedade atual, marcadamente digital, e a instituição escolar [Castells, 2006, Freitas e Junior, 2013, Silva, 2015]. A sociedade atual, definida por sua interatividade e funcionamento em rede choca-se com um ensino muitas vezes distante do contexto do aluno e, desta forma, pouco atraente e significativo. É valida a consideração de Caimi [2007] sobre as dificuldades relatadas em cenário brasileiro para o ensino de história. Para autora:

Os professores, de um lado, reclamam de alunos passivos para o conhecimento, sem curiosidade, sem interesse, desatentos, que desafiam sua autoridade, sendo zombeteiros e irreverentes. Denunciam, também, o excesso e a complexidade dos conteúdos a ministrar nas aulas de História, os quais são abstratos e distantes do universo de significação das crianças e dos adolescentes. Os alunos, de outro lado, reivindicam um ensino mais significativo, articulado com sua experiência cotidiana, um professor “legal”, “amigo”, menos autoritário, que lhes exija menos esforço de memorização e que faça da aula um momento agradável. [Caimi, 2007. P.18-19].

Sua análise é interessante porque apresenta o ponto em que o descontentamento de docentes e alunos se encontram: em um ensino desconexo da realidade. O ensino de história “ainda é predominantemente factual, trabalhando com as tendências narrativas e positivistas, tornando-se, dessa forma, para os alunos um ensino desinteressante, confuso, anacrônico, burocratizado e repetitivo” [Ferreira, 1999].

Assim, torna-se evidente que há necessidade de renovar as práticas envolvidas no ensino de história, de modo a conectá-lo à realidade do aluno e garantir um aprendizado mais significativo. No entanto, faz-se um desafio enorme no caso da história. Como aproximar o aluno de contextos que lhe são distantes, tanto no tempo quanto no espaço? 

Os documentos oficiais, como os PCN´s, apontam que o uso dos patrimônios culturais são uma forma de conectar o ensino de história ao contexto de aluno e um meio de valorizar a produção cultural humana e promover a alteridade cultural. Orienta-se que o professor deve:

Introduzir na sala de aula o debate sobre o significado de festas e monumentos comemorativos, de museus, arquivos, áreas preservadas, permeia a compreensão do papel da memória na vida da população, dos vínculos que cada geração estabelece com outras gerações, das raízes culturais e históricas que caracterizam a sociedade humana. Retirar os alunos da sala de aula e proporcionar-lhes o contato ativo e crítico com as ruas, praças, edifícios públicos e monumentos constitui excelente oportunidade para desenvolvimento de uma aprendizagem significativa. [PCN para Ensino médio, p.306, 2002].

É válido ressaltar que essa orientação se faz presente também no currículo do estado de São Paulo. Neste documento, só nas competências de história ao longo do ensino fundamental II e ensino médio o termo “patrimônio” aparece quatorze vezes, normalmente nos seguintes termos: “identificar e valorizar a diversidade do patrimônio cultural, reconhecendo suas manifestações e inter-relações em diferentes sociedades”. Na introdução do texto, fica evidente a proposta da inclusão da educação patrimonial em sala de aula:

Por conta de nossa formação sócio-histórica, dá-se especial ênfase à questão da identidade: no que se relaciona ao universo social mais amplo da nacionalidade, como no âmbito individual, apontando-se como básico o conhecimento das características fundamentais do Brasil (sociais, materiais e culturais) e o reconhecimento e a valorização da pluralidade que constitui o patrimônio sociocultural brasileiro, assim como o de outros povos e nações. [currículo do estado de São Paulo, 2016, p.30].

Outra competência sugerida pelos PCN´s é o uso de diversas fontes, a fim de demonstrar que o processo de construção histórica recorre aos mais variados tipos de registro humano, de texto a artefatos. O PCN define que ao fim do terceiro ciclo, os alunos sejam capazes de empregar fontes históricas para construção de pesquisas escolares, dentre elas “livros, jornais, revistas, filmes, fotografias, objetos, etc” [p.77].

E este exercício de empregar as fontes em sala de aula não é apenas para o ensino do processo metodológico da construção do conhecimento histórico. Ele demonstra a própria natureza discursa do conhecimento histórico, na qual o historiador busca no documento dados a partir de uma relação presente-passado [PCN, p.86]. O trato com a fonte parte, segundo os documentos acima citados, das questões formuladas no tempo do historiador. Tais questões nortearão o trabalho histórico a fim de perceber permanências e mudanças ao longo do tempo. É fundamental que o estudante identifique a relação entre passado e presente a partir do uso de documentos [PCN, p.76].

Assim, com intuito de atender as demandas curriculares, foi proposto um projeto que abarcasse os diversos conteúdos do currículo e as variadas competências dos PCN-s tendo como eixo central a história da cidade de Bauru. Com esta proposta, buscou-se articular o ensino ao contexto social em que os educandos estão inseridos. A fim de ilustrar as possibilidades do projeto, realizaremos um pequeno esboço da história da cidade.

Em seu processo de formação, os primeiros habitantes veem para a região de Bauru aproximadamente em 1856. Esta migração tem forte relação com a lei de terra de 1850 – é válido dizer que a relação entre o processo imigratório e a lei de terras é uma das competências previstas pelo currículo do estado de São Paulo para o quarto bimestre do oitavo ano e que tal tema pode ser retomado no projeto. Em documento oficial, o Departamento de Água e Esgoto - DAE coloca:

Foi por volta de 1856 que Felicíssimo Antônio de Souza Pereira e Antônio Teixeira do Espírito Santo, ao se estabelecerem nesta região, iniciaram um difícil trabalho, isto é, a derrubada das matas seculares, onde ergueram paliçadas rústicas e levantaram casebres para que pudessem alojar suas famílias. O duro aço das ferramentas feria, pela primeira vez, a terra recém-conquistada, com o início de diferentes plantações. Para garantir sua propriedade, Felicíssimo Antônio de Souza Pereira se deslocou até Botucatu, numa viagem demorada e lá registrou a posse, colocando no final do documento: Bauru, 15 de abril de 1856. Era, talvez, a primeira vez que o nome de Bauru, como povoado, aparecia em um documento oficial. Começava, desta maneira, a surgir a Vila de Bauru, um lugarejo modesto, humilde, mas que tinha tudo para expandir e transformar-se na grande cidade que hoje é. Chegavam novos moradores, parentes e conhecidos daqueles dois desbravadores considerados os fundadores de nossa cidade. [DAE, 2016, p.2].

Desta forma a ocupação surge o conflito entre o colono e o indígena caingangue, nativo da região. Este conflito, reconhecido na historiográfica como “massacre bauruense” [Novais, 1998] deixa evidente o processo de ocupação da terra e o tratamento do indígena. É interessante que, para abordar este assunto, são disponíveis relatos de processos e de indivíduos da época. O registro do assassinato de Felicíssimo no cartório de Botucatu, disponível na obra do historiador Gabriel Pellegrina é uma fonte que pode ser usado para abordar a questão nesse período. Nos termos do processo:

No dia 03 do corrente mês, na fazendo que foi do Finado Felicissimo Antonio de souza, distante desta vila dez léguas achando-se ocupado no derrubamento de matos para plantações, Gerônimo Pires Gonçalves, José Antonio de Oliveira, Manoel Antonio da Silva e Francisco Sabino de Siqueira foram surpreendidos por um bando de índios que, vindo a traição, assassinaram os três primeiros, escapando dois trabalhadores. Francisco Sabino, tendo ficado só, matou o cacique e perseguiu os assaltantes pelos matos. Terrível, porém, foi o atentado dos índios, depois de flechados, os referidos indivíduos dilaceraram seus cadáveres a machado, e quanto ainda neste sanguinolento mister se ocupavam, foram surpreendidos por Sabino e morto o chefe da tribo, fugiram. [Pellegrina, 2007, p.16].

Fundou-se ao longo do processo histórico de ocupação o povoado de Bauru, a princípio sujeito a administração da Vila de Espírito Santo da Fortaleza. Cabe aqui um comentário sobre uma das possiblidades deste projeto. Durante o império, há uma estrutura administrativa urbana que hierarquiza as cidades. De modo geral, o nível mais baixo de estrutura urbana é o povoado, administrado pela vila. Esta tem menos autonomia do que a comarca. Esta estrutura é demasiado importante para entender-se, além do processo de formação bauruense, um processo de mudança político-estrutural que acontece na passagem do império para a república. E a cidade de Bauru apresenta-se como um caso interessante para o estudo deste tipo de estrutura.

Com crescimento elevado a partir da instalação da primeira linha férrea, o povoado de Bauru apresentou um crescimento maior do que a Vila a qual estava subordinada – de tal modo que no ano de 1893 haviam sessenta e seis eleitores em Bauru e apenas 20 eleitores em Vila do Espirito Santo [Pellegrina, 2007, p. 23]. A diferença entre os dois conjuntos urbanos pode ser vista visualizada nos relatos de um dos engenheiros da ferrovia:

Ponto terminal de uma estrada de ferro, a Sorocabana, não há dia que para cá não imigrem os capitães atraídos pela fertilidade do solo e pela amenidade do clima. Povoação que conta com apenas três anos de existência, possui já o Bahuru cerca de sessenta casas além dos que se acham atualmente em construção... Em quanto a vila do Fortaleza decaí a cada dia. Bahuru cresce e desenvolve-se já possuindo: duas olarias, sapatarias, marcenarias, ferrarias, pharmácias, médico, escritório de engenharia e grande número de casas comerciais, algumas das quais com o movimento anual superior a 150 contos de réis. [Pellegrina, 2007, p.24].


A partir de um golpe dos vereadores de Bauru, o título de Vila é transferido. Bauru torna-se vila oficialmente em 1896, com apoio do senador Ezequiel Ramos [Pellegrina, 1996, p. 28]. Neste período, a cidade apresenta a seguinte configuração:



A partir deste momento, Bauru começa a tornar-se um entroncamento ferroviário. Por influência de Azarias Leite a Estrada de Ferro Noroeste vem para a cidade, que torna-se comarca em 1910. Com as estradas de ferroa cidade experimenta um crescimento vertiginoso, com melhorias e aumento do número de serviços. Constrói-se a Estação Ferroviária e diversos prédio tombados pelo CODEPAC, como o Hotel Cariani, Palacete Pagani, Casa do Superintendente da NOB, entre outros.

Com o programa diretivo de Juscelino Kubitschek que prioriza a matriz rodoviária, tem início o declínio da ferrovia bauruense. Neste momento, ganha destaque em Bauru o automóvel clube, como símbolo de desenvolvimento urbano e progresso, substituto da ferrovia.

Assim, neste breve histórico da cidade de Bauru, foram apresentados diversos documentos e temáticas que se relacionam as propostas dos PCN´s. Deste modo, consideramos que a história da cidade se apresenta como uma possibilidade para um ensino relevante.



Além dos documentos aqui citados, há vários outros encontrados nas obras de historiados da cidade. Dentre eles, destaca-se a obra da historiadora Marcia Regina Nava Sobreira [1999], “Viagem através das ruas de Bauru”, na qual marcos importantes da história da cidade se relacionam aos nomes de ruas. Desta forma, trabalha-se com a importância histórica de Azarias Leite, por exemplo. Além disso, este material serve de consulta para que os alunos pesquisam sobre o processo de formação de seus bairros.

Na obra “Roteiro Histórico: uma cidade, uma instituição”, o historiador Alcides Silva [1957] apresenta relatos do período da formação de Bauru, além da percepção dos colonos sobre os índios. Todos os documentos citados pelo autor podem ser usados em sala de aula.  Por fim, todas as obras do historiador Gabriel Ruiz Pelegrina podem ser empregadas como aporte teórico e base de dados para documentos.

Objetivos

Além das competências propostas pelos PCN´s, referentes ao uso de diversas fontes e da educação patrimonial, este projeto visa atender pontos específicos do currículo de história. Considerando o tempo de formação da cidade, a proposta pode ser empregada para alunos do ensino fundamental durante o primeiro semestre do nono ano.

O nono ano do ensino médio define para o primeiro bimestre que o professor aborde o início da república no Brasil, da transição do regime imperial para o presidencialista. No segundo bimestre, aborda-se a crise de 1929, Segunda Guerra Mundial e Era Vargas.

Deve-se destacar que Bauru apresenta-se um variado tipo de registros para o estudo de cada um destes conteúdos. Assim o objetivo deste projeto é apresentar os conteúdos destes bimestres relacionando-os a história de Bauru, a fim de que o estudante visualize em seu contexto os processos desenvolvidos na história do Brasil.

Materiais e Métodos

O projeto será realizado ao longo de um bimestre. Propõe-se primeiramente que o professor integre em sua prática didática os documentos encontrados ao longo da história de Bauru, a fim de que os alunos lidem com as fontes.

Mas para além da sala de aula, visando a construção de um produto que possibilite a avaliação constante do processo de ensino e aprendizagem, optou-se pela elaboração de um jornal semanal – que pode inclusive ser proposto em formato digital. O objetivo desta atividade é que os alunos, divididos em grupos, insiram ao longo do semestre os documentos e as análises realizadas em sala de aula no jornal e, com isto, divulguem semanalmente algum dado da história de Bauru para os outros estudantes.

E visando o trabalho com patrimônios culturais, propomos que ao fim do primeiro bimestre seja realizada uma visita técnica ao centro da cidade de Bauru, passando pelos prédios tombados que se ligam a ferrovia. Com isto, os alunos devem identificar a influência concreta dos processos históricos na cidade.

Esta visita é fundamental, pois a partir dos prédios é possível visualizar o processo de modernização da cidade e a influência da ferrovia para economia bauruense. Ao fim da visita, propõe-se que os alunos insiram no jornal semanal uma coluna sobre patrimônios bauruenses, definindo um prédio para cada grupo.

Durante o segundo bimestre, será realizada com os alunos visitas semanais ao NUPHIS – Núcleo de Pesquisa em História da Universidade do Sagrado Coração. Neste local estão presentes diversos jornais bauruenses. Há dois objetivos ao levar os alunos para este local. Primeiramente, para que tenham um contato maior com a prática da pesquisa em fontes históricas como a imprensa.

Além disso, os alunos realizarão sua própria pesquisa sobre a repercussão em Bauru da crise de 1929 e da Segunda Guerra Mundial, adotando os jornais como fontes. Os resultados desta pesquisa também serão inseridos no jornal semanal da escola.

Conclusão

A proposta de empregar a história de Bauru em sala de aula é permitir que o aluno relacione os conteúdos aprendidos na escola ao contexto em que está inserido. Assim, ao final deste projeto, espera-se que os alunos percebam a variedade de fontes empregadas na construção do conhecimento histórico.

REFERÊNCIAS
João Otávio Tomazini Fardin é graduado em história pela USC/Bauru e atualmente está em fase de concluir seu mestrado pela UNESP/Assis. Atua como professor do ensino médio.

ALCIDES, S. Roteiro histórico: uma cidade uma instituição. Bauru, SP, Comercial, 1957.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: introdução aos parâmetros curriculares nacionais / Secretaria de Educação Fundamental. – Brasília : MEC/SEF, 2000
CAIMI, F. E. Por que os alunos [não] aprendem História? Reflexões sobre ensino, aprendizagem e formação de professores de História. Tempo, Rio de Janeiro, v. 11, n. 21, p. 17-32, 2007.
CASTELLS, M; CARDOSO, G. [Orgs.]. A Sociedade em Rede: do conhecimento à ação política; Conferência. Belém [Por]: Imprensa Nacional, 2005.
Departamento de água e esgoto. Primeiros tempos da nossa cidade. Fonte: arquivo municipal. 2016.
FERREIRA, Carlos Augusto Lima. Ensino de História e a Incorporação das Novas Tecnologias da Informação e Comunicação: uma reflexão. Revista da História Regional. v. 4, n.2 1999. Disponível em:
http://www.uepg.br/rhr/v4n2/carlos.htm.
FREITAS, N. M. C. de. JUNIOR, M. I. F. Objetos de aprendizagem para o ensino da história: uma busca na web. Revista Latino-Americana de História, v. 2, nº 6, 2013 – Edição especial.
NOVAIS, Fernando [org.]. História da vida privada no Brasil. São Paulo: Companhia das letras, 1998. V. 3.
PELEGRINA, G. R. Bauru: notas históricas. Bauru, SP: I Canal 6, I 2007.
PELEGRINA, G. R. Ferrovia e Urbanização: o caso de Bauru. Bauru, SP. Universidade do Sagrado Coração, 1991.
PELEGRINA, G. R. Memorial da Câmara Municipal de Bauru 1896 – 1996. Bauru: Fergraf, 1996.
Secretaria da Educação. Currículo do Estado de São Paulo: Ciências Humanas e suas tecnologias / Secretaria da Educação; coordenação geral, Maria Inês Fini; coordenação de área, Paulo Miceli. – São Paulo: SEE, 2010.

SILVA, E. C. O. Aplicativos para Smartphones e o Ensino de História e Geografia: uma revisão crítica. Trabalho de Conclusão de Curso da Pós-graduação Lato Sensu em Docência no Século XXI, Instituto Federal Fluminense, Câmpus Campos-Centro, nos anos de 2014/2015.

SOBREIRA. M. R. N. Viagem através das ruas de Bauru I. Bauru, SP. Gráfica Avalon, 1999.

2 comentários:

  1. Ana Beatriz Feltran Maia21 de maio de 2020 às 11:22

    Boa tarde, João.
    Primeiramente gostaria de parabenizar seu projeto. Foi uma inspiração para pontos interessantes que pretendo abordar no ensino de história local de minha cidade. Você poderia discorrer como está sendo o aproveitamento do projeto com os alunos? Quais foram os principais resultados?

    ResponderExcluir
    Respostas



    1. Respostando pergunta feita dia 21/05/2020, mensagem acima gravada, para constar a assinatura.
      Boa tarde, João.
      Primeiramente gostaria de parabenizar seu projeto. Foi uma inspiração para pontos interessantes que pretendo abordar no ensino de história local de minha cidade. Você poderia discorrer como está sendo o aproveitamento do projeto com os alunos? Quais foram os principais resultados?
      Ana Beatriz Feltran Maia

      Excluir

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.