Lucas Fernandi


DESAFIOS PARA A DIDÁTICA DA HISTÓRIA


Ao adentrar a sala de aula, logo foi possível vislumbrar os contornos de um raciocínio que aprendi ao longo de leituras que realizava na época do ingresso na Residência Pedagógica; citando assim Terry Eagleton em sua obra A Ideia de Cultura ao referir-se as questões sobre cultura no processo de imperialismo:

Aqueles que proclamam a necessidade de um período de incubação ética para preparar homens e mulheres para a cidadania política são também aqueles que negam a povos colonizados o direito de autogovernar-se até que estejam “civilizados” o suficiente para exerce-lo responsavelmente. Eles desprezam o fato de que, de longe, a melhor preparação para a independência política é a própria independência política ironicamente... [Eagleton, 2005, p. 204]

É claro que a sala de aula não é a mesma coisa que o processo de imperialismo porém, a citação de Terry Eagleton faz menção a dimensão ética das relações no tempo e espaço, e este é o primeiro empréstimo que faço a realidade da sala de aula: como professor estou convencido de que esta aporia faz juz ao que se produz na escola, refiro-me a esta incubação ética do indivíduo sobre sua própria vida frente a realidade da sociedade dita civilizada. E como pesquisador frente a este excerto, tenho dito que na prática da realidade escolar o protagonismo do aluno em relação a seu autocultivo está deslocado em dentrimento de casualidades que não dizem respeito a educação em si, mas a corrupção de nosso propósito pedagógico.

A medida que procedi na aplicação de meus conhecimentos no exercício de professor de história, foi natural para mim que questões das mais variadas naturezas aparececem; questões de ordem subjetiva, como: Quais as implicações do exercício da profissão de professor na saúde psicológica e qualidade de vida do indivíduo professor que exerce este papel? E outras questões de ordem objetiva como: Como otimizar o processo de ensino da história na sala de aula?

Particularmente, entendi tais questões como dupla constatação: A medida da surpresa das constatações é proporcional a medida das falhas e lacunas em minha formação como professor de história. Dada a aporia; se por um lado meu aluno busca passar no vestibular para continuar sua caminhada no mundo, seria pela natureza incerta dessa mesma caminhada que eu deveria inspirá-lo a instrução de seu tempo, sobre questões do seu presente e do seu mundo.

Assim, recorri a autores que me pareciam dispor de conceitos que englobassem todas as camadas que pude notar dentro da prática das aulas, citemos aqui duas de grande importância; as relações dentro da sala de aula e didática das aulas, busquei respaldo nos conceitos de Tática e Estratégia de Michel De Certeau. E por fim para abraçar a aula de história como propósito final desta reunião, em Jörn Rüsen busquei uma teoria da história que enquadrasse a didática da história como elemento constitutivo da história compondo parte da natureza antropológica do homem, discussão esta muito bem situada sob sua interpretação do conceito de “Consciência Histórica”.

Metodologia

A necessidade primordial para o ofício, foi de um referencial teórico que englobasse teoria e prática, historiografia e didática da história. Primeiramente considero de grande necessidade desmembrar melhor minha relação com aquilo que considero a ponta de lança teórica dentro da metodologia geral: o conceito de Consciência Histórica, mais específicamente pela interpretação de Jörn Rüsen.

A teoria da história de Jörn Rüsen  me chamou a atenção pois, tratando-se a escola de uma instituição que por muitas vezes molda tanto o indivíduo objetivo [cidadão] como o indivíduo subjetivo [identidade] e tendo na aula de história um campo de discussão e compreensão do tempo, vi a possibilidade de unir teoria e prática a partir deste autor pois uma das primeiras coisas que percebo no universo escolar dos ensinos fundamental e médio, são seu propósito calcado no ingresso do ensino superior. Aqui reside minha primeira grande crítica e a primeira grande razão desta escalada teórica na didática da história; a escola parece deslocar a faculdade do sentido da compreensão do homem no tempo [a aula de história] para um fim futuro que não o presente. Isso passou a me parecer uma racionalização fútil do conhecimento histórico como produto científico, em outras palavras o “conhecimento pelo conhecimento”, e devo apontar que o grande reflexo dessa dinâmica repousa em dois aspectos principais desse “conhecimento” adquirido pelos alunos ao que pude observar, e que considero negativo; 1] Tendência ao esquecimento da experiência adquirida com as aulas; 2] Esvaziamento do significado da experiência em sala de aula.

A aplicação teórica do conceito de Consciência Histórica abriu caminho para a resolução desta aporia no seguinte sentido: Uma reaproximação entre as características científicas e filosóficas da historiografia e didática da história deslocou a validade do conhecimento por via de demandas da sociedade para as vias de demandas individuais do aluno. Em outras palavras quero dizer que a utilidade da experiência do conhecimento da história voltou-se para o autocultivo do aluno no presente uma vez que refletimos o conhecimento histórico no indivíduo e sua subjetividade, ao invés de calcarmos a utilidade da experiência do conhecimento da história para fins futuros e externos, uma vez que o indivíduo que desenvolve seu aparato cognitivo por meio da aprendizagem da história no presente, estará munido de condições epistemológicas plenas para lutar sua vaga nas mais variadas carreiras que optar, seja esta voltada para o ensino superior ou não. O empenho do conceito de Consciência Histórica casa perfeitamente com essa readaptação pois como aponta Luis Fernando Cerri:

 O conteúdo da consciência histórica de Rüsen é constituído e moldado pela narrativa histórica, que conecta a interpretação do passado, a compreensão do presente e projeta um futuro. [Cerri, 2012, p. 10]

É importante mencionar mais uma vez que essa mudança teórica esvazia a história de um sentido teleológico dado por demandas externas, pois o passado passa a ter um sentido a partir de sua interpretação no presente pelo indivíduo que a experiencia, assim, sem grandes problemas podemos ancorara utilidade da história em elementos objetivos da realidade do aluno, pois antes de começarmos a raciocinar e reconstruir o passando em nossa consciência, fomos todos constituidos por ele dentro da composição cultural de nossas vidas em sociedade, voltar a aula de história para isto permitiu condições de que o aluno crie uma relação particular com o conhecimento histórico, permitindo a ele próprio voltar a si mesmo para sua vida enquanto estuda.

Neste ponto fica claro que o conceito de Consciência Histórica de Rüsen une duas características que não se separam da experiência de ser humano: orientação e identidade. Em outras palavras podemos supor que Consciência Histórica implica na busca da própria identidade como orientação no tempo, ela é dupla; orientadora e constituidora do indivíduo. Esse aspecto me parece casar perfeitamente com os propósitos da escola como instituição formadora do indivíduo na sociedade e também como indivíduo subjetivo dado sua experiência social dentro do universo escolar, podemos mencionar aqui uma natureza de consciência constitutiva à Consciência Histórica pois segundo Luis Fernando Cerri:

A ideia da consciência constitutiva, quando objeto de pesquisas dentro e fora do ambiente escolar, redimensiona as pesquisas educacionais na direção da consideração das ideias dos alunos, como também as ideias das pessoas comuns de toda a sociedade, como se relacionam com o seu passado. Ou seja, todo ser humano, em ambiente de escolarização ou não, recorre a alguma forma de atribuição de sentido ao agir no mundo, na intenção de satisfazer os seus interesses. [Cerri, 2012, p. 12]

Entendo que esta consciência leva o indivíduo a relacionar-se com o tempo por meio de atribuições de significados e busca na vida, e isso vale tanto para mim como professor de ensino de história quanto para meu aluno. Isto redimensionou completamente a minha expectativa nas relações e ensino dentro na sala de aula pois a partir desta constatação ficou claro que a didática da história não poderia ser a mera transmissão do dado científico calcado no objetivo assertivo de uma questão de prova, mas antes disso deveria ser constatada como transmissão de experiência e diálogo entre núcleos de produção de sentido, pessoas que buscam sentido e propósito para suas vidas. Por fim, se a produção historiográfica pode ser encarada como esse poço de possibilidades para orientação no tempo por meio da atribuição de sentidos, por consequência cabe ao professor e a didática da história manejar a otimização desta ponte entre o historiador que produz o conhecimento científico e a utilidade deste conhecimento para o desenvolvimento da vida prática dos alunos e das pessoas como um todo, em outras palavras o professor de história deve facilitar e induzir o processo dialético onde ao internalizar novas experiências sobre o passado o indivíduo se reconstrua enquanto sujeito no tempo presente.

Finalizo assim o lastro teórico principal da metodologia pedagógica no planejamento das aulas, e para além disto, passo a dissertar sobre os conceitos que formam o lastro prático das aulas.

O fio condutor desta parte do raciocínio repousa na máxima de que o aluno não é uma tela em branco e mesmo amordaçado muitas vezes pela imposição autoritária da disciplina jamais se faz passivo aos acontecimentos da sala de aula, é necessário entender que a escola e a sala de aula é configurada pelas demandas da sociedade, ao passo que concebe a aprendizagem e a transmissão do conhecimendo a partir destes preceitos

Busco assim sustentar a natureza de orientação no tempo por meio da busca da identidade que descrevi pela visão de Jörn Rüsen, pois se ao raciocinar e reconstruir o passado em nossa consciência devemos levar em conta que fomos todos constituídos pelo próprio passado que age na composição cultural e suas normas e que também age sobre as relações que acontecem dentro da sala de aula. A tomada de consciência sobre o jogo de poder dentro das relações é essencial no planejamento e prática pedagógica uma vez que o professor acaba por representar um ponto de verticalização hierarquica no micro tecido social da sala de aula e consciente ou não, a sala de aula será um dos epicentros da experiência social do aluno enquanto identidade subjetiva que se forma no tempo, conluindo, o desempenho ético e político do professor causará ecos dentro do desenvolvimento da indentidade subjetiva do aluno, seja pela reprodução do posicionamento do professor seja pela subversão do exemplo.

Michel De Certeau em seu livro A Invenção do Cotidiano, discorre sobre as práticas cotidianas como forma de ação do ser individual e social que se apropria dos elementos de uma cultura preexistente a fim de torna-la comum a sua própria vida, porém, De Certeau ao invés de partir do indivíduo como centro de seu próprio cultivo subjetivo, determina ao contrário que são as relações sociais que o edificam como sujeito. As forças que agem por entre as relações incutidas no cotidiano se esclarecem sobretudo por duas formas cujos traços mais característicos estão na sua relação com o espaço e o tempo e podem ser observados nas ações corriqueiras do dia a dia como os usos e consumos, sejam estes usos de elementos imateriais como a linguagem, símbolos ou também objetos da materialidade do espaço e as coisas. Ou seja, esta perspectiva é interessante a medida que postula que o indivíduo além de necessariamente imerso e moldado em seu meio cultural, também necessariamente age sobre este a medida que se relaciona com o tempo de sua vida na lida do presente, a lógica deste pensamento torna-se essencial para a metodologia pois nos permite perceber o indivíduo como produto da cultura que está inserido e ao mesmo tempo, agente protagonista deste meio onde ao relacionar-se com o presente, lança mão das referências que o circundam a modo de subvertelas em proveito de sua própria subjetividade. Para ser mais enfático sobre a importância deste movimento à metodologia, faço um paralelo de grande valia desta ideia, com a consciência história de Jörn Rüsen e a importância da didática da história neste processo ao mencionar Luis Fernando Cerri ao discorrer sobre o aprendizado histórico:

Um movimento duplo de aprendizado, de passagem do dado objetivo à apropriação subjetiva, e da busca subjetiva de afirmação ao entendimento objetivo. Significa também que ao buscar localizar socialmente/culturalmente o sujeito recorre à temporalidade, seja de experiências que o definem enquanto sujeito, ou o contrário, projetando sua subjetividade como filtro de interpretação do mundo. Um processo dialético onde ao interiorizar novas experiências acerca do passado, refaz-se enquanto sujeito no tempo presente.[Cerri, 2012, p. 13]

Assim, se tomarmos o conhecimento histórico científico como um dos espaços de experiência no qual o indivíduo busca referências a fim de atribuir sentido as suas ações no presente partindo de suas carências e interesses individuais, à didática da história cabe a função de agir sobre a prática dos historiadores a modo de garantir que a ciência da história seja útil para o desenvolvimento das mais variadas orientações da vida prática dos indivíduos. Assim concluímos brevemente a relação que o agir no presente cotidiano tem com a didática da história mas ainda nos falta delinear as formas destas forças que agem na relações de poder no cotidiano da sala de aula, para tal, nos debrucemos assim sobre os conceitos de Tática e Estratégia de Michel De Certeau.

Os conceitos de Michel De Certeau contextualizados em sua obra buscam discorrer sobre as operações dos indivíduos que são supostamente entregues à passividade e à disciplina, Tática e Estratégia voltam-se para modos de operação ou esquemas de ação, visando assim a lógica das ações que compõem a cultura e a instrumentalização dos elementos desta. O que distingue Estratégia e Tática neste caso são os tipos de operações executadas em espaços distintos, pois enquanto uma busca dominar, manipular e impor, a outra busca consumir, usar e subverter, assim, sem sair do lugar onde tem que viver sob a tutela de uma lei impositiva, o indivíduo mesmo inconscientemente, instaura a pluralidade e criatividade.

A Estratégia, calculada e manipuladora das relações de poder se faz possível a partir do momento em que um sujeito de querer e poder [instituição] pode isolar-se a si mesmo. É natural da estratégia o estabelecimento de um lugar tido como próprio, uma base de onde pode gerir as relações com exterioridade de seus alvos. O estabelecimento deste lugar próprio permite a estratégia a capitalizar vantagens conquistadas, preparar novas expansões e obter independência em relação a variabilidade das circunstâncias e exerce o domínio pela vista, pela panóptica, pois ver de longe, também é poder prever.

Por sua vez, a Tática é determinada pela ausência do estabelecimento de um lugar tido como próprio, nenhuma condição exterior fornece a tática condição de autonomia, a tática não possui lugar se não o lugar do outro, é o movimento dentro do campo de visão do inimigo, não pode dar a si mesma um projeto global de totalizar o adversário, opera golpe por golpe, aproveitando ocasiões, a medida do improviso. Assim, enquanto a Tática é determinada pela ausência de poder, a Estratégia é organizada pelo postulado de um poder.

Apesar das características amplas e abstratas, podemos deduzir as ações dentro do universo escolar a partir destes conceitos a modo de entender melhor as relações de poder dentro da sala de aula e para que possamos também contemplar pelo filtro das relações sociais, os desafios e implicações da didática da história. Em minha experiência na sala de aula, não pude deixar de notar que o ensino da história e toda prática pedagógica, parece ser peneirado por este filtro dos usos e consumos, pois se de um lado como professor e pesquisador lancei mão do uso da Estratégia ao mapear, calcular, manipular, vigiar e impor, as vantagens que a racionalização do método me dá pela via da antecipação e planejamento, na prática demonstrou-se em algum nível ser necessariamente subvertida e reapropriada pela Tática do uso que os alunos fizeram dos conteúdos logo no instante em que fora apresentado. Assim, na medida que postulei o meu poder como professor e autoridade, percebi que pela natureza da ausência de poder do aluno na hierarquia na sala de aula, se dava de maneira tão natural o desvio. A conclusão desta constatação é imperativa e absoluta; qualquer planejamento, ou viés pedagógico que não leve em consideração a natureza subversiva do consumo e reapropriação do conhecimento histórico está fadada a ineficiência e consequências que não podem ser medidas para todos os personagens do tecido social da sala de aula.

Assim, como professor de história não pude deixar de [ironicamente] relacionar as dinâmicas antropológicas da experiencia na sala de aula, com as experiências humanas da história, e nesta ironia ocorreu-me a constatação do óbvio; um dos grandes serviços destas teorias seria justamente romper a distância da realidade histórica em relação a relidade do cotidiano da vida, a presentificação como exercício de resgate da experiência da vida na história, tão bem captada nesta citação de Michel De Certeau sobre os usos dos elementos da composição cultural na consqusita espanhola:

Assim o espetacular sucesso da colonização espanhola no seio das etnias indígenas foi alterado pelo uso que dela se fazia: mesmo subjugados, ou até consentindo, muitas vezes esses indígenas usavam as leis, as práticas ou as representações que lhes eram impostas pela força ou pela sedução, para outros fins que não os dos conquistadores. Faziam com elas outras coisas: subvertiam-nas a partir de dentro – não rejeitando-as ou transformando-as, mas por maneiras de empregalas a serviço de regras, costumes ou convicções estranhas a colonização da qual não podiam fugir. [Certeau, 1990, p. 94-95.]

Por fim, conclui que a produção intelectual de uma aula ideal não funciona sem o trabalho em relação a forma da reprodução deste conhecimento. Velhas verdades se põem a mesa; o processo de aprendizagem tem no aluno seu grande protagonista, e as vissicitudes advindas disto devem ser levadas em consideração nas estratégias do professor, caso contrário, a desatenção, a banalidade e o adoecimento. A aula de história deve voltar-se as coisas mesmas, a experiência da vida, e a atribuição de sentido nesta travessia.

REFERÊNCIAS
Lucas Ferdinandi é formado em história pela Universidade Estadual de Maringá (UEM)

CERRI, Luis Fernando. A Teoria da História de Jörn Rüsen entre a Modernidade e a Pós-modernidade uma contribuição à didática da história. Educ. Real., Porto Alegre, v. 37, n. 3, set./dez. 2012.
CERTEAU, Michel De. A Invenção do Cotidiano. Pretópolis – RJ: Ed. Vozes, 1990.
EAGLETON, Terry. A idéia de cultura. Tradução: Sandra Castelo. São Paulo:  UNESP, 2005.

20 comentários:

  1. Boa tarde
    Tenho duas questões:
    1. Como o autor percebe a adoção (ou não) dessa metodologia voltada para as experiências e vivências dos educandos em ambientes como os cursos pré vestibular?
    2. De que maneira você analisa a crescente interferência tecnológica nesse processo de troca entre educando/educador? É possível falar em um distanciamento cada vez maior entre as partes e numa dificuldade em manter esses vínculos?
    Adorei seu trabalho! Parabéns!

    Bethânia Luisa Lessa Werner

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    1. Boa tarde Bethânia!
      Acho de enorme pertinência a sua questão pois segundo minha experiência, ambientes como os cursos pré vestibular representam o oposto daquilo que acredito que é (ou deveriam ser) o papel da educação em nossas vidas. Assim, a resposta para tal deve contemplar estrategicamente as características do espaço; no caso proposto por você e considerando que cursos pré vestibular voltam-se para o conhecimento apenas como uma forma de ingresso na universidade e fazendo disso um fim em si mesmo. A única via de aplicação na minha opinião é pela sutil subversão da forma como é apresentado o conteúdo, o que recai totalmente na capacidade estratégica do professor em tornar a FORMA da transmissão do conteúdo em um catalisador que inspire auto reflexão e consequentemente, autocrítica. A forma do conteúdo deve ser particularmente sedutora e necessariamente moldada a partir dos símbolos culturais da linguagem dos alunos e não do professor a modo de caracterizar o conteúdo filosófico e introjeta-lo na relação do professor com seus alunos. A tarefa é ingrata pois praticamente depende do desenvolvimento de uma linguagem "codificada" por símbolos de um grupo que pela convivência desenvolvem no seio da sua relação uma linguagem própria e reconhecimento das identidades, é um trabalho de período integral, de um lado escondendo-se da vigilância objetificadora da instituição, e do outro, derretendo "verdades" cristalizadas na cabeça dos alunos.

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    2. Quanto a segunda questão.
      Talvez eu esteja correndo o risco de soar demasiado crítico, ou empenhar em demasiado as soluções apenas aos professores. Gostaria de adiantar que prefiro essa via pois ela esta mais próxima de nós, dado que considerando nossa situação política e social, as condições salubres e necessárias para o ofício da pedagogia como um todo como eu acredito que deveriam ser estão a anos luz.
      Tendo dito isso, eu acredito que a crítica que corriqueiramente se faz ao aluno e seu relacionamento obsessivo com os objetos de seu tempo (a internet por exemplo) é apenas um mesmo movimento que se repete ao longo de toda a história. A nós professores frente a isso, parece tratar-se do clássico movimento do humano distanciado do seu tempo jovem, consolidando verdades acaba entrando em choque com aquilo que vem em seguida ao conforto de seu tempo bem posicionado. As tecnologias são só mais uma forma de comunicação, são só novas ferramentas, não são nada que não tenha permeado a história desde sempre, provavelmente assim foi dito do rádio, da televisão, dos videogames, dos telefones, fica claro assim que para mim, a interferência tecnológica de hoje, não é mais nem menos interferência tecnológica do que a interferência tecnológica de qualquer outro tempo, o humano continua o mesmo em certo sentido.
      A tecnologia é apenas ferramenta, cabe ao professor instrumentaliza-la a modo que trabalhe a favor de sua pedagogia, se o aluno está viciado em "Freefire", ou é viciado em jogar "League of Legends" ou teve o final da sua infância cultivada pelas opiniões duvidosas do "Felipe Neto", tão importante quanto o domínio do conteúdo que está no livro didático, é o domínio sobre os símbolos que o seu aluno usa para dar significado a sua vida.
      Eu não acredito que o abismo que existe entre professor e aluno de hoje é maior ou menos do que o de outros tempos, na minha opinião o que dá a sensação de distanciamento na verdade é justamente o resultado de conquistas éticas dentro do ambiente de sala pela qual tanto batalhamos todos os dias, onde a autoridade tem cada vez menos espaço na relação de professor e aluno pois em outros tempos, o contato físico da palmatória supostamente trazia a atenção do aluno para o professor, mas não acredito que essa palmatória voltasse o espírito do aluno para o reconhecimento da atitude do professor como extensão de seu desejo de autocultivo, e nos casos em que trazia, bom, acredito que é justamente as consequências da educação forçada que tentamos desfazer todos os dias, por meio do esforço em que empenhamos nas lutas pela desconstrução de velhas verdades absolutas, ou velhos modos de pensamento e "agires" éticos que não concordam com as novas ideias de igualdade entre todos os humanos em respeito as diversidades identitárias.
      Por fim, sou positivo quanto reconhecer as dificuldades dos novos desafios em manter os vínculos, pois novas formas requerem novas estratégias, e isso demanda criatividade e foco de um professor que apesar de conquistas, são muito poucas, ainda dá aulas para salas muito lotadas, ainda tem pouco tempo para preparar aulas, ainda tem pouco tempo para estudar seus alunos, ainda tem pouco tempo para pesquisar metodologias.
      É o trabalho de um verdadeiro atleta em todos os sentidos!

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    3. Bethania, um pequeno adendo a segunda resposta:
      Eu mesmo acho super entediante e chato o meio acadêmico, acho que em partes é carregada de formalidades fúteis, que funcionam para tranquilizar estruturas cansadas e herdeiras de um tempo em que verdade era só uma. Existem vários canais no youtube que tratam de assuntos intensos e maravilhosos que obedecem aos critérios da juventude, de ser um conteúdo mais rápido, atrelado as fontes em anexo para quem quiser se aprofundar e possuem um formato e design arrojados e sedutores, além de alimento para o cérebro e para a alma, também compõem alimento para os olhos, que também é outra inteligência da nossa alma, infelizmente conheço poucos que sejam de produção nacional, mas para quem tem domínio do inglês, esse campo já tem corpo.

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  2. Inicialmente parabenizo pelo excelente trabalho.

    Me chamo Jorge Luiz e sou licenciando do curso de História pela Universidade Estadual de Goiás.

    "... a melhor preparação para a independência política é a própria independência política ironicamente..."

    Não conhecia a frase de Terry Eagleton mas gostei bastante e já a parafraseei trocando o termo "independência política" pelo termo "socialização", no sentido de que pelo simples fato do estudante estar presente no espaço físico da escola, com mais pessoas em sua volta e participando de uma prática social ele já está sofrendo e ajudando a "aplicar" o processo socializador.

    Ainda sem deixar de lado o ensino com prática social, e admitindo no meu caso particular, e imagino que no caso de muitos estudantes do curso superior de História, as falhas no processo formativo, pergunto sobre a visão do autor quanto à como trazer de verdade a realidade do aluno para os temas técnicos e teóricos tratados na sala de aula. Como conhecer esse cotidiano e relaciona-lo à construção de conhecimento?

    Grato ;)

    Jorge Luiz Cezar de Andrade

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    1. Salve salve Jorge!
      Acho que sua paráfrase é bela e muito correta! Inclusive vou usa-la para dar minha resposta pois, é justamente na sua adaptação que reside a resposta para sua própria pergunta! Ao analisarmos a citação que fiz de Eagleton, logo se percebe que é algo em um livro, produção de uma observação sobre a vida, e você, inteligentemente, ao adaptar ao trocar "independência política" (que é um conceito mais abstrato) por "Socialização" (que é outro conceito, mas tão mais próximo do nosso cotidiano) está parindo essa ideia nas coisas da vida real.
      Ao meu ver, a história é protagonizada por humanos que não são nem mais nem menos humanos que nós, por trás do brio das convenções históricas, a história está repleta de seres humanos que são tão humanos quanto eu ou você. Em uma discussão de bar ouvi um dia um amigo criticar o escritor Laurentino Gomes (autor de 1808, 1822, 1889 e etc...) pelo teor pouco acadêmico de seu trabalho. Entendo as preocupações deste meu amigo mas resolvi fazer a voz da ponderância na conversa de boteco e acho de grande valia para nossa troca de ideias; para mim, o grande serviço de Laurentino Gomes nos seus livros, foi aproximar a história da vida real, do ser humano real, por mais que isso seja cheio de lacunas no sentido de um rigor acadêmico (e que eu acho que merece MUITA atenção pois a história é uma ciência muito séria) isso parece ser grande valor se considerarmos que um dos propósitos da história é prover o ser humano de sentido na sua relação com o tempo e na resolução dos problemas do seu presente ao voltar-se para o passado a fim de projetar-se num futuro que ainda está por vir.
      Enfim Jorge, os temas que são tratados nas grandes histórias partilham suas raízes com os desdobramentos do que acontece dentro da sala de aula, ou ao redor da escola, talvez as piramides sejam muito mais sedutoras, mas o cemitério local também partilha de um propósito semelhante que as pirâmides, ou no mínimo podemos compara-las respeitando as características de sua contemporaneidade, na verdade, o respeito pela sua contemporaneidade é o ponto de partida para a construção séria da reflexão histórica, que busca não ser anacrônica na medida das capacidades de seu pensador.

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    2. Salve professor!

      Ótimas respostas, tanto a dada para minha pergunta quanto as dadas as das nossas colegas Betnhânia e Aline.
      Foi muito claro quando fala da relação que podemos fazer (sim, por que não?) entre as pirâmides e o cemitério da cidade, tomando sempre o cuidado para não cometer anacronismos.
      Linkando a resposta com o seu texto temos também que a consciência histórica tem esse poder de nos colocar, enquanto professores, alunos, cidadãos ou simplesmente pessoas, dentro da história.
      Muito legal, parabéns.
      Abraços

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  3. Olá! Muito pertinente a contribuição do seu texto. Sou acadêmica do curso de História, do 4º ano e já tive algumas experiências em sala de aula com a disciplina de estágio supervisionado. A experiência em sala de aula, de certa forma, me angustiou e me fez refletir, sobre quão difícil é fazer que os conhecimentos históricos façam sentido para a vida do aluno, visto que esta disciplina, não desperta muito o interesse dos estudantes. Em sua maioria, se dedicam para adquirir os conhecimentos necessários para "passar" no vestibular ou "passar de ano". Ou seja, os conhecimentos não são apreendidos com a articulação/sentido com o presente. Isso é um desafio, não apenas para o professor e a disciplina de História, mas, também para as outras disciplinas. No campo metodológico, as estratégias de ensino/aprendizagem devem ser mais dinâmicas e os conteúdos fazer sentido social. Então, do ponto de vista metodológico, como encontrar o equilíbrio entre a estratégia e a tática, para que o ensino/aprendizagem alcance a importância da dimensão social do saber histórico?

    Obrigada.

    Alini Garbelini

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  4. Oi Alini!
    Na minha opinião a parte da metodologia para esse equilíbrio está na parte empírica do trabalho, está na desenvoltura social do professor dentro da sala de aula, deixa eu explicar melhor.
    A maneira mais eficiente que eu encontrei de ser respeitado enquanto estou falando, foi respeitar o direito de meus alunos falarem. Isso se constrói aos trancos e barrancos, pois quando você se depara com um 6° ano vespertino da vida, você repara que os alunos carecem de educação em sentidos muito elementares como por exemplo, conversar. (diga-se de passagem que eu falei 6° ano como mero exemplo, eu particularmente acho que isso é super comum entre pessoas de qualquer idade/lugar).
    Saber ouvir seu aluno e introduzir a questão dele dentro da aula, faz ele sentir-se valorizado, e quanto mais o aluno se sente respeitado, mais ele se empenha em sustentar esse respeito. Por negociar o tempo de fala com meus alunos (por exemplo; se eu conseguir dar a aula vai sobrar tempo e eu deixo vcs ficarem conversando, ou, pode conversar mas conversa baixinho e só com o amigo do lado, entre outras soluções) eles acabam entendendo um favor, e conforme o respeito se consolida na relação, eles vão naturalmente retribuindo o favor conforme suas demandas, isso melhora sobretudo quando você tem um bom relacionamento com a turma, pois assim eles mesmos vão se vigiar em nome da boa relação com você, assima o invés de se desgastar dando bronca, você vai ter um aluno aconselhando o outro a fazer silêncio.
    Essas pequenas características do relacionamento também se tornam palco para a transmissão do conhecimento histórico, como por exemplo explicar o conceito de hierarquia a partir das diferenças entre o seu posicionamento como professor e o do seu aluno como aluno.
    Na minha opinião a autoridade atua onde a ética falha, contraditoriamente sinto que horizontalizar minha relação com meus alunos e fazer eles sentirem que sou parte do grupo deles dentro da sala de aula, ou valorizar a opinião deles e ceder a sensação de autoridade quando eles agem a modo de contribuir com a minha aula estabiliza os relacionamentos dentro da sala. As vezes sinto que meus colegas de trabalho (outros professores) esquecem que um dia foram alunos, e que você está lidando com um adolescente hiperativo, que acabou de descobrir que um dia vai morrer, que se sente deslocado e inseguro dentro da sociedade, que está sentindo os efeitos dos hormônios agir no corpo e se sente confuso com isso. Não exija que seus alunos sejam outra coisa que eles não são, negocie com quem eles são, valorize o lado positivo da rebeldia de um aluno que é mais rebelde, valorize o lado positivo de um aluno que é mais tímido a medida que nessa valorização você apresente a eles mesmos o desafio de encarar o outro lado da personalidade deles, deixa eu exemplificar; um aluno tímido, eu nunca o faria ler em voz alta nada, porém eu o convidaria a ler a modo que se ele negar, eu explicaria para ele que é justamente por ele ser tímido que alí é o lugar perfeito para ele "treinar" sair daquela timidez, além de que eu estarei do lado dele e quem atentar contra ele vai ter que enfrentar um questionamento moral da minha parte.

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  5. São muitos os exemplos e cada sala vai ser uma sala, pois é justamente na atenção das características únicas de cada aluno e cada sala que você vai perceber a metodologia mais adequada. Grandes máximas são pouco cabíveis dada essa maleabilidade, a única delas, é a que já mencionei; a autoridade vem para preencher a falha ética. Ainda vale ressaltar que a sala de aula não é diferente de qualquer outro espaço social, vale tratar como queria ser tratado a medida que vc expõe isso e ouve a pessoa, não obstante, a sala de aula para você professor é o palco perfeito para enfrentar seus próprios demônios, fazer a crítica a sua própria personalidade, onde você enrijece? O que tira a sua paciência? Você ouve de verdade as pessoas? Até onde você vai para ouvir alguém? A conduta dos alunos ferem alguma moral sua?
    Não ideia de uma aula perfeita é somente uma ideia para estar no horizonte, não existe UM método, o que deve haver é a curiosidade e o empenho para reavaliar-se sempre, moldar-se e ser moldado com graça, pois os costumes mudam, os símbolos mudam, as coisas mudam, ironicamente esse é o princípio da ciência da qual tratamos e ainda sim, nos pegamos surpreendidos por essa característica tão elementar do tempo, as coisas mudam.

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  6. Muito obrigada pela explicação professor,acrescentou muito na minha formação!

    Alini Garbelini

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  7. Boa noite. Eu acho importante o uso da tecnologia nas aulas de História, porém achoque ainda há muita falta de preparo para os profissionais da educação. Percebe-se isso na elaboração de apostilas das aulas remotas. Eu sua opinião, será que o uso de tecnologia com professores despreparadas contribui para o aprendizado, ou seria necessário primeiramente capacitar esses profissionais para que estes possam usar as tecnologias como meio de aprendizado.

    Inês Valéria Antoczecen.

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  8. Olá Inês, concordo com você que o despreparo é imenso, na verdade eu diria que o preparo para a lida com as novas mídias é basicamente nulo. Tenho o receio de estar falando por meio de meus medos como professor, mas acredito que a crise em que enfrentamos com a covid-19 e a necessidade de isolamento social complica ainda mais o quadro da questão. Acho de suma importância que a partir desta nova condição haja interesse institucional em investir no preparo dos professores frente as novas condições, pois se antes já era de suma importância, acredito que este preparo coloca a educação de qualidade numa situação de vida ou morte. Me preocupa sobretudo a relação do professor como profissional contratado seja pelo estado ou seja pelas instituições privadas, se a troca de valores e experiência já era um desafio para a convivência da sala de aula, imaginemos só nesta nova fase onde o fator social que é um ponto visceral do aprendizado histórico, passa a ser mais abstrato e menos empírico.

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  9. Olá querido, primeiramente quero te parabenizar pelo texto que a qual mostra uma sintaxe bem interativa e não técnica. Agora gostaria de indagar alguns pontos que eu identifiquei em seu artigo. Sabemos que o processo de ensino e aprendizagem tem seus muros e suas pontes que as quais tendem a ter pontos negativos e positivos quando se refere o ensino de história. O muro que eu simbolizo refere-se às dificuldades do professor em organizar e delimitar de forma coerente períodos históricos de forma que ele não venha ir de encontra ao currículo institucional da escola a qual trabalha nesse ponto podemos analisar a forte influencia da instituição educacional privada no controle das ações do professor.
    Dessa maneira é possível analisar também ensino de história como peça chave na construção da consciência histórica do aluno e também, o mesmo se identificar como agente dela, mas sendo voltado automaticamente para a necessidade produtora de riqueza material e não epistemológico.
    Sendo assim, eu faço essa pergunta para o senhor, o ensino de história mostra-se diferente, na questão da didática, quando estamos em espaços diferentes, isto é, na escola pública ou particular?
    Carlos Fontineli Modesto

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  10. Olá Carlos!
    Segundo minha experiência, a diferença de espaços é vasta, correndo o risco de generalizar, acredito que escolas públicas sobretudo as de periferia são um espaço mais tranquilo para desviar-se do modo competitivo que a educação voltada para a produção de riqueza material vamos assim dizer. Sinto que isso acontece pela sensibilização que o aluno de periferia passa em relação a certas desestruturações, onde este acaba voltando suas preocupações para um presente do que o aluno de cursinho pré vestibular que volta-se quase que completamente para a ideia do ingresso na universidade como a garantia de um futuro próspero.
    Porém acredito que em ambos os espaços é possível a instrumentalização dos conteúdos da grade em nome do desenvolvimento do aluno como ser humano pois a história (mesmo a dos livros didáticos) é repleta de questões como guerra, escravidão, injustiças e etc... temas estes que são um ótimo ponto de partida para inspirar o aluno no autocultivo de si mesmo, a reflexão, a consciência e a crítica histórica são as bases que devemos criar por meio do conteúdo escolar (seja ele qual for) para criar as condições necessárias e estimular as virtudes que o aluno precisa para protagonizar sua própria história conscientemente.

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    1. Este comentário foi removido pelo autor.

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    2. obrigado, pela sua resposta, professor Lucas Ferdinandi, pois acrescentou muito na minha aprendizagem.

      Carlos Fontineli Modesto

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  11. Boa noite. Ao ler o texto percebi diversas situações que ocorrem no dia a dia em uma sala de aula a qual quando aluno não percebemos, mas assim que começamos a “matéria” percebemos. Percebi que o senhor [ao ler o texto] aparenta ser espontâneo em suas aulas o que geralmente prende o aluno, pois é algo raro (muitos professores apenas jogam matérias na lousa e manda os alunos fazerem por si só). Gostaria de saber como colocaria isso em pratica de forma eficiente, já que, chamar a atenção de um aluno na sala de aula é algo realmente complicado.
    Gostaria de parabenizá-lo pelo texto

    Renan Braga Taveira

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