Luiz Gustavo Mendel Souza


DESCOLONIZANDO OLHARES: METODOLOGIA PARA COMPREENDER O NEGRO COMO UM SUJEITO HISTÓRICO


As experiências adquiridas e analisadas neste texto são frutos de debates e discussões ocorridas em três cursos distintos: História e ensino de História, Estágio Docência e no curso de extensão “AFRO-BRASILIDADES: debates sobre a lei 10.539/03”, todos ministrados por mim. A proposta inicial era analisar, junto aos discentes, as pinturas do século XIX elaboradas por Rugendas e Debret. O fator mais importante era coletar as primeiras impressões do alunado dos cursos de Ciências Humanas em relação às imagens apresentadas, para isto, elaborei questões como: o que vocês estão vendo na imagem? O que eles estão realizando? Quais as impressões iniciais que a pintura lhe proporciona?

As respostas iniciais dos alunos orbitavam o imaginário do negro igual a escravo no Brasil, não que suas falas estivessem erradas, afinal as pinturas selecionadas de Debret e Rugendas eram sobre o cotidiano do Brasil escravocrata. Mas as respostas limitavam-se apenas a estas questões, só havia uma forma de compreensão do real, a noção do trabalho escravo retratado pelos pintores. Os resultados dos meus questionamentos iniciais revelavam um olhar engessado dos alunos ao que se refere à representação do negro nas pinturas do século XIX. Os sujeitos presentes nas obras eram silenciados no momento em que eram expostos aos olhares dos alunos, nenhum discente manifestou qualquer análise para além do trabalho escravo presente nas primeiras pinturas.

Ecos da colonialidade:

O resultado inicial revela o quanto o empreendimento colonial deu certo no ensino brasileiro. Para compreender e analisar este tema amparo-me na abordagem decolonial seguindo as propostas elaboradas por Boaventura de Souza Santos, Maria Meneses [2009] e por Anibal Quijano [1992]. Inicio a discussão com o aparato teórico do sociólogo peruano, Aníbal Quijano classifica como colonialidade do poder um sistema de classificação social baseado na ideia de raça, um padrão de poder imposto através da violência colonial. Uma forma de dominação que se estende à política, economia, religião e cultura. Para a realização deste empreendimento, todas as epistemes que existiam fora do eixo eurocentrado foram silenciadas e assassinadas pelas armas coloniais, colocando no centro deste projeto uma forma hegemônica de compreensão da realidade, um complexo cultural denominado de Modernidade. O assassinato de todo e qualquer tipo de conhecimento para além da Modernidade é o que o sociólogo português Boaventura de Souza Santos denominou de epistemicídio [Souza Santos, 1997], este silenciamento é o alicerce que da produção do “outro”. Nas palavras de Aníbal Quijano:

“Eso fue producto, al comienzo, de una sistemática represión no sólo de específicas creencias, ideas, imágenes, símbolos o conocimientos que no sirvieran para la dominación colonial global. La represión recayó, ante todo, sobre los modos de conocer, de producir conocimiento, de producir perspectivas, imágenes y sistemas de imágenes, símbolos, modos de significación; sobre los recursos, patrones e instrumentos de expresión formalizada y objetivada, intelectual o visual. Fue seguida por la imposición del uso de los propios patrones de expresión de los dominantes, así, como de sus creencias e imágenes referidas a lo sobrenatural, las cuales sirvieron no solamente para impedir la producción cultural de los dominados, sino también como medios muy eficaces de control social y cultural, cuando la represión inmediata dejó de ser constante y sistemática” [Quijano, 1992, p. 12].

Dessa forma, o epistemicídio gerado pelas guerras e violências coloniais abriu o caminho para um padrão de poder que se estabeleceu através da classificação social dos povos não europeus. Em resumo, racionalidade/modernidade seria “un paradigma universal de conocimiento y de relación entre la humanidad y el resto del Mundo.” [1992, p. 14]. A racialização dos povos ameríndios fundamentou a centralidade e a hegemonia da episteme europeia, a racionalidade/modernidade se construiu através da racialidade dos povos não europeus, em suma, a racialidade é a outra face da racionalidade/modernidade.

É importante ressaltarmos aqui que Boaventura de Souza Santos e Maria Meneses [2009] não propõem uma mudança de análise da realidade epistêmica e social por um único viés, pois, as epistemologias do sul são o acréscimo de mais arcabouços teóricos outros para complementar a teoria e metodologia eurocentrada.

No campo do ensino de História, os ecos da colonialidade manifestam-se no estabelecimento de uma História romântica do século XIX que narra os grandes acontecimentos e a biografia de heróis centrados no território europeu, legando a estes o título de História do mundo. No campo da historiografia, as demandas sociais e intelectuais do século XX por novos métodos de análises de fontes e pelo surgimento de sujeitos silenciados corroboraram para a elaboração da escola dos Annales, uma revolução historiográfica segundo Peter Burke [1991], para o surgimento da New Left Review inglesa, a Micro História italiana, a História Social e a Nova História Cultural, na segunda metade do século XX. Mesmo assim, os bancos escolares ainda encontram-se à margem destas discussões e tem sofrido com o constante desinteresse do alunado ao que se refere à disciplina [Cerri, 2011]. Porém, foi nas últimas décadas do século XX que o campo do ensino de História se aprofundou em pesquisas dentro e fora das salas de aula para a compreensão e a resolução dos entraves ocorridos entre a História e a realidade social e cultural das escolas [Monteiro, 2007]. Segundo o historiador Jörn Rüsen [2001], a dimensão cognitiva [que seria o campo de conhecimento alicerçado pela teoria e metodologia da História] da cultura histórica foi alvo dos principais empreendimentos dos historiadores desde o século XIX, tendo como consequência o distanciamento da ciência histórica na academia e as salas de aula. Este fosso entre a o campo científico e a comunidade escolar foi preenchido pelos profissionais da Pedagogia, mas o autor propõe a assunção da responsabilidade pelos historiadores por este distanciamento da academia e a escola através da área da Didática da História.

A soma de uma História romântica localizada no contexto europeu e manifesta como mundial, junto à complexidade da realidade social das escolas do século XXI, tornam-se um terreno fértil para a perpetuação hegemônica do pensamento colonial. Nesta conjuntura, vemos gerações de indivíduos para além do norte epistêmico que não se percebem como sujeitos históricos, sendo silenciados e invisibilizados, não se enxergando como seres produtores de conhecimento. Segundo Boaventura de Souza Santos [2009], o norte e sul epistêmicos não são necessariamente geográficos, pois países como o Haiti e a Jamaica vivem a realidade da exploração do terceiro mundo enquanto a Austrália gozaria dos privilégios dos países europeus. A fronteira epistêmica que demarca o norte e o sul global é o que o autor denomina de “linha abissal”, um verdadeiro abismo que separa aqueles que são tratados como “seres” daqueles que nunca serão tratados como tal.

Este é o efeito da morte epistêmica proporcionada pela conquista colonial, que mesmo após séculos, ainda conserva sua dominação através das narrativas pautadas no eurocentramento [Quijano, 1999]. O legado deste padrão de poder é o desconhecimento total de formas outras de produção de conhecimentos, religiões, culturas e, o mais importante para este texto, de sujeitos históricos.

Dialogando com a primeira imagem:



Jean Baptiste Debret, Voyage Pittoresque et Historique au Bresil [Paris,1834-39], vol. 2, plate 18, p. 65. [Copy in the John Carter Brown Library at Brown Universit]

A primeira imagem que mostrei para os discentes é esta obra de Jean-Baptiste Debret que se encontra no livro “A viagem pitoresca e histórica no Brasil”. A escolha desta não foi por acaso, a figura em questão está presente em muitos livros didáticos retratando o cotidiano do Brasil escravista, quando perguntados se já tiveram contato com esta imagem, cerca de oitenta e cinco por cento dos alunos [somando os três cursos] afirmaram conhecê-la. Mas, mesmo assim, foi impressionante notar que, os olhos dos alunos concentraram-se apenas nos quatro corpos trabalhando. Depois de uma rodada de questionamentos como: vocês conhecem esta imagem? Onde vocês tiveram contato com ela? O que vocês conseguem perceber nesta imagem? Quais as impressões iniciais que esta imagem lhes proporciona? Muitos dos alunos responderam que a conheciam dos livros didáticos e que tiveram contato em conteúdos relacionados à escravidão no Brasil e ao ciclo de exploração do açúcar. Mas o fator crucial nas respostas oferecidas era o foco dos discentes centrados na mão-de-obra escrava.

Após o primeiro momento da análise das fontes, perguntei se eles não haviam percebido as estruturas complexas nas quais as pessoas estavam operando. Em questão de perspectiva, tanto os dois primeiros quanto os dois homens de trás, trabalhavam em máquinas refinadas que os auxiliavam a cerrar vigas enormes de madeira. Este questionamento foi seguido da explicação sobre conceito de epistemicídio [Souza Santos, 1997] e construção do “outro”. A chave analítica de Aníbal Quijano tornou-se um instrumento de compreensão do real para que os alunos entendessem o porquê deles não conseguirem enxergar os indivíduos na imagem como produtores de conhecimentos de mecânica voltados para o trabalho. Para todas as turmas questionadas a única mensagem possível era um conjunto de escravos trabalhando. Essa resposta hegemônica é o que considero como a materialização da colonialidade do poder imposta pela classificação social denominada de raça. Sob essa perspectiva, os negros não são produtores de conhecimento, muito menos sujeitos históricos, são vistos como mera massa de mão-de-obra escrava.

Aproximo-me aqui do argumento de Luiz Antônio Simas e Luiz Rufino [2019] relacionado aos saberes de fresta, operados pelos sujeitos rotulados como marginais. Ambos os autores defendem que não precisamos ter um olhar paternalista para com os sujeitos historicamente subalternizados tratando-os como vítimas vulneráveis e incapazes de agir, mas compreender a complexidade e o refinamento de seus saberes e a importância destes para a construção histórica, econômica, social e cultural brasileira. Ao aguçar a perspectiva analítica para além dos quatro corpos dos escravizados trabalhando, podemos enxergar o refinamento dos saberes operados por estes, é uma forma de descolonização do olhar e o caminho possível para o encontro do sujeito histórico.

A invisibilização do negro tanto em ser quanto produtor de saber, remete-nos às observações de Frantz Fanon no tocante à zona de não-ser [Fanon, 2008]. Uma zona maniqueísta imposta pela violência colonial [Bernardino-Costa, 2016, p.508]. Nas palavras de Fanon:

“Mesmo expondo-me ao ressentimento de meus irmãos de cor, direi que o negro não é um homem. Há uma zona de não-ser, uma região extraordinariamente estéril e árida.” [Fanon, 2008, p. 26]

Os efeitos do pertencimento à zona de não-ser são perceptíveis quando um número significativo de alunos do curso de História, expostos à fonte acima, não percebem nada além da mão-de-obra escrava dos quatro indivíduos. Percebo na análise destes dados a vitória do projeto colonial, digo isto, pois, este tipo de exercício revela o quanto precisamos treinar o nosso olhar para desvelar [Du Bois, 1999] a colonialidade do poder. Podemos compreender melhor os negros como habitantes da zona do não-ser na análise da próxima imagem.

A segunda imagem:



Jean-Baptiste Debret, Voyage Pittoresque et Historique au Bresil [Paris,1834-39], vol. 2, plate 36, p. 113 [top].

A segunda imagem passou pelo mesmo processo analítico da primeira, seguindo os mesmos questionamentos. Nela os discentes esforçaram-se para compreender a utilização das cordas e das madeiras para o transporte do barril. Mas, mais uma vez um fator importante tornou-se invisível aos olhos nos futuros historiadores. Gostaria de propor aqui que o leitor realize uma observação minuciosa da imagem antes de seguir para o próximo parágrafo.

Nossos olhares colonizados nos impossibilitam de enxergar o óbvio: são escravizados e estão trabalhando de fato, mas suas indumentárias não indicam uma padronização massificada. Pelo contrário, cada escravizado na imagem porta um chapéu diferenciado e uma forma própria de utilizar e se vestir com os tecidos. Esta não é uma simples análise da obra de Debret, pois uma grande parte das pinturas contidas em “Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil” é dedicada ao a vida cotidiana presente nas ruas do Rio de Janeiro. Jean-Baptiste Debret chegou ao Brasil junto equipe de artistas franceses que fundariam a Academia de Belas Artes a pedido do príncipe regente, futuro D. João VI. Segundo Jacques Leenhardt professor da École des Hautes Études e pesquisador das obras de Debret:

“Fora dessa atividade “oficial” e do ensino privado, Debret dedica a maior parte do tempo que lhe sobra a um outro tipo de obra, considerada inferior na hierarquia dos gêneros da pintura, mas que constitui, hoje em dia, o maior motivo para o seu reconhecimento. Essa outra vertente é totalmente orientada para a representação fiel e documental da vida cotidiana, aquela vivida sobretudo nas ruas do Rio de Janeiro, capital do Império, das primeiras décadas do século XIX.”[Leenhardt, 2013, p.511]

Ainda seguindo a tese de Leenhardt, o artista francês oitocentista viveu a dualidade de ser pago para pintar a glória e o esplendor da Corte portuguesa, mas, nas horas vagas, buscava representar a realidade social brasileira através de seus desenhos sobre vida cotidiana das ruas. O olhar artístico de Debret foi atravessado pela experiência da Revolução Francesa, o que despertou uma sensibilidade pictórica para a ilustração do povo e da rua no início do século XIX, material este que culminou na publicação dos três volumes de “Viagem Pitoresca e Pitoresca ao Brasil”.

Não foram apenas corpos trabalhando que Debret nos legou, há toda uma vida cotidiana que nos revela uma realidade social permeada de sujeitos históricos ocupantes do espaço público brasileiro. Seus costumes e culturas estão manifestos nas fontes históricas, mas o olhar colonializado desumaniza e apaga qualquer episteme outra que possa surgir nestes documentos. Temos que nos afastar da perspectiva monoracionalista e utilitarista que compreende a realidade apenas pelo olhar econômico [Stallybrass, 2008].

A superação de um olhar colonializado demanda um esforço analítico e crítico da compreensão do real, um movimento que não se limita à esfera acadêmica, mas uma responsabilidade política. Um compromisso social que fará emergir as epistemes silenciadas pelo “lado oculto da modernidade”, segundo Walter Mignolo:

O pensamento descolonial e as opções descoloniais [isto é, pensar descolonialmente] são nada menos que um inexorável esforço analítico para entender, com o intuito de superar, a lógica da colonialidade por trás da retórica da modernidade, a estrutura de administração e controle surgida a partir da transformação da economia do Atlântico e o salto de conhecimento ocorrido tanto na história interna da Europa como entre a Europa e as suas colônias, como veremos a seguir. [MignoloI, 2017, p. 6]

No tocante a este quesito, a Antropologia dos Objetos demonstra o quanto à noção de mercadoria é apenas uma fase na vida dos objetos [Koptoff, 2008]. Os valores culturais e as formas como as coisas materiais são utilizadas revelam muito da realidade dos grupos sociais que as operam. Na imagem de Debret vemos um conjunto de homens trabalhando, mas cada um está vestido de forma única e com objetos bem específicos que ornam suas indumentárias. Se utilizássemos apenas uma perspectiva utilitarista não entenderíamos como um escravizado do século XIX teria direcionado sua fonte de renda para a aquisição de um tecido específico, um chapéu e uma bolsa pessoal. Estas rendas seriam fruto de negociações entre os escravizados com seus donos para a prestação de serviços a terceiros nos fins de semana e dias santos, uma forma de arrecadação negociada para a compra de sua futura alforria. Mas o que estes objetos na imagem indicam é a manifestação da subjetividade destes sujeitos na ocupação do espaço público. As formas de apropriação dos materiais e como eles os utilizam pode-se perceber as características culturais dos grupos sociais e étnicos eles pertenciam.

A terceira imagem:


Johann Moritz Rugendas, Voyage Pittoresque dans le Bresil.

A aula se encerra com esta imagem de Johann Moritz Rugendas sobre a festa da Nossa Senhora do Rosário, santa Padroeira dos negros, descrição e título desta imagem. Eu peço para que os alunos centrem suas observações na ornamentação ostentosa das vestimentas do rei e da rainha do congo ao centro. Estas representações contrastam com a presença dos demais sujeitos representados na pintura, todos estão com os pés descalços. Tanto para a realização da festa quanto para a ornamentação do rei e da rainha do congo houve um gasto oneroso, estes custos eram cobertos pela arrecadação das irmandades leigas. A festa da Nossa Senhora do Rosário traz à tona um fenômeno que é a resistêcia religiosa festiva, a "fresta pela festa" [Simas e Rufino, 2019].  A festa era organizada pelas irmandades negras, que segundo Larrisa Vianna:

“As irmandades eram associações religiosas que permitiam a agregação dos negros de modo relativamente autônomo, em torno da devoção a um santo católico em particular. Espalhadas por diversas áreas do Brasil escravista desde o século XVII, tais associações destacavam-se como locais de solidariedade e ajuda mútua para seus integrantes.” [Vianna, 2012]

Estes espaços de sociabilidade e solidariedade eram também espaços de construção e reconstrução de identidade negra, africana e brasileira dentro de uma sociedade escravocrata, patriarcal e cristã [Karasch, 2000]. Mais uma vez, os soldos dos libertos e escravizados eram de suma importância para a manutenção das irmandades leigas e a realização dos festejos religiosos. As irmandades religiosas eram responsáveis pelo enterro e pelo cuidado das almas dos mortos de sua comunidade. O zelo pela memória e pelos restos mortais dos ancestrais era a argamassa que unia a tradição africana com as devoções realizadas nos templos religiosos cristãos [Heywood, 2009]. Os festejos católicos como o Divino Espírito Santo [Abreu, 1999], as congadas [Mello e Souza, 2003; Heywood, 2009; Gabarra, 2009] as folias de Reis [Gomes, 2003; Souza, 2012] eram frestas festivas das irmandades leigas que construíam e reconstruíam marginalmente as identidades dos escravizados e libertos em plenas datas comemorativas dos santos cristãos. Tais como as táticas dos fracos de Michel de Certeau, estas ações seriam as artimanhas das camadas subalternas para operação e articulação de seus mecanismos de resistência em meio à dominação estratégica da classe dominante e do Estado [Certeau, 2011].

Entender elaboração da fresta pela festa religiosa e o dispêndio ostentoso na organização destas é de suma importância para compreendermos a articulação de uma episteme outra para que opera com táticas cotidianas para ocupar o espaço público. Uma articulação não é somente religiosa, ela é, sobretudo, política, assim como econômica e cultural. Os festejos religiosos ligados às irmandades negras que estão presentes nos documentos históricos e permeiam o cotidiano brasileiro atual são legados de lutas e resistências negras. Frutos de negociações e conflitos [Reis e Gomes, 1999] com o Estado que já foi colonial, imperial e atualmente republicano, além da camada dominante da sociedade brasileira.

Conclusão

O movimento proposto não foi suplantar o senso comum, pois a questão principal não se encontra na superfície, pelo contrário, ela está na base das teorias e metodologias científicas modernas, amparadas pela racionalidade. A prova disso foi que as análises das imagens foram realizadas por e com futuros pesquisadores do ramo da História e não com alunos do Ensino Básico. A proposta de descolonização dos olhares foi pautada no impacto gerado ao colocar cientistas sociais frente a frente com os seus próprios preconceitos. Enxergar o sujeito histórico nas imagens é buscar a episteme por ele produzida através de suas tecnologias, ou entender a apropriação de objetos e festas como espaços de sociabilidade formadora e mantenedora de identidades étnicas de resistência em uma sociedade hierárquica, cristã, patriarcal e escravista.

Entendo a descolonização dos olhares como um ato político, aproximando-me de Paulo Freire [1989] no tocante a questão da alfabetização de adultos como uma forma de leitura e [re] escrita da realidade. Pois, a leitura crítica de mundo é o fator fundamental para a autoconsciência compreensão do espaço que cada um ocupa no mundo e a criação de mecanismos e estratégias de combate às injustiças. A metodologia apresentada no decorrer deste texto é, acima de tudo, um movimento de mudança de atitude crítica perante aos sujeitos históricos silenciados e racializados.

REFERÊNCIAS

Luiz Gustavo Mendel Souza é doutor em Antropologia pela UFF. Professor substituto na disciplina de Ensino de História da Universidade Federal Fluminense e professor de História da Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro.

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BURKE, Peter. A Revolução Francesa da historiografia: a Escola dos Annales 1929-1989. São Paulo: Editora Universidade Estadual Paulista, 1991.

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MONTEIRO, Ana Maria Ferreira da Costa. Professores de História: entre saberes e práticas. Rio de Janeiro, Editora Mauad, 2007.

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69 comentários:

  1. Diante dos questionamentos sobre o que os alunos conseguiam ver nas imagens, e tendo como base suas respostas, qual o papel do professor, qual a metodologia deve ser usada para que os educandos consigam perceber na imagem apresentada não apenas um conjunto de negros em trabalho escravo, mas sim analisar o negro enquanto sujeito histórico inserido em um contexto social, um cotidiano de lutas e resistências ao sistema escravocrata, bem como perceber o fazer histórico desses negros enquanto sujeitos sociais capazes de criar suas formas de negociações e conflitos? Vanessa Nascimento Souza

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    1. Prezada Vanessa Nascimento Souza,
      Agradeço muito pela pergunta e, para melhor organizar minha resposta, vou dividi-la em dois blocos:
      Primeiro sobre o papel do professor, ele precisa ser um mediador entre os alunos e as possibilidades analíticas contidas nas fontes históricas. Eu, particularmente, prefiro a palavra potencialidade presente nas imagens apresentadas, pois potência é aquilo que há de se manifestar como questão de poder. O docente precisa ser muito observador no que se refere ao que há de se manifestar nas palavras dos alunos ao terem contato com as imagens que os viajantes nos legaram, pois, muitas das vezes, não nos atentamos ao poder estabelecido no contexto de produção das fontes.
      Teórica e metodologicamente o viés que contemplo como campo de possibilidades é o da História Cultural. Precisamos, como historiadores, pesquisadores da área de Humanidades e professores, levar em conta que as organizações sociais, religiosas e culturais dos sujeitos históricos subalternizados também são econômicas e políticas. Para existir uma ocupação cultural que diferente dos padrões hegemônicos de uma sociedade cristã, paternalista e escravocrata, precisamos entender que essa existência é pautada em uma resistência negociada e conflitiva com as classes dominantes. No tocante a este aspecto, as imagens das festas, das cerimônias mortuárias do século XIX são ferramentas fundamentais para explorar os conflitos e negociações para a ocupação do espaço público brasileiro. Veja que eu não estou me referindo apenas aos negros aqui, podemos ampliar essa noção para questões indígenas e de gênero, corroborando para um olhar decolonial.

      Mais uma vez, muito obrigado.

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    2. Muito grata pela explicação, bem didática e auxiliou bastante o repensar da minha prática docente.

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  2. Penso que as experiências compartilhadas neste texto foram extremamente relevantes e que, de fato, a perspectiva decolonial parece mesmo a chave para romper com a racionalidade eurocêntrica dominante. A questão é que, como você mesmo citou, a emergência das epistemologias do sul não seria necessariamente a substituição do viés hegemônico por outro, mas o acréscimo de arcabouços teóricos críticos. Neste caso, gostaria de saber como você entende a relação entre a abordagem decolonial e os métodos específicos de análise de imagem? Porque não houve menção a eles no texto. A adoção da abordagem decolonial basta como teoria e metodologia?
    Letícia Sousa Campos da Silva

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    1. Prezada Letícia Sousa Campos da Silva,

      Agradeço muito pelas suas observações e o seu questionamento. Primeiramente, gostaria de dizer que a elaboração dessa aula foi um exercício realizado com os alunos do curso de ensino de História, eles eram, majoritariamente, discentes do quinto período em diante. Neste curso propus a leitura de um texto que relacionava ensino e teoria Decolonial (indicação ao final da resposta) e alguns alunos me perguntaram como poderíamos elaborar uma aula temática com essa teoria. Sabendo que os textos sobre Decolonialidade abrem um novo viés para uma releitura da abordagem científica através do campo epistemológico (em suma, questionando a própria produção do conhecimento) e não especificamente na área de Educação, busquei tratar como os futuros pesquisadores enxergavam os negros nas fontes históricas do século XIX. Para realizar este feito relacionei com os discentes as discussões de três áreas distintas: História Cultural, ensino de História e Decolonialidade. Dessa forma, amparo-me no argumento de que a Decolonialidade não é o único viés para a produção de conhecimento, mas corroboraria com as demais áreas para elaborar uma educação antirracista.
      Respondendo a questão se “A adoção da abordagem decolonial basta como teoria e metodologia?”, defendo que somente ela não. Mas compreendo que as potencialidades abordadas pelos teóricos decoloniais são instigantes para rever as produções conservadoras adotadas na academia.

      Mais uma vez, grato.

      FERREIRA, Michele Guerreiro; SILVA, Jansen Felipe da. Confluências da Pedagogia Decolonial e Educação das Relações Étnico-Raciais: elementos de uma práxis curricular outra a partir de Franz Fanon e Paulo Freire. In: GARCIA, Maria de Fátima; SILVA, José Antônio Novaes da. AFRICANIDADES, AFROBRASILIDADES E PROCESSO (DES)COLONIZADOR: CONTRIBUIÇÕES À IMPLEMENTAÇÃO DA LEI 10.639/03. Paraíba: Editora UFPB, 2018.
      Encontra-se no site:
      http://www.editora.ufpb.br/sistema/press5/index.php/UFPB/catalog/book/69

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    2. Mais uma questão, os resultados obtidos na aula elaborada sobre as fontes foram tão instigantes, que adotei em todos os meus cursos pelo menos uma sessão dessa temática. Esse mesmo material rendeu-me a conquista de uma bolsa do edital fornecido com a Prefeitura de Campos dos Goytacazes no estado do Rio de Janeiro em parceria com a Universidade Federal Fluminense para o curso de extensão AFRO-BRASILIDADES.

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  3. Achille Mbembe (2014), em sua obra Crítica da razão Negra, diz: " o colonialismo se torna uma exploração material e mental". Seguindo essa premissa correlacionada a sua pesquisa, como fazer cada vez mais planos de ensino que façam o alunado a possuír um senso que o colonialismo ainda está presente de modo passivo e ativo nas tessituras sócias do contexto brasileiro?
    José Fábio Bentes Valente

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    1. Prezado José Fábio Bentes Valente,
      Meus sinceros agradecimentos pela pergunta. Sua questão é muito complexa, pelo simples fato de que, para despertar tal senso, depende de uma ação contínua. No meu caso, essa ação contínua foi fruto da demanda dos alunos pertencente aos coletivos negros e LGBTQI+ da Universidade Federal Fluminense de Campos dos Goytacazes – RJ. Eles se articulavam e reivindicavam em suas falas nas salas de aula para que os professores das áreas de Humanidades do campus utilizassem autores negros. Acredito que estas demandas revelam muito das potências emancipacionistas para a transformação social. Nessa situação, percebo que o professor é tão sujeito quanto os alunos. Precisamos nos atentar para as demandas dos corredores das universidades e escolas, as pedagogias das frestas, das encruzilhadas de Simas e Rufino (ver bibliografia).
      Cito mais duas experiências. Assim que ganhei o edital para a realização do curso de extensão “AFRO-BRASILIDADES”, procurei os discentes dos coletivos negros da UFF e pedi para que eles entrassem em contato com os coletivos da Universidade Estadual do Norte Fluminense e do Instituto Federal Fluminense para que eles se inscrevessem e divulgassem o curso. Ao término de cada sessão do curso teria um momento específico para que cada componente do coletivo negro realizasse uma intervenção, performance, Slam ou divulgação de seus trabalhos para os demais alunos. Eles contavam de suas experiências pessoais e motivos de pertencerem aos coletivos, esse movimento me fez pensar nas limitações de nossas aulas.
      Encerro com as palavras de Jorge Santana.
      Último exemplo foi a exibição do documentário “Nosso Sagrado” (indicação ao final) com a presença de um dos diretores, Jorge Amilcar Santana. Em meio ao debate com o diretor, uma aluna o perguntou sobre qual medida podemos tomar para uma educação antirracista. Jorge respondeu “é um trabalho individual, produzindo aulas, tentando, errando e continuando. As aulas que derem certo precisam ser trabalhadas e divulgadas, ajudando aos demais professores para elaborar suas formas de educação antirracista!”
      Indicações:
      http://www.quiprocofilmes.com.br/pt/filme/nosso-sagrado
      Esse documentário não está disponível nas redes por estar em processo de exibição, mas há um documentário do mesmo grupo disponível no youtube.
      Link:
      https://www.youtube.com/watch?v=O99PeaMYNy8&t=6s

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    2. Muito somatória sua resposta ...
      Obrigado b

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  4. Trabalho muito pertinente, com certeza material a ser guardado e usado em sala. Abordagens decoloniais parecem ainda estar andando a passos lentos no que diz respeito a atingir a grande massa da população brasileira. Isso seria justificado simplesmente por uma vitória esmagadora do epistemicídio na colonização?

    Jean Carlo De Oliveira Vieira

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    1. Prezado Jean Carlo De Oliveira Vieira,

      Muito obrigado pela sua leitura e questionamento. Sobre o epistemicídio, esse silenciamento e assassinato violento de toda e qualquer forma outra de pensamento, é inegável que ele produz um tempo-espaço hegemônico. Uma estrutura complexa denominada de “privilégio”. Defendo que o privilégio é uma conquista histórica, produzida através de milênios de violência, assassinado e silenciamento para uma massiva produção do “outro” (gênero, raça, religião, cultura...) que ergueu a Colonialidade através de seus três pilares o patriarcado, o cristianismo e o capitalismo (SOUZA SANTOS e MENESES, 2009). O “privilégio” é o tempo-espaço hegemônico, eurocentrado, masculinizado (o corpo inviolável), branqueado, elitizado, produtor de epistemes (do único conhecimento validado, creditado e credibilizado), produtivo (em prol do desenvolvimento do mundo) e muitas outras coisas que normatizam e normalizam a estrutura da experiência real. O privilégio proporciona o prazer da estabilidade! Não é fácil abrir mão do privilégio!

      Frantz Fanon diz que o colonialismo se estabeleceu através de muita violência e guerras para dar o lugar que o homem branco europeu ocupa, para mudar essa lógica, somente uma violência ainda maior ainda.

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  5. Concernente a citação indireta de Boaventura de Souza Santos e Maria Meneses [2009], "em que não propõem uma mudança de análise da realidade epistêmica e social por um único viés, pois, as epistemologias do sul são o acréscimo de mais arcabouços teóricos outros para complementar a teoria e metodologia eurocentrada".
    Coaduanando essa proposição a sua pesquisa de modo holístico, que metodologia cognitiva poderia ser realizada para quebrar esse julgo do eurocêntrismo nos aportes teóricos didáticos?
    José Fábio Bentes Valente

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    1. Prezado José Fábio Bentes Valente,
      O professor de História e escritor Luiz Antônio Simas mencionou em um congresso que “um aluno da periferia tem três a quatro aulas de Revolução Francesa na escola. Ao término do dia ele retorna para sua casa no meio de uma favela e pensa: eu não tenho história?!”. A proposta de Simas não é deixar de dar aulas de Revolução Francesa nem abandonar estes grandes temas, mas acrescentar a experiência do aluno como sujeito histórico no tempo e espaço específico, o discente precisa entender o lugar que ocupa na sociedade e as relações de poder que o permeia. Para isso, proponho estudos e fontes ligadas à História Cultural aliada ao ensino de História. A Decolonialidade é a ferramenta teórica que nos alerta para as limitações conservadoras em nossas análises científicas. Retomando sua questão, para ampliar minha proposta metodológica para os mais variados temas, o aluno precisa ser questionado, entender o papel social de cada um dos sujeitos históricos e suas disputas pelo espaço público em cada contexto particular. Entender que não se compreende uma Revolução Francesa apenas pela ascensão da burguesia e silenciamento das práticas populares dos “motins da fome” que ocorriam na Europa na Idade Moderna. Em nosso caso, não se entende Brasil e suas contradições culturais apenas pela perspectiva de um Estado escravocrata cristão. Temos que ensinar em nossas aulas que foi a resistência ao Estado opressor que tornou o samba e o candomblé como parte fundamental de nossa identidade.

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  6. Sabemos que o mundo encontrasse sempre em contantes mudanças, principalmente nos campos do conhecimento, seja este científico ou do senso comum, podendo essa contante mudança se sintetizar na máxima do "Mutatis mutandis" (muda, mudando).
    Quanto essa mudança em relação ao colonialismo, na sua opinião relacionado a sua pesquisa, nós círculos educacionais brasileiros, não há ainda uma forte cauterização de mentes e uma certa cristalização de abordar o colonialismo como somente uma assunto do passado?
    E quais os meios que podemos utilizar para que haja um processo de descauterizaçáo dessas mentes, formado em um mundo cujas ações (Racismo,preconceito, violência e mortes), sempre remetem ao colonialismo?

    José Fábio Bentes Valente

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    1. Este comentário foi removido pelo autor.

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    2. Prezado José Fábio Bentes Valente,

      Mais uma vez, muito obrigado por propor este debate. Sobre a abordagem do colonialismo como algo ocorrido no passado, eu concordo. No prefácio do livro “Os condenados da terra” de Frantz Fanon, Jean Paul Sartre diz “Não faz muito tempo a terra tinha dois bilhões de habitantes, isto é, quinhentos milhões de homens e um bilhão e quinhentos milhões de: indígenas.”. Acredito que estas palavras demonstram o quanto o colonialismo não é um fenômeno que ocorreu no passado, mas presente em uma herança maldita deixada no sul global e epistêmico.
      Essa frase me intriga muito, pois, fico pensando: como fazer com que ¾ da população mundial percebam a desigualdade na qual se encontram? A experiência concreta do real deveria ser o suficiente, mas existe a ideologia, a política, a religião, a cultura, a educação, sistemas de crédito, valores morais e familiares, além de um sistema hegemônico e epistemicida baseado no patriarcado, cristianismo e capitalismo que arquiteta essa realidade como a única possível. O caminho que contemplo como o possível ainda é o freiriano. Na “Pedagogia do Oprimido”, Paulo Freire demonstrou que, para a modificação desta realidade desigual, precisamos de professores comprometidos com um ensinar que permita o oprimido ter consciência de sua própria realidade para que ele deixe de ser oprimido. Mas o fundamental que Freire também prega é que essa mesma pedagogia libertadora precisa fazer com que o opressor tenha consciência de seu lugar na sociedade para deixar de ser opressor.
      Esse movimento sempre vai passar pelo viés da Educação. Acredito que precisamos de Frantz Fanon nas salas de aula.
      Indicação de vídeo: Sobre Violência
      Link: https://www.facebook.com/watch/?v=1337521203042306

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  7. Levando em consideração que na conclusão do texto o autor aponta a questão principal como tendo sua base nas teorias e metodologias cientificas modernas e não no ensino, apesar de citar ao longo do texto o distanciamento entre o conhecimento acadêmico e a sala de aula, como podemos trabalhar a visão do individuo negro na sua subjetividade e singularidade de forma divergente ao olhar colonizador no ensino de história? A partir de quais fontes podemos trazer o olhar descolonizador para assim propor uma leitura crítica dos estudantes de forma que o olhar descolonizador se amplie para além dos portões do Ensino Básico e assim seja possível a sua discussão no ensino superior acadêmico?
    ~ Paloma Fernanda Silva Barros

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    1. Prezada Paloma Fernanda Silva Barros,
      Agradeço pela leitura e pelos comentários. Para responder suas perguntas, vou iniciar com a trajetória da proposta da aula. Minha área de pesquisa envolve estudos sobre identidade e religiosidade negra e, principalmente, festividades. Quando pensei em elaborar uma aula sobre as potencialidades contidas nas fontes sobre as organizações das festividades religiosas e mortuárias no oitocentos (indicação do site abaixo) tive algumas surpresas. A maioria dos alunos do curso de História estava familiarizado com a teoria e metodologia da História Cultural e, tinham em sua formação, leituras sobre os negros no Brasil. O problema era relacionar essa literatura com o ensino de História dentro das salas de aula do Ensino Básico, daí nasceu a proposta deste material e é por isso que encerro meu texto dizendo que o cerne da questão está em uma formação racionalista conservadora. Neste aspecto a literatura Decolonial auxiliou-me. O movimento necessário para responder sua primeira questão é utilizar o máximo de contribuições da História Cultural no auxílio das aulas de História. Pois essa literatura já se encontra presente nas universidades, o que precisamos é estruturar novas aulas de História que motive o discente a entender o silenciamento dos sujeitos históricos que estão diante de seus olhos.
      Para responder sua segunda pergunta, indico o site abaixo, acredito que uma das principais ferramentas que podemos utilizar em nossas aulas são as imagens. Através destas fontes históricas podemos tratar da temática da escravidão no Brasil Colônia e Império para além do número de mão-de-obra utilizada na exploração do ouro ou nas lavouras de cana-de-açúcar e café. Defendo que a utilização da História Cultural é de suma importância para a elaboração dessas aulas de História e a literatura Decolonial é um instrumento importantíssimo para vermos o nosso lugar como produtores de conhecimento.


      Imagens da Escravidão pelo Mundo:
      http://www.slaveryimages.org/s/slaveryimages/page/welcome

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  8. Como seria o trabalho de visualização do negro a partir da sua subjetividade histórica e cultural para agregar a construção do olhar descolonizador? O senhor acredita que seria então debatendo a vida do negro que está sendo escravizado previamente à colonização? Pois afirmas em teu texto que: "podemos enxergar [que] o refinamento dos saberes operados por estes, é uma forma de descolonização do olhar e o caminho possível para o encontro do sujeito histórico", levando em consideração que há toda uma história cultural, social e econômica do indivíduo que o mesmo carrega consigo.
    -Dayane Gomes de Moura

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    1. Prezada Dayane Gomes de Moura,
      Agradeço sua leitura e contribuição ao debate, respondendo sua primeira questão, não creio que o cerne da questão estaria em estudarmos a vida do negro antes da colonização, pois, aí teríamos uma História da África. Acredito que, como professoras e professores de História que somos, temos que partir da nossa experiência histórica brasileira. Os negros são a parte fundamental para a arquitetura material e imaterial do que nós conhecemos como Brasil hoje.
      A professora Martha Abreu (indicação ba bibliografia) tem uma fala interessante sobre a nossa necessidade de superarmos as imagens estereotipadas dos negros apanhando no pelourinho ou trabalhando sob a supervisão violenta de um capitão-do-mato, todas estas imagens que compõem nosso imaginário social encontram-se nos livros didáticos. Nesse momento mesmo, enquanto eu menciono tais representações, certamente, vem a sua mente tais imagens. Defendo que precisamos partir de outras imagens para recompor nosso imaginário social sobre o negro no Brasil, entendendo que houve uma escravidão desumana e cruel, mas, sobretudo, houve resistência histórica que formam a identidade nacional brasileira com o samba, a capoeira, o Candomblé, a Umbanda, o Tambor de Mina, o Xangô as festividades de Nossa Senhora do Rosário, entre outros. Em todas estas esferas podemos explorar as esferas do cultural, social, econômico e político.
      Mais uma vez agradeço suas palavras e indico o link que disponibilizei no post acima.

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  9. Olá, Luiz!
    Sempre é louvável trazer à tona reflexões sobre a negritude.É nesse ir e vir da História que a gente, enquanto docentes,precisa armar as situações mesmo pra revelar aos discentes o que é ser e como ser negro em um país que por muitos anos valorizou a mão de obra escrava,desfigurou a mulher negra e, ainda reafirmou pelo BRANQUEAMENTO, quem era inferior e superior.Creio que a primeira forma de descolonizar é se aceitar enquanto negro/a...daí, como você bendiz: "Nesta conjuntura, vemos gerações de indivíduos para além do norte epistêmico que não se percebem como sujeitos históricos, sendo silenciados e invisibilizados, não se enxergando como seres produtores de conhecimento." Infelizmente, em pleno século XXI, a equidade está aquém, justamente por isso. Mas, continuemos sim, DESCONSTRUINDO O EUROCENTRISMO E O ETNOCENTRISMO! SIGA ASSIM, PROFESSOR!

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    1. Prezado (peço para que depois se identifique para gerar seu certificado),
      Agradeço por sua leitura e fico muito feliz por ter-lhe auxiliado de alguma forma. A escola e o ensino de História são fundamentais para o processo de auto identificação do negro, a construção do “ser negro” é atravessado pelas representações contidas nos livros didáticos e as imagens utilizadas na escola. No tocante à essa questão, há um massacre direcionado à imagem do negro nos livros didáticos. No post anterior mencionei as palavras da professora Martha Abreu sobre as imagens estereotipadas dos escravizados no Brasil amarrados em peloutinhos e apanhando no meio das ruas. A auto atribuição da negritude, o pertencimento à qualquer identidade, é atravessada pela construção do orgulho, nosso papel como professoras e professores é trazer à luz o refinamento dos saberes daqueles que construíram materialmente e imaterialmente o nosso país. Não defendo uma romantização do afro-brasileiro, mas espero que consigamos dar o mesmo valor à história dos negros como fazemos com a Revolução Francesa ou Russa.
      Mais uma vez obrigado, suas contribuições nesse debate fazem aflorar muitas ideias.

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  10. Bom-dia! Realmente, esqueci o nome...Ivanize Santana Sousa Nascimento

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    1. Bom dia Ivanize Santana Sousa Nascimento. Abaixo da caixa de mensagem tem um link escrito "Responder como", coloque ali sua identificação, para não ocorrer problemas futuros enquanto seu certificado. Mais uma vez, obrigado e espero que tenha lhe respondido.

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  11. Luiz Gustavo Mendel Souza, ótimo trabalho.
    Gostaria que você falasse sobre a possibilidade de criar uma relação entre o desejo dos Governos de excluir o componente curricular de História da matriz curricular com essa estrutura de pensamento que você trabalhou no seu texto. Será que não há uma relação direta entre eles? Será que a escola, na forma que está organizada, aponta no horizonte uma preocupação com o processo de decolonização do pensamento?

    Kleyton Gualter de Oliveira Silva

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    1. Prezado Kleyton Gualter de Oliveira Silva,
      Agradeço por sua leitura e seus questionamentos. Acredito que a noção de uma Educação emancipatória é um risco por si só ao status quo. A proposição de um currículo direcionado à área de Ciências Humanas que seja comprometidamente emancipatório é o mesmo que o Estado hegemônico colocando em xeque suas contradições. O que presenciamos no final do século XX foi uma participação dos movimentos sociais na elaboração da Constituição de 1988 e de demandas contínuas por ações educativas emancipacionistas. Tais medidas tomaram forma na Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996 e na complementação de leis que exigiram uma educação antirracista e reparadora de danos históricos. Mas este movimento vai contra o estabelecimento de privilégios conquistados historicamente através do construção e assassinato do “outro” em sua forma de ser e saber, esse é o epistemicídio. Boaventura de Souza Santos mostra que a colonialidade é alicerçada por três pilares o patriarcado, o cristianismo e o capitalismo. Uma educação emancipacionista é uma declaração de guerra a esse modelo hegemônico estabelecido e o que nós encontramos em nosso contexto brasileiro atual é uma retomada conservadora contrária às conquistas constitucionais.

      Grato.

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  12. Ótimo trabalho.
    Observa-se no cenário educacional brasileiro, formas distintas de ensino. Uma vez que, a educação voltada ao ensino básico e médio muito se é responsável pela construção de certas normatizações (heteronormatização, patriarcado, eurocentrismo e etc.) enquanto a educação superior e posterior é voltada a essas quebras de paradigmas. De que forma podemos atuar para quebrar esse ciclo constrói-descontrói perante a moralidade que nos é imposta?

    John Keith Gaskin Briglia

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    1. Prezado John Keith Gaskin Briglia,

      Obrigado por sua participação neste debate. Essa divisão entre a ciência histórica e o saber escolar é um tema caro para a área de ensino de História. Esse foi um campo de disputa que enriqueceu as produções acadêmicas das duas últimas décadas do século XX em diante. Nomes como Circe Bittencourt, Ana Maria Monteiro, Maria Schmidt, Selva Fonseca e inúmeros outros intelectuais do ramo da área de ensino de História defendem a necessidade de atualização das práticas pedagógicas na utilização de fontes históricas e na utilização de metodologia de pesquisa dentro das salas de aula da Educação Básica de maneira a sanar este hiato entre a academia e a escola. Essas demandas educacionais encontram-se também nas páginas dos Parâmetros Curriculares Nacionais como um elemento de aproximação entre a academia e a escola. Sei que este é um processo longo e demorado, pois mexe na questão estrutural da Educação, mas também creio que há a possibilidade de mudança constante. Digo isso com esperança, pois, sou fruto da reformulação curricular que ocorreu nas universidades brasileiras no início dos anos 2000 e foi com base nessas leituras que sou motivado a realizar essas propostas didáticas e passa-las adiante. Para finalizar, acredito que o incômodo que te atravessa vai ser um ponto de ignição para a realização de propostas que atenuem esse hiato entre a academia e a escola!
      Mais uma vez, muito obrigado.

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  13. Boa tarde professor!
    Em um projeto de aula feito na minha sala na faculdade, nós também utilizamos as obras de Debret e fizemos um trabalho de pesquisa em jornais do Rio de Janeiro durante a década de 1830, com a intenção de mostrar o tratamento desumano recebido pelos negros escravizados, seus ofícios(que os alunos muitas vezes veem apenas como em plantações na área rural), o senhor acha que seria importante fazer um trabalho de pesquisa assim com uma sala de Ensino Fundamental? Especialmente em face ao revisionismo histórico presente na atualidade, que levou pessoas a negarem a existência da escravidão no Brasil.
    Francielly de Lima Silva

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    1. Prezada Francielly de Lima Silva,

      Muito obrigado pela sua leitura e pela relação com suas aulas de graduação. Certamente que esse material pode ser utilizado no Ensino Básico. A ideia da sessão proposta no curso de ensino de História era para que os alunos do curso utilizassem esse material na elaboração de futuras aulas. Vou deixar uma indicação de um site onde retirei todas as fontes iconográficas para as aulas. Quando eu apliquei esse material nos cursos de extensão e de formação continuada, eu utilizei várias imagens que remetiam o negro no universo urbano nas Américas. Se tiver interesse, deixe seu e-mail na resposta que eu lhe envio o material com os slides e as leituras.

      Imagens da Escravidão pelo Mundo:
      http://www.slaveryimages.org/s/slaveryimages/page/welcome

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  14. Não teria faltado entre as perguntas iniciais de seu trabalho uma de cunho ontológico, tal como "quem vocês vêem na imagem?" evitando assim a associação dos africanos e/ou crioulos ao trabalho e à escravidão?

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    1. Prezado Rafael de Freitas e Souza,

      Obrigado pela sua questão. Como mencionei em uma das respostas acima, essa aula foi uma proposta para atender à uma demanda de abordagem do negro como sujeito histórico. Quando limito-me à análise de representações de imagéticas dos negros deixados por Rugendas e Debret na primeira metade do século XIX, perguntar "quem vocês vêem na imagem?" se torna redundante. A questão ontológica se manifesta na incapacidade dos pesquisadores e futuro professores de História não compreenderem o porquê de enxergarem apenas mão-de-obra escrava nas imagens.

      Mais uma vez, muito obrigado.

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  15. O custo oneroso dispendido por alguns escravos para a festa de coroação do Rei e Rainha Congo provocava sua descapitalização. Esse fato podia dificultar e retardar novo acúmulo de capital para ser usado na compra de sua própria alforria. Dessa forma, essa vivência religiosa não estaria contribuindo para o reforço de sua condição de cativo?

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    1. Prezado Rafael de Freitas e Souza,
      Obrigado por sua participação neste debate. Sobre a descapitalização do escravizado devido às festas religiosas, irmandades e festas mortuárias, eu tenho muito receio na realização de um recorte que reduza a vida social de um indivíduo apenas à esfera econômica, ainda mais de seres humanos na condição de escravizados. O trabalho escravo no Brasil Colônia e Império era uma realidade violenta e extenuante para os negros, restando para estes as negociações contínuas com seus donos e o próprio Estado para utilizarem os fins de semana e dias santos para realizarem algum trabalho remunerado, além da venda de excedentes agrícolas, produtos da “brecha camponesa”. Mas o elemento fundamental que permitia a articulação destes indivíduos dentro da estrutura vigilante e violenta do Estado colonial e imperial eram os espaços de sociabilidade e solidariedade ocorridos nas missas organizadas nas irmandades leigas (terceiras). As festas religiosas são, inegavelmente, um espaço de articulação por excelência, além da produção e manutenção de identidade e pertencimento. Se não houvesse estes espaços não haveria a possibilidade de articulação para a promoção de ações de negociação frente aos senhores de escravos, ou mesmo a articulação de levantes. José Murilo de Carvalho em “Bestializados ou Bilontras” demonstra o quanto uma grande parcela da população brasileira que não era amparada pelo gozo dos direitos à cidadania, tinham nas irmandades e nos grupos beneficentes (logo depois os sindicatos) um espaço de articulação política. Por último, o dinheiro direcionado à irmandade leiga pelas comunidades cativas e libertas não serviam apenas para a ostentação festiva, em muitos casos auxiliavam a família do liberto falecido ou prestavam cuidados voltados para a saúde destes indivíduos. Não preciso mencionar que o Estado não fornecia nenhuma assistência para estes sujeitos.

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  16. NA SEGUNDA FIGURA É FALADO EM INDUMENTARIA E SOBRE O CHAPÉU. O CHAPÉU É UMA FORMA DE GRAU DE ALFORRIA DO NEGRO? PODERIA EXPLICAR MELHOR.
    HEINZ DITMAR NYLAND

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    1. Prezado Heinz Ditmar Nyland,

      Obrigado por participar do debate. Dentre minhas leituras sobre escravidão no Brasil, o único elemento de distinção que diferenciava um escravizado de um liberto no ambiente urbano era a utilização de sapatos. Após a aquisição da alforria o liberto comprava um tamanco de madeira como um objeto de distinção para demonstrar seu status social recém adquirido. Para além destes objetos relacionado à distinção entre liberto e escravizado, existia um forte comércio de tecidos africanos nas cidades portuárias no Brasil. As demandas de negros africanos e afro-brasileiros que geravam esse comércio demonstra um pouco as relações de resistência cultural diante de um Estado escravocrata.
      Sobre aquisição de outros elementos como forma de subjetividade do escravizado, eu indico o "TIA CIATA a pequena África no Rio de Janeiro" de Roberto Moura e "João José Reis. Domingos Sodré, um sacerdote africano: escravidão, liberdade e candomblé na Bahia do século XIX São Paulo: Companhia das Letras, 2008." Ambos os livros são facilmente encontrados na internet.

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  17. NA FIGURA TRÊS É FALADO SOBRE A FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO. OS ESCRAVOS NÃO POSSUÍA OUTRO TIPO DE RELIGIOSIDADE?
    HEINZ DITMAR NYLAND

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    1. Prezado Prezado Heinz Ditmar Nyland,

      Agradeço mais uma vez por sua questão. Se o professor colocar em uma busca rápida na internet a palavra "lundu" e imagens, a primeira representação que terá contato é a de Rugendas. Essa pintura demonstra a existência de formas "outras" de religiosidade no Brasil oitocentista. Para além destas fontes, os estudos de Daniela Buono Calainho demonstram as perseguições aos objetos religiosos dos negros e de sua religiosidade pelo Tribunal do Santo Ofício no Antigo Regime. Tais organizações religiosas eram perseguidas pela Igreja e pelo Estado, João José Reis e Eduardo Silva demonstram estas articulações e suas ausências em “Negociações e Conflito”. Como o Brasil Império tinha quase um terço de seu calendário preenchido por festividades nos dias santos, os relatos de viajantes e representações imagéticas são abundantes (só para citar um exemplo o folclorista Mello Moraes Filho publicou um levantamento festivo de fôlego seu livro “Festas Populares do Brasil” em 1888). Defendo que estes espaços festivos eram, por excelência, um lócus de agência e articulação entre os negros escravizados e libertos.

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  18. Intrigante pensar em como as imagens apresentadas no texto nos faz automaticamente voltar o olhar diretamente para a escravidão. Antes de começar a leitura, dei uma olhada geral no texto e nas imagens, e o primeiro pensamento que vem a cabeça é o do sujeito como vitima vulnerável e incapaz de agir. De que forma é possível treinar nosso olhar para melhor compreender a história dos negros numa visão que poderia ir além da escravidão?

    Natália Belinato Marques Silva

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    1. Prezada Natália Belinato Marques Silva,
      Agradeço por sua leitura e fico feliz por lhe instigar. Defendo que as pesquisas produzidas com o arcabouço da História Cultural são os meios mais interessantes e produtivos para elaboração de aulas de História que atendam sua demanda. Os livros de João José Reis como “A morte é uma festa” e “Domingos Sodré, um sacerdote africano: escravidão, liberdade e candomblé na Bahia do século XIX” apontam para as articulações de sujeitos históricos e suas constantes disputas com o Estado pela ocupação do espaço público. Por questões de pesquisa pessoal, centro minhas aulas e análises dos festejos religiosos. Não compreendo a religiosidade como algo estanque e distante das esferas econômicas, sociais, culturais e políticas. Pelo contrário, o uso das festividades negras no Brasil serve para jogar na nossa cara (desculpe-me a expressão, mas não vejo uma melhor) as artimanhas dos negros escravizados e libertos para driblar o olhar violento e vigilante do Estado patriarcal, escravocrata e cristão. Entender que estes indivíduos disputavam e conseguiam vencer estas disputas, pois, os registros dos pintores e dos viajantes do século XIX eram a manifestação surpresa do olhar europeu em um país negro distante da África. Precisamos resgatar esse olhar espantado em nossas aulas de História, capaz de trazer à luz a contradição de um país autoproclamado herdeiro da Europa, mas arquitetado material e imaterialmente por negros e índios.
      Para lhe ajudar nessa jornada, deixo essas indicações:
      Imagens da Escravidão pelo Mundo:
      http://www.slaveryimages.org/s/slaveryimages/page/welcome

      Documentário “Memória do Cais do Valongo”
      https://www.youtube.com/watch?v=EAQranIgycA

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  19. Marcondes Gabriel Cardoso Pereira
    O local de fala do negro é um assunto que deve ser levantado nas redes acadêmicas. Por séculos, os meios exploratórios, segregação, os personagens símbolos de resistência não ganharam nome, foram apagados, sempre é colocado o branco para oferecer a verdade. É um grande problema, certa vez ministrei algumas aulas sobre povos africanos, expliquei sobre alguns povos, e suas similaridades, até mesmo em seus cultos religiosos, processo intercultural. Questionei a turma, quem se considera negro? Quem
    tem ações racistas? Quantos de vocês são machistas? Mal sabiam se posicionar, não compreendia o seu local de fala, então elucidar a historicidade desses alunos, mostrá-los que é necessário uma desconstrução, quebrar os paradigmas. É um caminho para formação de um sujeito melhor, de maneira didática, a função do professor é se adequar às realidades e compreender as limitações de cada aluno.

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    1. Prezado Marcondes Gabriel Cardoso Pereira,
      Obrigado por sua leitura e participação neste debate. Concordo com suas questões, gosto de traçar um paralelo do “lugar de fala” com a “pedagogia do oprimido” para pensar Educação. Djamila Ribeiro diferencia o lugar de fala (um espaço de consciência do lugar social que o indivíduo ocupa) da vivência (memória), no tocante a esta questão, em “Pedagogia do Oprimido”, Paulo Freire demonstrou que, para a modificação da realidade social desigual, precisamos de professores comprometidos com um ensinar que permita o oprimido ter consciência de sua própria realidade para que ele deixe de ser oprimido. Mas o fundamental que Freire também prega é que essa mesma pedagogia libertadora precisa fazer com que o opressor tenha consciência de seu lugar na sociedade para deixar de ser opressor. Essa educação emancipatória é direcionada para todas as classes sociais pode ser expandida para os diferentes sexos, gêneros, etnias, religiosidades e culturas. Para mim, o cerne da questão é explorar com os alunos a origem do “privilégio”, um exemplo disso é um ensino de História que narra a evolução política que desagua na República, um padrão estrutural hegemônico europeu. Este padrão de poder, que Hanibal Quijano chama de Colonialidade, é alicerçado por mais de mil anos pelo patriarcado e o cristianismo. A proposta de um ensino emancipatório, que problematize o lugar de fala de cada indivíduo, precisa ter como base o questionamento da história hegemônica que fundamenta o privilégio. Não proponho um abandono de nossa narrativa historiográfica, mas defendo uma abordagem que exponha os efeitos violentos que a ascensão do privilégio legou às mulheres, negros, índios, LGBTQI+, todos aqueles que se encontram abaixo do sul epistêmico, nas palavras de Boaventura de Souza Santos.

      Obrigado.

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  20. Maria Rocha Rodrigues21 de maio de 2020 às 18:22

    Olá, professor
    Minha pergunta é a seguinte: considero essencial trabalhar a questão da decolonialidade com os alunos. Contudo, tenho percebido que os materiais disponíveis para olhar para esses sujeitos históricos e resgatar sua episteme e identidade são, em geral, centrados em indivíduos: um determinado escravizado que dominava determinada técnica; uma determinada mulher que participou de um determinado movimento literário etc. Será que não corremos o risco, desse modo, de acabar construindo heróis idealizados? Como poderíamos trabalhar de modo a visibilizar os sujeitos históricos-sociais em sala de aula, tendo em vista a decolonialidade, em sua opinião?
    Muito obrigada!

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    1. Prezada Maria Rocha Rodrigues,
      Obrigado por sua leitura e participação neste debate. Gostei muito de sua pergunta, pois ela e muito pertinente na área de ensino de História que tenta se precaver do pecado de retornar as origens através de uma narrativa romântica e generalizante. A proposta da Decolonialidade é trazer as formas outras de produção de conhecimentos e articulações assassinadas ou silenciadas pela violência colonial. Para pensar sobre sua questão, penso em ampliar o debate para as leituras do campo da Antropologia, não há a possibilidade de vermos a ascensão de um indivíduo isolado superando sozinho toda uma estrutura estabelecida. Todos os exemplos que são trazidos à luz são casos de lideranças comunitárias, políticas, religiosas, culturais, dentre outros, são casos de sujeitos que se aliaram e se articularam socialmente para realizar determinado feito. Precisamos ler estes indivíduos através das redes que eles acionam para a articulação que os projetam como casos exemplares. No tocante a esta questão, a micro História não enaltece casos isolados, mas nos trás possibilidades de estudarmos o real, inclusive as situações limites. Quando Djamila Ribeiro abre seu livro “Lugar de fala” citado o discurso de Sojourner Truth em 1851 na Convenção dos Direitos da Mulher, ela não está se referindo a um caso isolado. Pois, se Sojourner fosse a única negra ativista, nós nem saberíamos de sua existência porque ninguém se daria o trabalho de transcrevê-la. A fala de Sojourner revela um emaranhado de ativistas negras que estavam lutando pela disputa do espaço público no meado dp século XIX. Essas redes de atuações em busca da emancipação das minorias era o que incomodava a ponto de virar anotações dos jornalistas e tornando-se nossas fontes históricas. Nosso comprometimento como pesquisadores é buscar estas articulações e redes de atuações emancipatórias em nossos casos exemplares. Acredito que foi Marc Bloch deixou uma analogia muito bonita comparando o trabalho do historiador na exploração das fontes como o de indivíduos que ascendem uma fogueira em meio a uma floresta escura. Quando o clarão de sua fogueira toma corpo, ele consegue ver mais adiante, enquanto isso existem outros historiadores ascendendo outras fogueiras em outras zonas escuras também. Quando nossos trabalhos convergem, podemos ver não apenas Sojourner, mas um conjunto de mulheres negras abolicionistas em lutas que as precedem.

      Ao fazermos isso, estamos auxiliando nosso alunos em suas jornadas de buscas por conhecimentos "outros", por sujeitos "outros".

      Espero que tenha lhe ajudado, grato.

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  21. ENOS ANDRÉ DE FARIAS21 de maio de 2020 às 18:49

    Caríssimo Professor,

    Você aponta conceitos na sua pesquisa trazendo o conceito de Decolonidade em Boaventura, e Descolonidade, em Anibal Quijano. Na construção do seu pensamento o ensino de história tende a mergulhar nesses dois aspectos, e eu gostaria de saber por onde poderíamos trabalhar com alunos do Ensino Fundamental II aspectos dessa contextualização.

    Grato

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    1. Prezado ENOS ANDRÉ DE FARIAS,
      Agradeço por sua leitura e por contribuir neste debate com sua questão. Sobre a questão do conceito de Decolonialidade, acredito que por ser de uma produção recente, alguns autores traduzem como decolonial e outros como descolonial, mas se tratam do mesmo conceito. Qualquer dúvida ou interesse pelo tema, aconselho digitar “Anibal Quijano Colonialidade/Descolonialidade do Poder” no Youtube para assistir o próprio sociólogo peruano explicando seu conceito, é muito esclarecedor, outra dica é baixar o livro “Epistemologias do Sul” em PDF. Sobre a adoção desta temática nas salas de aula para o Ensino Fundamental II, convido o professor a acompanhar o professor de História Luiz Antônio Simas no Instagram, ele é um escritor carioca que tem como principal tema a abordagem da História brasileira pelas “(re)-existências”. Seu material é fácil de ser encontrado na internet e as formas lúdicas das construções dos seus textos são o que mais se aproximam do que eu acredito. Eu já utilizei muito os textos dele com meus alunos do Ensino Fundamental. Um exemplo foi o “Exusíaco e o Oxalufânico” para explicar as potencialidades humanas de ordem e desordem pela alegoria dos Orixás, esse material me rendia muitos debates com os alunos, estes ficavam muito intrigados ao perceberem que as categorias religiosas afro-brasileiras eram tão potentes para nos ajudar a compreender nossa história. O Luiz Antônio Simas tem falas muito boas sobre a manifestação festiva como ponto de existência plena e por isso sempre houve e sempre haverá disputas acirradas pela ocupação festiva do espaço público. Por esse motivo eu encerro minha aula com a imagem da festa da Nossa Senhora do Rosário dos homens pretos.
      Grato e espero que tenha lhe auxiliado, qualquer dúvida, deixe seu e-mail no comentário que lhe disponibilizo os materiais.

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    2. Ana Maria Brochado de Mendonça Chaves22 de maio de 2020 às 17:09

      Caro Luiz Gustavo,
      Concordo totalmente com você.
      Se puder compartilhar seu material, eu também o disponibilizarei para o pessoal da facul.
      Meus emais: ana.chaves@uemg.br / anachaves3456@gmail.com

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  22. Ana Maria Brochado de Mendonça Chaves21 de maio de 2020 às 19:40

    Luiz Gustavo,

    Boa noite!
    Nem sei o que é mais importante para minha docência, se seu texto ou suas respostas nos comentários...
    Assumindo aqui um lugar de privilégio de professora branca, e neste sentido, entendendo que minhas considerações talvez não sejam tão adequadas, quero lhe cumprimentar pela profundidade e lucidez das atividades desenvolvidas em sala de aula e suas reflexões no campo do Ensino de História.
    A temática que você desenvolve é para além da urgência no ensino de História: é a centralidade na constituição social, cultural e econômica do Brasil. Não se pode tratar de sistema capitalista no Brasil, ou o mundo contemporâneo, sem incluir o racismo estrutural.
    Nessa direção, uma 1ª pergunta: você não traz, nas suas referências, a obra de Silvio Almeida, "Racismo Estrutural", quase sempre citada nos eventos acadêmicos que participo, e a obra central nas discussões que promovo nas minhas aulas de Ensino de História, no curso de Pedagogia. Há alguma razão específica para essa ausência?
    A 2ª questão, refere-se à sua análise realizada a partir das atividades com as figuras de Debret realizadas com a turma (do Curso de História, assim entendi).
    Realizo leituras e atividades com minhas alunas/os, buscando propiciar aulas de reflexão e compartilhamento de vivências, objetividades e subjetividades existenciais. O intuito é promover a temática e a aquisição de um arcabouço teórico (ainda mínimo, devido à carga horária da disciplinas) pautado em autoras e autores negros. Como você aponta, "A superação de um olhar colonializado demanda um esforço analítico e crítico da da compreensão do real...mas uma responsabilidade política."
    Então, pergunto-lhe: não deveríamos propor uma radicalidade nas ações, seja na perspectiva freiriana, seja na perspectiva de Fanon? Parece-me que a emersão dos conflitos, inclusive na esfera acadêmica, seja a única forma de romper com a hegemonia da branquitude existente na universidade. Há sempre tentativas de suplantar os conflitos, por parte de maioria docente que não abre mão de seus privilégios (seja de branquitude ou titulação acadêmica).
    Estou, como professora, sempre me reeducando. Obrigada pelo seu texto e suas reflexões. Vou compartilhá-los com todas/os minhas/eus alunas/os.
    Profª Ana Maria Brochado de Mendonça Chaves
    Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG)

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    1. Prezada Ana Maria Brochado de Mendonça Chaves,
      Agradeço por sua leitura e pelo carinho, fico muito feliz por ter contribuído com meu material.
      Primeiramente, não há nenhuma razão pertinente para eu não usar o Silvio Almeida, apenas não consegui inseri-lo, assim como outros autores e autoras que gosto e utilizo nos cursos, na elaboração deste texto. Mas agradeço a indicação e incorporarei nas próximas produções.
      Sobre a segunda questão, fico pensando os limites de nossas ações individuais. A meu ver, a radicalidade precisa ser uma ação coletiva, senão corremos o risco de nos tornarmos professores isolados em nossos departamentos e tachados como caricatos (essa foi a melhor palavra que consegui encontrar). No meu caso, tive a sorte de trabalhar em um campus onde os coletivos entravam nas salas e pediam alguns minutos para discutir com os discentes sobre a ausência de autores a autoras negros e debates sobre ações antirracistas dentro da universidade. Esse fator que me incentivou a conversar com os líderes dos coletivos para propor ações diferentes nas aulas. Mas vou te ser sincero, a primeira aula que eu propus a realização de algo diferente, quando abri para votação dos discentes, 75% foi contra. Isso nos revela o quanto nossos corpos e o de nossos alunos são adestrados para atender as demandas de um sistema de produção acadêmico estabelecido. E o mais cruel nisso tudo, estas ações emancipatórias e críticas ocorrem majoritariamente nos cursos de Educação e, soma-se a isso, o desinteresse massivo dos discentes dos cursos de Licenciatura pelos cursos de Educação. A proposta apresentada neste texto foi o atendimento de uma demanda dos coletivos negros e um enfrentamento direto aos alunos do curso de História, nesse sentido, perguntando: vocês não estudam teoria, por que vocês não conseguem enxergar o óbvio? Aqui, neste ponto, que eu acredito que precisamos radicalizar, constrangendo na formação destes indivíduos. Eu tive um resultado positivo depois disso, muitos alunos me procuraram pedindo leitura, foi daí que saiu o projeto do curso de extensão.
      Mas eu acredito (quase que religiosamente) na potência de nossas aulas. Em cada proposta utilizada em sala de aula para a produção de uma pedagogia emancipatória. Se for para eu lhe dar um conselho, eu diria que o movimento radical que precisamos tomar não está nas salas de nossos departamentos, estão nos corredores e nos pátios, precisamos somar às causas dos coletivos. Não há ventos de emancipação dentro dos centros conservadores, o que vai modificar a estrutura educacional universitária são os sujeitos históricos questão ingressando na universidade e revelando as contradições desta.

      Posso lhe disponibilizar o material que fiz no drive do curso. É só me enviar seu e-mail. Espero que tenha lhe ajudado.

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  23. Belo texto! adorei suas reflexões, e são muito importantes para a construção de um ensino mais justo e freirano de fato. Me chamou atenção
    a parte em que "Os sujeitos presentes nas obras eram silenciados no momento em que eram expostos aos olhares dos alunos, nenhum discente manifestou qualquer análise para além do trabalho escravo presente nas primeiras pinturas." como esses profissionais são encaminhados ao falar de questões descoloniais? há um currículo que precisa ser seguido e muitas vezes as escolas intervem em cima dos professores e acabam ficando acoados ao falar sobre tais temas que são muito importantes, não só para a história, mas também para a visão que os alunos e alunas pretos se reconhecem, como isso procede? Deve haver uma mudança no curriculo para trabalhar de modo mais sensíveis as visões perante o continente africano? Gostaria de saber também como podemos trazer outros temas que são também polêmicos como os lanceiros negros, e seu contexto, como isso pode ser trazido também para desconstruir um olhar positivista e colonial da Revolução Farroupilha? Como trabalhar também com a auto estima dos alunos e alunas a partir de uma visão descolonial?

    -Eduarda Thaís dos Santos

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    1. Prezada Eduarda Thaís dos Santos,
      Obrigado por sua participação neste debate e por contribuir com seus questionamentos. Para eu me organizar melhor, vou responder suas questões em blocos.
      1- Em relação às questões descoloniais, como é um curso de ensino de História, geralmente, os professores do curso estabelecem uma ementa com 15 a 17 sessões mais as avaliações, separando cada sessão por uma temática. São separados um ou dois encontros para leitura e debate do texto (indicação do texto ao final).
      2 – O Currículo Mínimo de cada instituição (seja nas instituições particulares ou públicas) é estabelecido com base na Base Curricular Nacional Comum. Tivemos um grande ganho (e que agora sofre um grande risco) com a obrigatoriedade de ensino de História da África e cultura afro-brasileira nos cursos de Literatura, Artes e História (depois o acréscimo de História indígena). A questão é como incorporamos esta temática em um currículo escolar para além do comércio de escravizados e exploração do ouro. Nesse sentido que elaborei a proposta da aula que pode ser inserida em Brasil Império, entendendo a realidade sociocultural e religiosa pelos negros enquanto sujeitos históricos. Eu gosto muito de um teórico chamado Michel de Certeau, em seu livro “A Invenção do Cotidiano” ele nos apresenta duas ferramentas analíticas muito interessantes, a “estratégia” (que seria a forma de organização vigilante e coercitiva do Estado para o controle dos indivíduos) e as “táticas” (que seriam as artimanhas dos fracos, seria a possibilidade de atuação, de articulação, de agência desses sujeitos dentro da esfera vigilante e coercitiva da “estratégia”). Enquanto professores, precisamos criar táticas de abordagens dos sujeitos assassinados e silenciados pelo epistemicídio europeu. Neste quesito, podemos cumprir o currículo mínimo, afinal, nossos alunos vão prestar o vestibular, mas podemos ministrar estes temas trazendo a atuação dos indivíduos subalternizados e suas resistências.
      3- Como a Lei 10.639/03 tornou o ensino de História África e da cultura afro-brasileira, desde o início dos anos 2000 tem crescido muito a produção de pesquisas sobre esta temática. Inclusive eu encerro meu texto realizando um apanhado dessa literatura. Tem outras citações e indicações nas respostas que deixei.

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    2. 4- Sobre as abordagens vou recortar e colar uma resposta que deixei acima: “convido a professora a acompanhar o professor de História Luiz Antônio Simas no Instagram, ele é um escritor carioca que tem como principal tema a abordagem da História brasileira pelas “(re)-existências”. Seu material é fácil de ser encontrado na internet e as formas lúdicas das construções dos seus textos são o que mais se aproximam do que eu acredito. Eu já utilizei muito os textos dele com meus alunos do Ensino Fundamental. Um exemplo foi o “Exusíaco e o Oxalufânico” para explicar as potencialidades humanas de ordem e desordem pela alegoria dos Orixás, esse material me rendia muitos debates com os alunos, estes ficavam muito intrigados ao perceberem que as categorias religiosas afro-brasileiras eram tão potentes para nos ajudar a compreender nossa história. O Luiz Antônio Simas tem falas muito boas sobre a manifestação festiva como ponto de existência plena e por isso sempre houve e sempre haverá disputas acirradas pela ocupação festiva do espaço público. Por esse motivo eu encerro minha aula com a imagem da festa da Nossa Senhora do Rosário dos homens pretos.”
      A forma como O Luiz Antônio Simas traz os assuntos polêmicos através do lúdico e do humor é um viés interessante que eu gostaria que a professora conhecesse.
      5- A autoestima está intrinsicamente relacionada à questão a identidade, a forma como o indivíduo se vê e como ele e visto perante a comunidade. O aluno negro passa a vida inteira olhando para o livro didático (primeiro lugar institucionalizado para além da família) onde ele encontra o branco ostentando riquezas em palácios incríveis na Europa ou como dono de terras e escravos no Brasil (não utilizo o termo escravizado aqui de propósito). Por outro lado, ele também vê os negros neste mesmo livro didático em sendo traficados em navios, amarrados em troncos, apanhando nus em praça pública e sendo vendidos, eu te pergunto, com quem esse aluno negro vai querer ser relacionado? Ser identificado? A autoestima passa pela questão de representatividade e a escola é a maior produtora de construções representativas do eurocentramento e do racismo. Não defendo que as imagens das violências direcionadas aos negros no Brasil e no mundo sejam abolidas dos livros didáticos, elas são um elemento importantíssimo da memória para que isso não volte a acontecer. Defendo que mostremos e tratemos das representações dos negros nos livros didáticos tal como tratamos as figuras que representam a autoridades políticas, reis, generais, que os tratemos como pessoas e não como heróis. Essa é uma chave interessante para a construção de autoestima, mas para isso precisamos rever o centro de produção de nosso conhecimento, aqui, a decolonialidade é essencial.
      Mais uma vez obrigado pela participação.

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    3. FERREIRA, Michele Guerreiro; SILVA, Jansen Felipe da. Confluências da Pedagogia Decolonial e Educação das Relações Étnico-Raciais: elementos de uma práxis curricular outra a partir de Franz Fanon e Paulo Freire. In: GARCIA, Maria de Fátima; SILVA, José Antônio Novaes da. AFRICANIDADES, AFROBRASILIDADES E PROCESSO (DES)COLONIZADOR: CONTRIBUIÇÕES À IMPLEMENTAÇÃO DA LEI 10.639/03. Paraíba: Editora UFPB, 2018.
      Encontra-se no site:
      http://www.editora.ufpb.br/sistema/press5/index.php/UFPB/catalog/book/69

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  24. Apesar da Lei 10.639/03 ter completado 17 anos de implementação, o ensino de História e Cultura Afro-brasileira continua sendo ensinado de forma superficial nos livros didáticos e nas escolas públicas. Nesse sentido, além da descolonização dos olhares, quais outras medidas considera necessárias para inserir de forma significativa, os conteúdos voltados para o protagonismo do negro nos currículos e nas práticas docentes em sala de aula?

    LUZINETE SANTOS DA SILVA

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    1. Prezada LUZINETE SANTOS DA SILVA,
      Agradeço sua participação no debate. Permita-me percorrer um caminho diferente para responder sua questão. Boaventura de Souza Santos em seu livro “A universidade no século XXI” demonstra o quanto os avanços e pressões neoliberais foram avassaladores para o desmonte a educação pública de qualidade nos países europeus. Quando as universidades se permitiram entrar na lógica de produção de mercado o efeito foi a intensa privatização e diminuição das responsabilidades mantenedoras do Estado. O que o autor sugere como forma de resgate das universidades públicas de qualidade é a articulação dos centros universitários, com a Educação Básica e a comunidade pressionando o Estado através da opinião pública para a proteção e os investimentos necessários para a manutenção de uma universidade pública de qualidade. Ou seja, enquanto a universidade pública for uma preocupação apenas do Estado, dentro de uma lógica de mercado neoliberal, essa educação pública perde o motivo de existir, assim como as políticas educacionais. Desta forma, eu penso que a lei 10.639/03 precisa ser cumprida, as universidades precisam formular cursos que contemplem esta lei fornecendo cursos de extensão para os professores atuantes. Mas, se esta for apenas uma responsabilidade de Estado, quando se muda a estrutura política, assim como nós estamos vivendo hoje, a lei 10.639/03 corre o risco de deixar de existir. O que precisamos hoje é uma articulação com os movimentos sociais, a Educação Básica, com a comunidade escolar e civil para pressionar o governo para manter nossos direitos garantidos por lei, inclusive as políticas afirmativas.
      Muito obrigado, espero ter respondido.

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  25. Boa noite Luiz, primeiramente meus parabéns pela abordagem rica e impressionante!
    Gostaria de saber se em algum momento, ao solicitar que os alunos analisassem as imagens, houve algum tipo de resistência da parte deles? O propósito de colocar o negro como sujeito, e mostrar que não era somente a figura do escravo, teve uma boa receptividade?

    -Jessica Aparecida Lukavy

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    1. Prezada Jessica Aparecida Lukavy,

      Agradeço por sua leitura e participação neste debate. Sobre seu questionamento se houve resistência por parte dos alunos, não presenciei nenhuma fala com esse teor. Mas em relação aos resultados, majoritariamente as formas de exploração das fontes através do reconhecimento dos trabalhos, saberes e festividades geravam certo desconforto entre os discentes. Eu, particularmente, gosto de métodos de ensino que proporcionem ou constrangimento ou riso. Isso porque as duas sensações geradas precisam da chave de leitura da interpretação de meus interlocutores, a pessoa só pode ficar constrangida ou rir de algo se ela entende o que está sendo tratado. No caso acima, a chave de interpretação é a do constrangimento, pois estamos tratando da desumanização de indivíduos através do silenciamento e assassinato de suas formas de produção de conhecimento. Tanto nos cursos de graduação, extensão quanto no de formação continuada, o constrangimento presente nas falas e nas perguntas sobre como poderíamos enxergar as práticas destes sujeitos históricos foram unânimes.
      Obrigado.

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  26. Estimado Prof,
    Em nome da Mesa de Ensino de História: Teorias e Metodologias, gostaria de agradecer por compartilhar o seu conhecimento conosco. O seu trabalho foi um diferencial em nosso evento. É perceptível o quanto as suas reflexões motivaram e incentivaram os leitores. Obrigado!

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  27. Prezado professor,

    Muito obrigado pelas palavras, pelo aceite e pela oportunidade concedida.

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