HOJE, ENSINAR
HISTÓRIA É UM ATO POLÍTICO CONTRA OS REVISIONISMOS CONSERVADORES
Caso 1: “Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil”, de autoria
de Leandro Narloch [2011] ameniza o caráter ditatorial do Regime Militar
brasileiro, pois este não teria morto tantas pessoas como em outras Ditaduras
Latino-Americanas.
Caso 2: "O português nem pisava na África. Foram os próprios negros
que entregavam os escravos", disse Bolsonaro, então candidato à
presidência, no Programa Roda Viva em 30 de setembro de 2018.
Caso 3: Rodrigo Constantino escreve para a Gazeta do Povo em 25
de novembro de 2019 matéria intitulada “Nazismo: o filho que a esquerda não
assume”
São casos que expressam concepções, crenças e informações que não são
exclusivas de algumas pessoas, mas circulam na sociedade, estão nas narrativas
de gerações diferentes, nas múltiplas interações sociais, nos diferentes
espaços, inclusive na escola. Por serem casos que expressam ideias que advém da
mídia [no caso, livro, TV e jornal] atreladas a sujeitos relativamente
conhecidos pelo público, são amplamente consideradas, respeitadas, acatadas,
questionadas, criticadas e transgredidas. Como estas ideias se formam, como
circulam, porque acabam tendo grande poder de cooptação na atualidade, são
questões complexas de serem respondidas, mesmo porque se referem a um movimento
recursivo: as ideias provenientes dos formadores de opinião tem a capacidade de
influenciar um público, mas este público já teria certas ideias baseadas em
seus códigos socioculturais que acabariam se reforçando mediante a influência
dos formadores de opinião.
Os artefatos culturais midiáticos e/ou os sujeitos formadores de opinião
não determinam/garantem a formação de todos os saberes públicos e o sujeito
precisa ser visto como produtor ativo de sentido, que interpreta as mensagens
recebidas conforme: classe, gênero, idade, religião, geração, profissão e etnia
[Martín-Barbero, 2001; Ellsworth, 2001]. Mesmo levando em conta está
afirmativa, consideramos que vivenciamos um contexto histórico, político e
econômico que vem configurando a tendência de os sujeitos “assimilarem” as
ideias conservadoras, muitas vezes preconceituosas e anticientíficas, privilegiando heranças e códigos culturais enraizados/disseminados no
social, em especial, pela mídia. Há que se lembrar da formação social que
experienciamos: tudo passa pela mídia, ou melhor, pela cultura midiática, e
todos, de uma forma ou de outra tem acesso a esta cultura. Em outros termos: a
cultura assume papel social constitutivo [Hall, 1998, p. 16]. Filtrada pela
mídia, higienizada da questão econômica, se esvanece o fato de que as relações
sociais são pautadas na exploração de uma ordem capitalista, pelo menos na
ideologia/mentalidade que então vigora. Romper com esta dinâmica que confunde a
noção de existência da [luta de] classes sociais, exige um senso crítico capaz
de relacionar a experiência de classe com a mentalidade de classe para se criar
intencionalidades que procurem se opor aos privilégios de classe. Como dissemos
antes, tudo passa pela cultura midiática, portanto, para construir esta relação
direta entre existência/experiência e modo de pensar/agir, cumpre usar também
os mesmos canais midiáticos, “fazendo História Pública”. Enfim, o senso
crítico, o empoderamento social depende da utilização do mesmo arsenal
midiático que reelabora, deturpa, silencia, negligencia, e reforça concepções
conforme interesses conservadores, e quando dizemos conservadores, nos
referimos à classe social que quer manter, conservar, reproduzir determinada
sociedade, sem buscar nela interferir para construir outra em que a justiça e a
igualdade seja para todos.
Retomando os
casos acima, mitigar, relativizar ou mesmo deturpar a escravidão, a Ditadura
Civil-Militar brasileira e o posicionamento do Nazismo, seria ao nosso ver,
criar uma história interessada em conservar uma sociedade que funciona a favor
de uma classe favorecida pelo capital, transformando o passado em uma prova de
que não havia outro caminho para trilhar que fosse outro, ou seja: se não fosse
o escravismo, o país não teria progredido, e aquele sistema não foi tão
exploratório que justifique hoje as políticas de reparação histórica; se não
fosse a Ditadura, mesmo com alguns métodos radicais como a tortura, o comunismo
teria estabelecido uma Ditadura Comunista no Brasil e, finalmente, o Nazismo é
sim, um regime cruel e autoritário, um modelo de política de esquerda, igualado
aos comunismo, socialismo, anarquismo e petismo.
Poderíamos citar
outros fatos questionados pelo revisionismo conservador: o receio do chamado
“marxismo cultural” [teoria da conspiração difundida nos círculos conservadores
e da extrema-direita estadunidense desde a década de 1990 que diz respeito a
uma suposta infiltração do marxismo nas sociedades ocidentais com o objetivo
final de destruir suas instituições e valores tradicionais através do
estabelecimento de uma sociedade global, igualitária e multicultural]; direitos
humanos seriam uma ferramenta de dominação mundial e defendem apenas bandidos;
Martin Luter King era anticomunista; a ideologia de gênero é um projeto de
dominação feminista que destrói as famílias; os professores universitários são
todos “esquerdistas” e a universidade pública não gera conhecimento útil; Paulo
Freire era um doutrinador comunista.
Para Estevão Martins, o senso comum costuma operar mais com convicções,
com certezas, enquanto o conhecimento histórico fundamentado trabalha com o
verossímil, plausível e convincente, obtido pela metodologia da história e/ou
pelo consenso/controle científico entre os historiadores [Martins, 2017, p.
38]. Por outro lado, o saber especializado/acadêmico da historiografia, as
vezes propaga ideias anistóricas, porque distantes da ciência. Portanto, não há
como separar completamente o senso comum da história especializada em termos de
concepções, mas sim [re]pensar a questão da capacidade de
circulação/difusão/cooptação destes saberes problemáticos e fazer circular
outros mais elaborados do ponto de vista da ciência.
No caso da História especializada, que supostamente seria o lugar da
ciência, algumas vertentes vêm se autodenominando revisionistas. Não há
problema em fazer uma revisão da História, já que toda ciência requer
reelaborações conforme novas descobertas. E não temo como objetivo neste texto
retomar a origem do revisionismo [na esfera do Direito e depois da
historiografia] ou outros revisionismos que não as duas vertentes principais. A
historiografia se move seguindo a máxima estabelecida ainda no começo do século
passado, isto é, segundo novos problemas, abordagens e objetos, bem como novas
evidências. O revisionismo foi importante na desconstrução de estereotipias, no
questionamento quanto à lógica do herói e do vilão na História, na inserção da
mulher como sujeito histórico, na análise mais apurada sobre as histórias e as
culturas indígena e negra etc. Este seria um revisionismo comum na década de
70, 80 do século passado, abraçado pela Nova Esquerda
“ansiosa para expor os preconceitos do pensamento ocidental, burguês e
primordialmente masculino” [Kakutani, 2018, p. 17]. Neste tipo de
revisionismo, entendidos por alguns como marxista ou “esquerdista”, os
historiadores procuravam reinterpretar “processos históricos [que] até então
eram consensuais, seja como narrativas emanadas do Estado, ou mesmo narrativas
acadêmicas bem estabelecidas” [Melo, 2014, p.19] e por isso pode ser denominado
de revisionismo progressista ou crítico.
Os revisionismos implicam na História como terreno de disputa política,
por isso o ensino de história não consegue despolitizar-se. Sempre a ideia de
que existe uma História canônica, oficial, tradicional a ser descontruída, mas
o revisionismo conservador passou a trabalhar mais com a retórica moralista, ou
mesmo apologética em alguns casos, do que a partir de dados empíricos, evidências,
acúmulo de pesquisas sobre o assunto e discussões conceituais, haja vista a reabilitação de Mussolini e a ideia de que o fascismo tem
raízes na esquerda por De Felice ou as justificativas para os crimes nazistas
contra a humanidade postas por Nolte [Melo, 2014; Sena Jr; Melo; Calil, p.
18, 2017].
Diante do exposto, podemos ver que o revisionismo não é prerrogativa
brasileira e tem origens distantes de pelo menos 30-40 anos. Damien Melo
considera que o revisionismo apologético em relação ao franquismo e ao
salazarismo são próprios de um contexto de crise europeia, pois “para operar a
retomada das condições da acumulação capitalista, nada melhor que a
normalização de um passado ditatorial de modo a tornar mais ‘suportável’ viver
sob um ‘estado de exceção permanente’.” [Melo, 2014, p. 47]. Podemos transpor
esta consideração para o contexto revisionista da Ditadura Militar Brasileira
como uma espécie de retrotopia, quando diante de [as vezes, suposta]
crise, se tem nostalgia de um passado que provavelmente nunca ocorreu [Bauman,
2017].
Fazer uso e abuso do passado, seria produzir um revisionismo
optando pelas ocorrências e evidências que corroboram determinado
posicionamento o que não é prerrogativa, mas tendência de uma História escrita
ou defendida pela direita liberal-conservadora. Por exemplo, o revisionismo em
relação ao genocídio indígena, a escravidão brasileira e o racismo, certamente
vincula-se às demandas de grupos que defendem o Estado Mínimo para superar a
crise [palavra retomada constantemente para justificar práticas e ideais
políticas, mais que econômico] em substituição ao Estado de Bem-Estar Social,
que no Brasil, nem bem foi implementado. Portanto, o revisionismo conservador
se vincula diretamente com um projeto social de exclusão.
Neste uso e abuso, diversas estratégias podem ser mobilizadas: omissão
ou anulação de algum dado, informação ou acontecimento; valorização ou
rememoração de algum dado, informação ou acontecimento favorecedor de
determinada perspectiva e ofuscamento daquele[s] que não favorece[m];
descontextualização de narrativas, dados, informações e acontecimentos; optar
por certa estatística em detrimento de outras; generalizar tomando um caso como
explicador de todo contexto, etc. [Macdonald, 2019]. Montesinos [2007] entende que
estas estratégias se vinculam à restauração da História Oficial, à mistificação
ou ao empoderamento de determinadas identidades [da classe dominante]. O
objetivo do revisionismo conservador, é, sobretudo, mais persuasivo do que
científico e costuma ter como estratégia: a desqualificação da pessoa que
testemunha certo fato que comprova acontecimentos, práticas e registros que se
quer silenciar; também a desqualificação de personagens históricos [que estão
do lado adversário] com algum detalhe, frase ou ação específica; generalização;
linguagem persuasiva, afirmativa e imperativa; naturalização ou amortização de
fatos violentos e/ou significativos; comparações entre dados, acontecimentos ou
práticas muito diferentes; reduções quantitativas, entre outras.
Frente a tais estratégias de uso e abuso do passado, como lidar com o
revisionismo em sala de aula? Qual revisionismo pode ser considerado válido? A
seguir fornecemos algumas sugestões.
1 - Apreender o conhecimento prévio do aluno. O que os alunos
sabem/pensam sobre a temática a ser estudada? A partir dos conhecimentos
prévios dos alunos possibilita-se uma “potencialização” da aprendizagem
histórica, pois estes são marcos a partir do qual os alunos darão significado
aos conteúdos históricos escolares [Abud, 2005, p. 312]. Os procedimentos para
obter os conhecimentos prévios dos alunos são diversos e vão desde realizar uma
“tempestade de ideias” escrevendo no quadro as palavras com as quais os alunos
associam com o assunto a ser estudado, desde um instrumento de pesquisa mais
elaborado como o questionário ou a produção de uma história hipotética [Ramos;
Ramos, 2019]. De uma forma ou de outra, utiliza-se um dispositivo de evocação,
ou seja, uma estratégia para direcionar uma forma de conhecimento situacional. Ao
aluno “...pede-se que pense em determinado recorte da realidade que se
apresenta e que procure uma posição ou ponto de vista em relação a ela”
[Edwards, 1997, p. 24].
2 - Relação passado-presente. O passado precisa ser avivado para
o conteúdo histórico escolar ter sentido para o aluno, produzindo uma
aproximação com a vida prática: “aprendizagem é estimulada quando as
situações-objecto de conhecimento se apresentam significativas, com sentido
pessoal” [Barca, 2009, p. 13]. Para Peter Lee, no contexto do ensino de
história, é admissível a noção de “passado prático”, o passado deve então
“servir” para a vida do aluno, permitindo que o presente faça sentido [Lee,
2008, p. 20]. Relacionar passado-presente seria problematizar buscando
explicações históricas, lembrando das mudanças e permanências, lembrando da
presença do passado no presente. Há a necessidade de os alunos se reconhecerem
em uma determinada história, “de olhar para si mesmos e se autofirmarem”
[Pereira; Seffner, 2018, p. 20]. O estudo do passado só tem valia se tratarmos
dos “temas desestruturantes da vida dos jovens e da sociedade brasileira dos
tempos atuais – que lhes permita compreender o que é presente e como se
orientar nele, construir uma identidade, criar referenciais” [Pereira; Seffner,
2018, p. 21].
3 - Consideramos que por intermédio do emprego da metodologia da ciência
histórica, utilizamos fontes históricas em sala de aula, e estas,
provavelmente também serão encontradas no livro didático. A utilização da fonte
documental remete ao fundamento do método histórico, aos processos necessários
à construção do conhecimento histórico, seja pelos historiadores, seja pelos
professores e alunos em sala de aula: “É preciso construir juntamente com a
criança os meios para que ela entenda os procedimentos da construção
historiográfica e como o historiador analisa os vestígios nos documentos para
escrever história” [Cainelli; Tuma, 2009, p. 212]. Para Peter Lee, a construção
do conhecimento histórico demanda um “compromisso de indagação” com as “marcas
de identificação” da história, como “passado”, “acontecimento”, “evento”,
“causa”, “mudança” etc., “o que requer um conceito de evidência” [Lee, 2006, p.
136]. A metodologia da ciência histórica desenvolvida na escola para construção
do conhecimento implica em lidar com o que Isabel Barca chama de “princípio
investigativo”, por isso nomeia o ensino pautado na pesquisa do professor e do
aluno de aula-oficina [Barca, 2004]. A História-Ciência reúne fontes para
“analisá-las, descrevê-las, explicá-las e narrar seu fio” e esses passos são
passíveis de crítica, comparação, reformulação, confirmação, modificação,
superação, complementação [Martins, 2017, p. 28]. Martins ainda defende que o
ensino de história não pode renunciar, assim como no conhecimento histórico
especializado, do “aprendizado gradual dos recursos metódicos com que se lida
com as fontes da informação histórica” [Martins, 2017, p. 209].
4 - Introduzir o aluno na pesquisa. Também é importante fazer os
alunos investigarem a temática, busquem a contextualização de
determinado período para melhor interpretar/analisar as fontes históricas, já
que estas não falam por si. O mundo digital talvez seja familiar à cultura do
aluno, dependendo de sua condição socioeconômica, por isso seria adequado que o
professor consultasse antes alguns sites para repassar aos seus alunos
realizarem a pesquisa.
5 - O conceito de empatia histórica pode servir ao propósito de contextualização.
Peter Lee diz podermos substituir a palavra “empatia” por “compreensão”. Mais
precisamente: “compreensão histórica”, que não é apenas um sentimento, “Embora
envolva o reconhecimento de que as pessoas possuem sentimentos” [Lee, 2003, p.
20]. A construção de identidade implica na construção da alteridade, e mais do
que isto, uma forma de “se colocar no lugar do Outro” para entender e respeitar
o que este Outro pensa, objetiva, necessita, vivência, rejeita, admira,
questiona, etc. Porém, mais do que se colocar no lugar do Outro, “a nossa
compreensão histórica vem da forma como sabemos como é que as pessoas viram as
coisas, sabendo o que tentaram fazer, sabendo que sentiram os sentimentos
apropriados àquela situação” [Lee, 2003, p. 21]. Embora a empatia seja fundamental
para entendimento do Outro em nossa temporalidade, ela se distingue, quando
histórica, por levar em conta, preferencialmente, os Outros de temporalidades
passadas.
6 - Na história de vida pessoal ou coletiva, é mister perceber a complexidade.
Um pensamento linear despreza a multicausalidade histórica. Se pensamos de
forma unicausal, simplificada e imediata, para, por exemplo solucionar a
violência, recaímos no [des]argumento sobre a necessidade de armar a população,
aprisionar cada vez mais pessoas mesmo que as cadeias se encontram
superlotadas, chegando ao extremo de defender a máxima “bandido bom é bandido
morto” [Ramos, 2019]. Outro exemplo seria ver culturas ou grupos sociais por
meio de estereótipos. Tendo como base o preconceito, o estereótipo nega a
existência do Outro, sendo “um meio de simplificar e agilizar nossa visão de
mundo” [Rodrigues, Assmar; Jablonski, 2015, p.204], para não dispender uma
energia cognitiva para compreendê-lo. A causalidade simples “vê a causa como
sempre vizinha do efeito ou muito próxima a ele” [Mariotti, 2000, p. 33]. Já o
pensamento complexo, procura perceber “os múltiplos dados e ângulos de
abordagem de um mesmo problema” [Mariotti, 200, p. 36], o contexto e a
explicação mais completos possível.
7 - Multiperspectividade. Segundo Isabel Barca, existe uma
multiplicidade de perspectivas em história, devido aos pressupostos e contextos
diferenciados de produção histórica. Porém, ao contrário da abordagem
relativista, devemos considerar os critérios intersubjetivos de validação das
produções historiográficas, entre eles, o mais consensual, como já afirmamos,
seria o da “consistência da evidência”. As fontes/evidências fornecem indícios
sobre o passado, diferenciando uma abordagem ficcional da histórica [Barca, 2001,
p. 30]. Peter Lee ainda nos alerta que compreender o Outro, ter empatia, nem
sempre significa aceitá-lo ou compartilhar de sua cultura [Lee, 2003, p. 20].
Estevão Rezende Martins entende o método como controle intersubjetivo de
qualidade cognitiva do conhecimento histórico: “Em nenhuma hipótese o
imperativo metódico admite caráter aleatório ou arbitrário”, sendo que o
controle intersubjetivo, “a admissibilidade plausível e verossímil do discurso
historiográfico”, “faz parte do contrato social de qualidade historiográfica no
trato do passado” [Martins, 2017, p. 22].
8 - Ao final do processo de aprendizagem avaliamos se os alunos têm a capacidade
de argumentar de forma fundamentada e baseados no senso crítico, superando
o senso comum restrito. O debate, a discussão, o confronto de
perspectivas/narrativas, “o movimento entre sujeitos diferentes”, também devem
integrar a construção do aprendizado histórico, na medida em que implica na
“intersubjetividade discursiva, em uma relação aberta de comunicação racional-argumentativa”
[Rüsen, 2010, p. 48]. Ivo Matozzi [2008] entende que a ciência histórica só
existe em forma de narrativa, e, por sua vez, tudo que aprendemos sobre
História deve-se ao que está em forma de narrativa. Em outras palavras, a
construção da História depende em saber colocar este conhecimento em narrativa
e a compreensão da História se dá por intermédio da interpretação desta.
Enfim, desconstruir revisionismos conservadores e compreender
revisionismos progressistas subentende saber pensar historicamente:
“Pensar historicamente pressupõe produz bons argumentos sobre a questão
e pressuposição relacionadas ao passado, apelando à validade da história e à
plausibilidade de suas afirmações; Pensar historicamente significa aceitarmos
que sejamos obrigados a contar histórias diferentes daquelas que preferimos
contar; Pensar historicamente significa compreender a importância de se
respeitar o passado e tratar as pessoas do passado como elas gostariam de ser
tratadas e não saqueando o passado para servir a determinados interesses do
presente” [Schmidt, 2009, p. 14]
Referências
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Elisa Teté Ramos é professora de Metodologia do Ensino em História na
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9-22.
Olá, Márcia Ramos, gostaria de parabenizar pelo excelente texto sobre um tema potente e pujante no âmbito historiográfico. Ao longo do texto, você trabalha com as noções de "revisionismo conservador" versus "revisionismo progressista", no entanto, o historiador Enzo Traverso, devido à confusão entre "revisão e revisionismo" histórico, tem sugerido que abandonemos o uso do termo "revisionismo" ou que sua menção seja apenas para nomear um debate datado, como você lida com essa provocação do autor?
ResponderExcluirAlém disso, se o revisionismo conservador tem pouco apreço ao debate e ao uso de fontes e metodologia próprios da História, pois, em último caso, são negacionistas, falar de revisionismo conservador X revisionismo progressista não seria colocar num mesmo plano de poder práticas distintas? Já que o primeiro escamoteia o saber histórico e o segundo propõe uma nova maneira de olhar o passado sem negar a sua veracidade?
att.,
Natanael de Freitas Silva
Olá! Obrigada pelo interesse em meu texto.
ExcluirCreio que o emprego do termo "revisionismo" apresenta este tipo de problema que você menciona. Mesmo assim, opto pelo termo por dois motivos interdependentes: 1) atualmente, na História Pública, ou seja, mas diversas esferas sociais para além da academia, circula muito mais este termo e 2) junto com esta premissa, vem a ideia de que de um lado temos a história-verdade e de outro a historia-mentira, sendo que vem se acentuando junto com a ascensão da extrema-diteita a noção desta última como advinda da escola e da Universidade. Lembrando que estou falando da História Pública, em um momento de desqualificação da ciência, da escola, da Universidade e de todos os seus profissionais. Tratar de revisionismo conservador e revisionismo progressista serve para marcar que não existe uma história como mentira ou como verdade, que este seria um falso problema. O que nos intetessa é
propor, defender e legitimar a história como ciência. A história-ciência também se pauta ou deveria se pautar na revisão. Como ciência não pode ser entendida como verdade acabada, mas como pretensão de verdade. Uma verdade sempre revista, inacabada, em construção. Enfim, o termo revisionismo serve mais ao propósito de tornar uma discussão acessível ao grande público, relacionando a ciência da História com a necessária revisão de problemas, abordagens,temas...
Se quiser ter acesso a mais informações sobre meus estudos, acesse marciaelisateteramos.com
Muito obrigada pela pergunta e desculpe se não consegui responder de forma mais satisfatória.
Abraço
Pode ver também: https://www.youtube.com/watch?v=s0QFwxODvnU&t=64s
ExcluirOlá professora! Parabéns pelo artigo, muito esclarecedor e profundo como sempre!
ResponderExcluirA conceitualização dos revisionismos progressista e conservador responde às condições postas, em diferentes períodos e contextos. No campo do revisionismo progressista, os novos problemas, objetos e abordagens são criados em resposta a novos protagonistas que ganham voz e questionam o discurso oficial e excludente.
Por sua vez, o revisionismo progressista se vale de artifícios retóricos para, sem fundamentação científica, embater uma cruzada em nome da tradição, usando como argumento que sua revisão é tão válida como a progressista a despeito da carência técnica e metodológica.
Dessa forma, mesmo seguindo suas sugestões para o combate do revisionismo em sala de aula, ainda encontro dificuldades para combater este discurso que usa a estratégia de apresentar respostas fáceis e sedutoras.
Seria possível, sem abrir mão do rigor teórico-metodológico, encantar os estudantes com o ensino de história criterioso ?
Desculpa!! Esqueci de assinar:
ExcluirJeferson José Gevigier
Oi Jeferson!
ExcluirObrigada por ter lido o meu texto.
A minha proposta é transpor a metodologia da história para l a sala de aula. Não é a chamada "transposição didática" como a tradução ou vulgarização do saber acadêmico para o saber escolar. É sim, o uso dos mesmos procedimentos do historiador (uso de fontes, pesquisa, referenciais, etc.). Se ficássemos apenas nesta proposta, certamente seria bem tedioso para o estudante. Contudo, dependendo da fonte histórica (música, HQ, filme, imagens, cartas, arquitetura, objetos, etc.), esta se torna estratégia didático-pedagógico e mais: trabalha com o lúdico. Neste texto não adentrei nesta questão, mas é um aspecto para trazer para o ensino de história: associar ciência, política, estética, lúdico e o didático. Algo que pouco tem sido pesquisado.
Grande abraço!
São esclarecedores os percursos de seu texto sobre as possibilidades de revisionismos, além das posturas possíveis em sala de aula que levem a um pensamento mais complexo e distante de um revisionismo conservador. Como é lembrado, a formatação desse revisionismo conservador se faz em meios como jornais, canais de youtube, declarações de personalidades, ou seja, posicionamentos que se aproximam mais do senso comum e de uma linguagem coloquial, próxima ao seu público que ali se reconhece em posicionamentos, mas também na maneira de expressar. Nos diálogos entre academia e escolas, na busca por processos de construção de revisionismos progressistas, não seria fundamental nos determos mais no debate sobre a escrita da história, elaborar maneiras de expressão que tornem plausível para os alunos todo o percurso de entendimento e de aproximação da operação histórica?
ResponderExcluirMateus de Andrade Pacheco
Oi Mateus! Obrigada pela devolutiva. Infelizmente, os historiadores não cuidaram muito do interesse pelo que circula para além do seu próprio espaço, a Universidade. Mesmo neste espaço, as áreas voltadas para o ensino de história em termos de formação profissional ou pesquisa, tem como tradição serem desqualificadas. Por isso, recentemente, devido aos desdobramentos da onda neoconservadora, se vem prestando mais atenção em como funciona o chamado senso comum. Não estamos costumados em fazer videos, lives (agora que estamos fazendo mais!!!!), canais de youtube, livros acessíveis (como os de leandro Narloch), utilizando uma linguagem mais adequado ao universo cultural infanto-juvenil. Ao mesmo tempo que não estamos familiarizados com este universo, não temos o financiamento que certos youtubers e canais tem para produzem materiais midiáticos, muito mais atraentes e convincentes. Ao contrário: estamos sempre desfinanciados! É uma enorme batalha que exige muito compromisso do professor de história. Exige também conhecer nosso aluno. Quem é, o que pensa o que sonha... Para assim nos aproximarmos o máximo possível deste sujeito, para que possamos escolher caminhos didático-pedagógicos que façam a história ter significado para a vida deles. Defendo sim a construção do conhecimento histórico em sala de aula com os mesmos procedimentos do historiador, desde que o aluno seja reconhecido como sujeito de aprendizagem na sua pluralidade, como sujeito de saberes próprios e importantes, com suas vivências, experiências, sensibilidades e linguagens.
ExcluirAbraço e me desculpe se não respondi devidamente!
Olá professora, parabenizo a senhora pelo o texto poderoso e cheio de ideias atuais e que coloca todos que fazem parte da história em evidência. Diante disso, quando falamos da cultura midiática e do poder de influência que ela tem, questiono o como a cultura midiática tem sido uma arma na potencialização do revisionismo conservador? Assim, tem feito com que a educação e o ensino de história anule/exclua os fatos já desconstruido de uma historiografia tradicional?
ResponderExcluirAtt,
Ana Paula Herrera de Souza
Oi! Obrigada pelos parabéns! Fico contente de você ter gostado do texto. Atualmente, o revisionismo conservador tem encontrado terreno propício na mídia para se espalhar. A mídia apresenta determinadas estratégias para produzir efeitos sobre o público. Efeito de proximidade, de atualidade, sensacionalismo, desqualificação do Outro, etc. Algumas estratégias eu coloquei no texto, mas existem várias. Como o que é da mídia sempre visa um público a todo custo, os agentes midiáticos se preocupam em compreender o universo simbólico do público para poder produzir estes efeitos. Na escola, o professor está pouco preocupado com isso. Ele não quer vender, quer ensinar, e muitas vezes (não podemos generalizar) ele se preocupa em ensinar bem, não em saber o que seu público (alunos) pensam. como disse, o que está envolvido com a mídia, comumente visa vender, visa o lucro. Por isso que o conservadorismo emplaca nesta esfera. Só no Estado Mínimo posso vender educação, saúde, segurança, habitação... Então se desqualifica tudo o que é público. Só no Estado Mínimo penso na meritocracia, assim tentando desmerecer as cotas raciais, por exemplo. Para economizar. Para minimizar gastos. Daí como faço para realizar este "desmerecimento"? Contando uma história de heróis brancos, homens e cristãos. Valorizando a história dos colonizadores. A história dos vencedores. Resumindo: cultura midiática tem a ver diretamente com vender, com privatização, por isso o conservadorismo é o posicionamento mais coerente para a mídia.
ExcluirEspero ter respondido.
Abraço!
Parabéns pelo texto!!! Muito esclarecedor!!!
ResponderExcluirDiante desses desafios, não seria importante abordar as diferenças entre história e memória, história e opinião, etc? Sobre a ditadura civil-militar, entendo que é muito importante essas diferenciações, sobretudo nesse contexto em que vivemos
Obrigada! Que bom que gostou do texto!
ExcluirEste é um texto muito resumido. poderia ter lidado melhor com outros aspectos. Mas quando me refiro à história como ciência, como aquela que deve ser construída em sala de aula, estou falando da diferença entre história e opinião. Quanto às discussões sobre memória e história, acredito que não devem ser postas em contradição, mas em relação. Devem ser vistas de forma mais complexa, pois a história, ao se distanciar da memória, das experiências, das vivências, das práticas do sujeito comum, pode se pasteurizar de tal forma que só produz significado ao pares (e olhe lá!). Ao mesmo tempo, a história vista como ciência, como sistematização da memória coletiva deve ser popularizada. Enfim, só história em seus rigores metodológicos e só a memória sem ser verificada pela ciência, não formam o conhecimento histórico. Memória e história não deve ser apartada uma da outra. Se perguntasse ao meu pai sobre a ditadura militar, ele diria que foi ótima, pois em sua memória, ele viveu um tempo bom. Já pela história ciência, podemos compreender que foi uma ditadura, que havia sim corrupção e inflação. Pela justaposição de ambas, posso retomar a memória daqueles que sofreram os percalços da ditadura. A memória do meu pai está errada? Não. Ele não sofreu na ditadura. O aluno deve entender que se o avô dele tem uma memória boa da ditadura, os aós de outros não tem. Que grupos tem memórias diferentes conforme o lugar de poder que ocupam na sociedade. Neste caso, seria interessante retomar alguns relatos, testemunhos, inclusive de alguns militares, sobre oque acontecia naquele momento.
Abraço!
Obrigado pela resposta, Profa!!!
ExcluirOlá professora, gostaria de parabenizá-la pelo ótimo texto, e, sanar algumas dúvidas. Ao longo do texto é falado sobre como podemos colocar aspectos da história em evidência, uma delas é sobre a cultura midiática, uma fator de grande influência na retirada de informações, muitas vezes carente de técnica e metodologia, já mais adiante, vemos algumas sugestões de como usar o revisionismo a nosso favor,porém vemos que em nossa sociedade existe uma variedade gigantesca de pessoas e seus respectivos níveis de conhecimento e busca pelo mesmo, diante disso, como deve ser feita a abordagem em alunos onde há a inserção de ideais conservadores em seu ambiente familiar? E o que fazer quando tais ideais interferem no processo de aprendizagem do jovem?
ResponderExcluirPedro Ícaro Pereira Álvares
Oi, Pedro! entendo sua preocupação em um momento que o cientista, o historiador, o professor vem sendo constantemente desqualificado na esfera pública. O professor já foi considerado como aquele que leva a "luz" a seus alunos. Hoje é aquele que "doutrina", que fala mentiras. Haja vista as perseguições do Escola Sem Partido.
ExcluirEu recomendo não "bater de frente" com seus alunos. Não ser muito direto nas críticas. Não desmerecer os saberes que o seu aluno traz de casa, da rua, da Igreja. Se você for muito direto em seus questionamentos, só afastará seus alunos ainda mais do conhecimento.
O processo de ensino e aprendizagem é lento e longo. Exige "diplomacia" do professor neste momento. É uma construção, e nada garante que você consiga fazer com que todos os seus alunos realizem esta construção do conhecimento histórico fundamentado.
Abraço e espero ter respondido ou iniciado uma reflexão.
Boa tarde Professora Doutora!
ResponderExcluirO fato de ter, o revisionismo conservador, aceitação ou não rejeição por uma parcela da sociedade adulta brasileira, pode ser tido como indicativo de falhas, lacunas ou até crise no ensino de História para as últimas gerações?
Ou seja, a parcela social simpatizante ou que aceita como natural esse revisionismo conservador da História pode não ter tido uma formação histórico-político-social suficientemente eficaz para se posicionar com mais clareza ou com mais crítica?
Pergunto-me se os adeptos são só a “clientela” do movimento em si ou se têm uma opinião formada de fato... mesmo que formada com base numa História que vem sendo reescrita pelo próprio movimento.
Desculpe-me se minhas perguntas mostrarem pouco entendimento. Sou apenas uma caloura do curso de História, querendo aprender no processo de graduação.
Grata pela atenção.
Atenciosamente, Ligia Helena de Souza Chaves Badauy.
Ótima questão! Um pouco desalentadora, porque funciona mais ou menos como: "Onde foi que erramos?" E pode ter certeza que pesquisadores e professores fazem esta reflexão. Não acho que você mostra "pouco entendimento" mas uma preocupação de alguém que quer se compromissar com o ensino de história.
ExcluirDurante muito tempo o ensino de história foi se construindo em cima de uma tradição: aula expositiva; decorar nomes, fatos e datas; comemorar festas cívicas sem problematizá-las; responder linha por linha as perguntas que são encontradas no livro didático; seguir uma história eurocêntrica, linear, etc è um conjunto de práticas que se enraizou nas escolas (às vezes em universidades). Já há muito tempo estamos criticando estas práticas, mas elas são difíceis de romper. e mesmo assim nos chamam de doutrinadores... Mas te pergunto: Você, quando fez o ensino médio, o(a) professor(a) trabalhava com fontes históricas? Falava que diferentes autores poderiam ver um fenômeno histórico de modo divergente? Dava trechos de historiografia para vocês lerem? Indicava algum historiador? Na prática mesmo, a atualização é difícil de ocorrer, muitas vezes não por responsabilidade do professor, mas por falta de disponibilidade de tempo para planejar aulas, falta de datashow, colaboração da direção da escola, etc.
Acho sim que o conservadorismo encontrou espaço porque temos professores mal formados, escolas desequipadas e um apego às tradições por serem mais fáceis de mobilizar na prática. Ultimamente, temos mais receio também, porque a nossa profissão vem sendo desvalorizada pelo poder público, o que acaba reverberando na sociedade. Por tentarmos enfrentar a ignorância e por sermos funcionários públicos considerados onerosos ao cofre do Estado.
Você está começando. Eu já tenho mais de 25 anos de trabalho. Mas tanto eu como você, não devemos perder a esperança que as coisas mudem. Na minha experiência já pude ver que a realidade muda, as vezes para melhor, as vezes para pior.
Abraço
Ótimo texto que nos apresenta os embates do ensino de história na atualidade com o advento tecnológico de massas aonde a internet pode ser tão perigosa quanto benéfica. Márcia existe algum ponto positivo no modelo de revisionismo apresentado no texto ??
ResponderExcluirMARCOS JOSÉ SOARES DE SOUSA
Oi Marcos! Vejo de forma positiva o revisionismo progressista, pois se pauta na ciência, no conhecimento bem fundamentado. Já o revisionismo conservador, nos alertou no sentido de criar estratégias para desconstruí-lo. O historiador não tinha muita preocupação com a história que circula na História Pública. Só que esta história conservadora tomou tamanha proporção que os historiadores se voltaram para a reflexão sobre como produzir uma história acessível ao público, que se contraponha à história mal escrita, mal fundamentada, não-científica.
ExcluirEspero ter respondido
Abraço
Oi, professora Márcia!
ResponderExcluirGostei muito do seu texto! Ele me provocou a pensar diversas questões, sobretudo na lida com os "revisionismos" em sala de aula, ambiente em que, com a presença dos celulares, constantemente se contrapõem narrativas quase que simultâneas às que emitimos do lugar de professores e pesquisadores. Levando em consideração o revisionismo característico das décadas de 70 e 80, que nos trouxe novas abordagens, métodos e campos, na sua opinião, não seria mais coerente, do ponto de vista teórico, trabalharmos com o conceito de negacionismo histórico, ainda mais nos casos trazidos em seu texto, como tentativa mesmo de enfatizar a diferença existente entre essas "releituras"?
Forte abraço,
Caroline Trapp de Queiroz.
Oi Caroline! Obrigada pela excelente questão. Revisionismo não é o mesmo que negacionismo. Ambos são não-científicos, mas apresentam algumas diferenças. Exemplificando: sobre Ditadura militar, os negacionistas negam que houve ditadura (dizem que era uma democracia governada por militares), negam que existiu tortura, mortes, corrupção, desordem, etc. Os revisionistas vão dizer que houve ditadura, mas que ela foi importante no momento para impedir o avanço do comunismo; que torturou, mas apenas os desordeiros; que matou, mas não matou tanto como na Argentina.
ExcluirOutro exemplo: sobre o Holocausto. O s negacionistas vão dizer que não houve. Que os judeus mentem sobre isso. O revisionismo vai falar que houve, mas não matou 6 milhões de judeus, mas "apenas" 3 milhões.
Por isso entendo que não tem como equiparar negacionismo com revisionismo.
Abração! Espero ter respondido.
Muito obrigada pela resposta, professora! De fato, o conceito de negacionismo não dá conta dessas "releituras" que amenizam os fatos históricos sem, contudo, negá-los. Abçs!
ExcluirCara Márcia, boa noite.
ResponderExcluirExcelente texto. Achei bastante inspirador. Agradeço a oportunidade.
No entanto, uma questão não me foge à mente. Ela está no trecho abaixo:
"Por outro lado, o saber especializado/acadêmico da historiografia, as vezes propaga ideias anistóricas, porque distantes da ciência. Portanto, não há como separar completamente o senso comum da história especializada em termos de concepções, mas sim [re]pensar a questão da capacidade de circulação/difusão/cooptação destes saberes problemáticos e fazer circular outros mais elaborados do ponto de vista da ciência."
Se o negacionismo pode estar presente mesmo no interior da história acadêmica, como pode um ensino de história voltado ao fortalecimento dos métodos e das perspectivas da história-ciência dar conta? Afinal, historiadoras e historiadores acadêmicos, formadas(os) dentro das perspectivas críticas da história-ciência, produzem negacionismos mesmo com essa formação.
Me parece que a questão é mais ético-política que metodológica. Gostaria de lê-la a respeito disso.
Obrigado!
Oi João Carlos! Para responder sua questão vou lançar mão do conceito de intersubjetividade. Diz respeito à necessidade de haver um consenso entre historiadores sobre um fenômeno histórico. Um modelo de pesquisa histórica científica se reconhece por suas regras e padrões de práticas estabelecidos consensualmente e
Excluircompartilhados pela comunidade de historiadores. Para não permanecer nem no exagero da subjetividade (relativismo) e nem da
objetividade (determinismo), se regula o conhecimento histórico pelo diálogo permanente na comunidade pesquisadora, no entrecruzamento de perspectivas em um espaço de concordância. Pode haver divergência, revisionismos, desde que no mesmo espaço de procedimentos adotados pelos historiadores. Se ocorre de um ou dez historiadores irem contra o conhecimento acumulado por 1000 historiadores, eles não vão fazer a diferença na ciência. Agora, pode ocorrer destes pouquíssimos historiadores terem mais poder de intervir na História Pública incidindo no senso comum, do que aquele conjunto enorme de historiadores que trabalham com a ciência, mas ficam em suas torres de marfim. É neste sentido que produzi o texto que você fez referência.
Por sua vez, o senso comum, sob mediação da escola, pode tornar-se senso crítico. Em outras palavras: a escola pode dar condições para que o aluno construa um conhecimento histórico fundamentado e este se espraia na sociedade.
Na escola, é o professor que opta. Vai trabalhar com a história legitimada como ciência ou tratará da história pautada em um revisionismo conservador que costuma circular mais nos meios midiáticos? Vai escolher como fonte, trechos do "Brasil Nunca Mais" ou vai recorrer ao depoimento do coronel Ulstra sobre a ditadura? A história como conhecimento acumulado pelos historiadores já está feita ou está sendo feita, ela não vai ser refeita/revisada na escola! O que é feito na escola é adoção dos mesmos procedimentos do historiador, mas com a direção/orientação de um professor.
Abraço e muito obrigada pela pergunta! Eu falo disso de forma um pouco mais apurada em um artigo http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/Dialogos/article/view/45349/pdf
Tem outros em marciaelisateteramos.com
Pode ver também https://www.youtube.com/watch?v=s0QFwxODvnU&t=64s
ExcluirObrigado pela resposta, professora!
ExcluirTenho plena concordância e acredito que discutimos pouco o que constitui esse "consenso comum", para ser bem redundante.
Tenho trabalhado em minhas pesquisas com uma noção de "saber historiograficamente suficiente", embora ele levante outras questões (do tipo: suficiente para quem?).
Tenho ressalvas com certa posição da educação histórica e da aprendizagem histórica, p. ex., pelo otimismo com que lidam com a possibilidade de uma literacia histórica ou racionalidade histórica como condições suficientes para enfrentar essa onda reacionária. Me parece que a questão é de dimensão ético-política e se refere mais à memória. Como construir memórias superadoras do senso comum, se faz parte da lógica de memória essa possibilidade de sedimentação acrítica? Eis a questão.
Não sei se a história acadêmica, ou história ciência, nos bastaria em seu formato disciplinar, preocupada muitas vezes mais em tutelar os limites da memória que em dialogar em condições de igualdade com ela.
Procurarei os demaos textos. Obrigado!
Professora Márcia, li com gosto seu texto. Bastante relação com o que você ponderou no Bate Papo sobre Ensino de História (link para quem quiser ver o vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=s0QFwxODvnU&t=64s).
ResponderExcluirNa era das lives, como lidar, ao vivo, com comentários conservadores? Já ouvi depoimentos de colegas nesse sentido, que durante suas transmissões sofreram ataques no chat em função das temáticas que estavam sendo abordadas.
Att,
Marcella Albaine Farias da Costa.
Oi Marcella! Você fez a pergunta mais difícil de responder! (risos) Mas obrigada por ela. eu não tenho a fórmula não, mas já aconteceu comigo e agi de duas formas: 1) se der, se é só no chat, dependendo do teor, simplesmente ignoro, finjo que não vi ou 2) respondo educadamente retirando da minha alma todo elegância possível. Ninguém responde mal a alguém que foi bem educado. Se acontecer da pessoa insistir, "engrossar", eu simplesmente digo que sigo outra linha de pensamento, respeito a dele, mas que não adianta discutir, pois nunca se chegará a um acordo.
ExcluirEm Os Assassinos da Memoria, de Pierre Vidal Naquet, ele diz que o campo argumentativo pode ser tão divergente que não permite debate. Não há como conversar, pois o ponto de partida já é dicotômico, assim como todos os referenciais e pressupostos.
Um grande abraço para você e aproveito para agradecer pela live! Esta é uma prática que deveria permanecer depois do COVID19.
Perfeito! Ainda não passei por nenhum situação como essa, mas tenho pensado sobre isso. Agradeço pela parceria e, sim, pretendemos continuar com o Bate Papo sobre Ensino de História após a pandemia.
ExcluirAbraço apertado,
Marcella Albaine Farias da Costa.
Oi Marcella! Você fez a pergunta mais difícil de responder! (risos) Mas obrigada por ela. eu não tenho a fórmula não, mas já aconteceu comigo e agi de duas formas: 1) se der, se é só no chat, dependendo do teor, simplesmente ignoro, finjo que não vi ou 2) respondo educadamente retirando da minha alma todo elegância possível. Ninguém responde mal a alguém que foi bem educado. Se acontecer da pessoa insistir, "engrossar", eu simplesmente digo que sigo outra linha de pensamento, respeito a dele, mas que não adianta discutir, pois nunca se chegará a um acordo.
ResponderExcluirEm Os Assassinos da Memoria, de Pierre Vidal Naquet, ele diz que o campo argumentativo pode ser tão divergente que não permite debate. Não há como conversar, pois o ponto de partida já é dicotômico, assim como todos os referenciais e pressupostos.
Um grande abraço para você e aproveito para agradecer pela live! Esta é uma prática que deveria permanecer depois do COVID19.
Olá, professora Márcia Elisa, parabéns pelo texto!
ResponderExcluirOs pontos argumentados por você nos levam a reflexão dos acontecimentos cotidianos que precisam ser discutidos em sala de aula. Um ponto destacado em seu texto, foi a relação passado-presente, que precisa estabelecer uma linguagem significativa com os conteúdos históricos, principalmente nesses tempos de revisionismo, conservadorismo e fundamentalismo religioso.
A cultura midiática, também, muito tem contribuído para essa polarização política que tem feito de tudo para desqualificar a história, a ciência... o conhecimento.
Diante disso, pergunto a você qual o seu entendimento sobre a circulação constantes dos memes entre os jovens e de que forma essa ferramenta pode contribuir para o ensino de História como um ato político em sala de aula?
Abraços,
Valdenira Silva de Melo.