Natanael de Freitas Silva


DESAFIOS AO ENSINO DE HISTÓRIA EM TEMPOS DE NEGACIONISMOS E REVISIONISMOS


Nas últimas décadas, a área das ciências humanas tem sofrido alguns impactos advindos do fenômeno negacionista em torno de temas considerados sensíveis como a memória do Holocausto e o revisionismo histórico relacionado aos debates acerca das histórias indígena, africana e da escravidão. Sendo assim, neste artigo, busco refletir sobre a atual conjuntura de ataques ao campo historiográfico e subsequentemente ao ensino de história, principalmente nas discussões em torno das ditaduras latino-americanas, com ênfase no caso brasileiro.

Revisionismo e Negacionismo: uma leitura ideológica do passado

Apesar da sua presença e da sua influência mais recente, principalmente nos meios virtuais, o revisionismo não é um fenômeno novo.  Segundo Enzo Traverso [2017], revisionismo é um termo polissêmico que, ao longo do século XX, assumiu significados diversos e até contraditórios. Originalmente, o termo surgiu no debate iniciado por Eduard Bernstein [1850-1932] na Social Democracia alemã e na Internacional Socialista, no final do século XIX e início do XX. A intenção era revisar certas noções marxianas no intuito de harmonizar a teoria da social democracia alemã com a sua prática partidária, abandonando a perspectiva revolucionária e se encaminhando para uma política reformista.

No segundo momento, após o nascimento da união Soviética e a ascensão do marxismo em ideologia de Estado, “com os seus dogmas e os seus guardiões da ortodoxia” [Traverso, 2017, p. 29], o termo revisionismo se tornou sinônimo de “traição”. Quem ousasse questionar a política autoritária do estado socialista poderia ser perseguido e expulso do partido. Temos aqui um exemplo negativo do uso ideológico do termo.

Em seguida, na produção historiográfica do pós-guerra, diversas iniciativas almejavam renovar e complexificar as interpretações de determinados acontecimentos como as origens da 1ª Guerra Mundial e as origens soviéticas da Guerra Fria, colocando em debate a visão dominante. Todavia, esse revisionismo historiográfico, em nenhum momento colocou em suspeição a legitimidade das interpretações vigentes.

Por fim, temos o uso do termo que se articula com o chamado negacionismo. Nesse caso, produz uma narrativa marcada por um giro ético-político apologético, isto é, seu revisionismo não se relaciona pelo uso de arquivos ou de documentos inexplorados ou da inserção de um novo paradigma interpretativo, é o “objetivo político subjacente à sua releitura do passado” [Traverso, 2017, p. 330], o ponto nevrálgico dessa discussão. Em vista disso, o autor argumenta que, apesar da fracassada tentativa de ser reconhecido pela historiografia, os negacionistas conseguiram “contaminar a linguagem e criar uma confusão considerável em torno do conceito de revisionismo” [Traverso, 2017, p. 28]. O evento fundador do chamado revisionismo é a revisão e subsequente negação da existência do Holocausto acompanhado da tentativa de normalizar e de reabilizar os regimes nazista e facista [Loureiro; Della Fonte, 2010].

A intenção dos agentes do revisionismo e subsequente do negacionismo é dobrar os fatos históricos aos projetos partidários de poder. Não é por acaso que boa parte dessas narrativas focalizam acontecimentos fundantes como A Revolução Francesa, A revolução Russa, o facismo, o nazismo, a guerra israel-árabe de 1948, etc. Um exemplo recente é a onda revisionista nos países latino-americanos como Argentina, Chile, Brasil e Uruguai que, entre diversos intentos, relativizam os crimes cometidos durante os regimes ditatoriais no final do século XX [Charleaux, 2018]. Geralmente, iniciativas revisionistas encontram abrigo e são propagadas por agentes de estado, como o primeiro ministro da Hungria que, entre os anos de 2013 e 2014, criou um monumento com a intenção de reabilitar a figura histórica do Almirante Horthy, transformando o seu governo em um dos marcos fundadores da luta dos húngaros pela soberania, mas relativiza a política de estado da época, que contribuiu na deportação de judeus na aliança com a Alemanha Nazista [Avelar, 2019]. Em termos gerais, essas iniciativas revisionistas, em sua maioria, almejam estabelecer uma continuidade entre presente e passado num constante esforço de legitimar políticas de caráter nacionalista.

No caso brasileiro, o próprio presidente eleito em 2018, Jair Bolsonaro [Psl] chegou a afirmar que golpe de 64 foi dado para preservar a democracia. Ao ser questionado sobre a versão histórica dos fatos, ele respondeu: “deixa os historiadores para lá” [Charleaux, 2018]. Em 2019, o mesmo chegou a determinar que houvesse comemorações devidas em quartéis e batalhões no dia 31 de março, em razão dos 55 anos do golpe. Em seguida, a assessoria do planalto falou que a ideia não era comemorar mais rememorar esse fato histórico [Mazui; Barbiéri, 2019]. No dia 31 de março de 2020, o vice-presidente do Brasil, general Antônio Hamilton Martins Mourão fez uma declaração apologética da ditadura.



Essa declaração, em um momento que o país atravessa uma crise econômica, política e sanitária, acompanhada dos diversos pedidos de afastamento do presidente eleito, mobiliza a opinião pública e nos alerta sobre o constante ataque e a iminente destruição de nossa jovem democracia [Levitsky; Ziblatt, 2018].

É bem verdade que, apesar da aparente semelhança dos termos, o sentido é distinto. Segundo Reginaldo Sousa [2018], rememorar requer uma “ação coletiva e política”, pois o seu objetivo “não é um retorno ao passado, mas romper as barreiras que a impedem de ser dizível, o que inviabilizaria uma reflexão crítica do presente” [Sousa, 2018, p. 44]. Um exemplo foi a criação da Comissão Nacional da Verdade, em maio de 2012, para investigar os crimes praticados pelos agentes da ditadura. A criação do Centro de Referências das Lutas Políticas do Brasil em 2009, a aprovação da Lei de Acesso à Informação [12.527] de 2011, mais as Caravanas da Anistia que circulavam pelo país desde 2008 possibilitaram um espaço seguro e público de escuta dos relatos dos perseguidos pelo regime autoritário, preenchendo lacunas da memória social [o relatório final pode ser acessado no site memórias relevadas]. Comemorar, por sua vez, significa lembrar os fatos de um passado glorioso [Sousa, 2018, p. 45].Todavia, no caso brasileiro, sob o efeito da Lei da Anistia, em nome da manutenção da ordem, “um silêncio gerenciado politicamente [...] delimitou o que deveria ou não ser lembrado” [Sousa, 2018, p. 45].
Entretanto, engana-se quem pensa que o negacionismo ataca apenas as Humanidades. Ele já se espraiou no campo das ciências biológicas, ao negar, por exemplo, a eficácia das vacinas no controle das endemias e nas Ciências da Terra, temos o negacionismo climático, que duvida dos efeitos do aquecimento global assim como os adeptos do terraplanismo que colocam em suspeição o próprio formato da Terra [SÁNCHEZ, 2019]. É equivocado pensarmos que somente pessoas com baixa escolarização acreditam nessas teorias.

No caso do negacionismo climático, temos implicações na elaboração e na implementação de acordos internacionais para combater a emissão de gás carbônico e para investimento tecnológico na criação de fontes alternativas de energia, por exemplo. Em 2018, o atual presidente dos EUA, Donald Trump ao declarar: “Não acredito”, desconsiderou mais de 1.500 páginas de um relatório que detalha devastadores efeitos da mudança climática na economia, na saúde e no meio ambiente [Monge, 2018]. Com esse ato, os Estados Unidos retiraram-se do Acordo de Paris além de defender o fim das restrições ambientais. Dessa forma, um debate sobre a necessidade de mudança do paradigma de produção do capitalismo foi reduzido a uma disputa política ideológica e partidária.

Essas afirmações negacionistas, que em um momento de predomínio da racionalidade científica poderiam soar como teorias da conspiração, infelizmente, têm produzido estragos que afetam a todos nós. No caso do movimento antivacina, não faltam exemplos de pessoas que faleceram ou perderam parentes por rejeitarem a imunização [Bbc, 2019].
A origem desse movimento data de 1998, quando o médico britânico Andrew Wakefield, publicou um estudo fraudulento na revista Lancet, sugerindo que a vacina tríplice viral [que combate caxumba, sarampo e rubéola] poderia causar autismo. Posteriormente, foi comprovado que ele manipulou os dados no intuito de lucrar com processos contra os fabricantes de vacina. Em 2010, teve o seu registro médico cassado. Todavia, o estrago foi feito e ainda hoje a sua pesquisa é utilizada para justificar a ideologia desse movimento [Bernardo, 2019].

O revisionismo e o negacionismo sobre o golpe de 1964

O debate sobre o golpe de 64 e o período da ditadura civil-militar [Silva, 2016], nos últimos anos, tem sido conflituoso. Desde a criação da Comissão Nacional da Verdade, a disputa em torno da memória social recente acendeu os ânimos e trouxe para o espaço público narrativas apologéticas ao regime autoritário que vigorou por 21 anos assim como o negacionismo das violências impetradas pelo Estado.

De acordo com a historiadora Marianna Joffily, “o deslizamento do debate acadêmico sobre a ditadura para o espaço público é um fenômeno relativamente novo” [2018, p. 206], no entanto, a autora aponta que, a existência de uma memória de repulsa à ditadura e ao autoritarismo associado a uma desigual distribuição de renda, ao crescimento da população carcerária e a recorrente violência do estado sobre os corpos de jovens negros e mestiços, nos ajudam a entender a pouca adesão popular a uma temática ainda restrita aos setores da classe média e intelectualizada.

Consequentemente, a pouca adesão popular na construção de uma sociedade receptiva aos direitos humanos após a ditadura nos ajuda a entender porque, nas manifestações públicas, ainda há quem clame por intervenção militar, a volta do AI-5, fechamento do congresso, etc. Mostrando o baixo índice de consciência histórica de nossa sociedade.

É preciso frisar que, ao longo dos anos 1990, quando se completou 30 anos do golpe de 64, a democracia foi tomada como um objetivo a ser alcançado pela direita e pela esquerda. Após a crise política e econômica que levou ao impeachment de Fernando Collor de Mello e a derrocada do socialismo real, uma nova linha interpretativa sobre o período ditatorial foi forjada. Segundo Joffily, é nessa década que a “teoria dos dois demônios” foi criada. Nessa chave de leitura:

“esquerda e bloco conservador são posicionados no mesmo patamar, como se as estratégias se equivalessem e como se os espações institucionais de decisão política e de poder fossem igualmente franqueados aos representantes dos setores populares e das elites” [Jofilly, 2018, p. 222].

É com base nessa tese, que já foi descontruída pela historiografia [Mello, 2014], que boa parte do revisionismo histórico sobre a ditadura se apoia. Tomando como premissa a ideia de que existia um golpe comunista em curso e que a resposta dos militares foi um contragolpe em favor da democracia.

Como exemplo dessa literatura revisionista e negacionista, temos o livro “Golpe de 1964: o que os livros de história não contaram” lançado em 2016, pelos historiadores Itamar Flávio da Silveira e Suelem Carvalho. Ambos são professores do Departamento de História da Universidade Estadual de Maringá [Uem].

Divido em 10 capítulos, os autores buscam contestar praticamente toda a produção bibliográfica produzida até então sobre a ditadura. No prefácio, Itamar Silveira afirma:
 “não pretendemos, com o presente, livro, produzir uma narrativa detalhada sobre o tema, mas demonstrar que a maioria das coisas que historiadores, sociólogos e jornalistas afirmam a respeito do regime de 1964 é falsa” [Silveira e Carvalho, 2016, p. 5. Grifo meu].

Em seguida, afirmam que o livro objetiva “fazer justiça àqueles que, cumprindo a ordem e atendendo as fortes pressões da população, expuseram suas vidas e suas biografias realizando um contragolpe e combatendo os militantes terroristas” [Silveira e Carvalho, 2016, p. 6]. Fazendo o que eles denominam de “um trabalho de desmistificação em torno de algumas questões ligadas ao golpe de 64 e à ditadura militar” [Silveira e Carvalho, 2016, p. 6-7].

Um dos pontos que considero de maior gravidade na obra é a apologia da narrativa produzida pelo Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra. Este que foi considerado pela justiça brasileira como o principal mentor e instrutor das torturas praticadas pelo estado à época. Inclusive, os autores recomendam as duas obras do coronel como leitura complementar.

Outro capítulo problemático é o intitulado “o marxismo cultural e o atual projeto de poder”, nele os autores ressoam teorias conspiratórias evocadas por agentes como Olavo de Carvalho, citado na epígrafe do capítulo. Para os autores, o mundo ocidental vive um ataque silencioso, orquestrado por comunistas modernos. Dessa forma, entendem que os movimentos sociais e suas pautas são, em verdade, estratégias de dominação cultural a partir da fragmentação social. Sendo assim, afirmam que movimentos como “feminismo, gayzismo, indigenismo, africanismo, orientalismo, ecologismo etc.,” [Silveira e Carvalho, 2016, p. 153] são utilizados para atacar o capitalismo.

De modo geral, o texto segue uma linha planfetista, as poucas referências à fontes históricas e bibliográficas aparecem apenas para legitimar o discurso revisionista e negacionista. Dessa forma, afirmar que os movimentos sociais são efeitos de um movimento comunista é atentar contra o princípio lógico de todo e qualquer trabalho historiográfico que requer articular fonte, questão, teoria e metodologia de análise. Fora desses marcadores, não há historiografia nem ensino de história com base em fatos.

Não podemos esquecer que o atual presidente eleito, quando ainda deputado federal, ao votar pelo afastamento da presidente Dilma, em 2016, homenageou 'militares de 64' e o ex-chefe do DOI-CODI [Destacamento de operações de informação – Centro de Operações de Defesa Interna], Ustra. Esses acontecimentos mostram o embate sobre a nossa história recente e o pouco apreço ao saber histórico.  

Não é novidade que a esquerda tem as suas contradições, o próprio James Green [2012] discorre sobre a homofobia institucional entre os militantes de esquerda, assim como Ana Maria Colling [2015] aborda o sexismo e a misoginia entre os autodenominados revolucionários. A meu ver, o equívoco ocorre ao se reduzir um complexo processo histórico a uma narrativa teologizada e pouco afeita as contradições sociais, curvando a história aos escusos projetos de poder.

Fato é que as questões históricas nos são possíveis a partir das condições de possibilidade do tempo presente do pesquisador. Não significa, contudo, que podemos alterar o encadeamento dos fatos sob a alcunha de disputas políticas do presente. Inevitavelmente, em 2016, o Brasil vivia uma instabilidade política e social iniciada, ou pelo menos potencializada, pelas Jornadas de junho de 2013 que culminaram no afastamento da presidente Dilma Rousseff e na ascensão de um deputado do terceiro escalão do congresso à presidência, que, desde então, lançou o país numa polarização política que ainda não encontrou seu fim.

Por isso, entendo que a extrema polarização do debate público tenha fomentado a escrita dessa obra revisionista e algumas outras, vide o denominado “Guia politicamente Incorreto da História do Brasil” [Venancio, 2009] que inunda as estantes das livrarias, causando distorções na compreensão da nossa história.

Contudo, como esse é um tema que ainda se encontra em curso e devido aos limites deste texto, não apresentei um escrutínio de todos os capítulos e supostos argumentos mobilizados na obra O golpe de 1964. Mas, a partir das citações acima, busquei destacar a linha geral que conduz a narrativa dos autores e o caráter revisionista e negacionista da ditadura. Fica evidente que, a intenção dos autores não é debater efetivamente os argumentos de uma vasta e complexa produção bibliográfica sobre o tema, o intuito é, a partir do uso das credenciais de autoridade científica, ambos são historiadores e professores universitários, negar a legitimidade das interpretações vigentes sobre a ditadura e seus desdobramentos na sociedade.

Considerações finais

Em primeiro lugar, tendo como premissa que o revisionismo e negacionismo históricos configuram uma corrente extremista marginal de opinião, conforme sugere Pierre Vidal-Naquet [1988] em Assassinos da memória, não devemos “debater” com seus agentes, mas, analisar suas premissas, compreender suas táticas e enfrentar suas afirmações. Pois, o negacionismo oferece ao público um “pseudopassado, ou seja, uma narrativa com afirmações falsas” [Moraes, 2011, p. 2] sobre um dado acontecimento e não mais uma suposta interpretação dos fatos.
Em seguida, é preciso enfatizar que uma das funções da história e do seu ensino é, segundo Peter Burke [2002], lembrar a sociedade daquilo que ela quer esquecer. Pesquisadores e professores de História são profissionais habilitados que organizam o conhecimento histórico e ajudam a sociedade a entender a si mesma, com suas contradições, virtudes e mazelas.

Reconhecer que toda narrativa e interpretação historiográfica têm as marcas do seu autor/a não pressupõe que valha qualquer coisa. Segundo Keith Jenkins [2001, p. 45] “pesquisadores [conscientes ou não] levam a si mesmos, seus valores, posições e perspectivas ideológicas” quando vão elaborar sua escrita. Todavia, a diferença entre um historiador ético e os revisionistas se dá no fato que, o primeiro, anuncia aos seus interlocutores quais as suas premissas, conceitos, categorias de análise, etc., o segundo renega os pressupostos da pesquisa empírica forjando uma narrativa comprometida com sua visão, política e partidária, de mundo.

Sendo assim, a ideia de um saber não atravessado por visões políticas e sociais é um arremedo retórico que projetos, como o Escola Sem Partido [Silva, 2019], têm vocalizado para confundir e amordaçar uma prática educacional efetivamente plural e sustentada por evidências e não mera opinião. Por fim, precisamos defender a História e a historiografia como parte constituinte da cidadania e do Estado democrático, indo além de uma dicotomia de “esquerda” ou “direita”. As nuances ideológicas existem em toda a sociedade assim como no âmbito dos historiadores e professores de História. Todavia, o que valida o conhecimento histórico é o rigor metodológico, a ética da pesquisa e ensino e o compromisso com a verdade histórica. Independente das preferências política e partidária de seus autores. O que foge disso é folhetim e não acrescenta ao debate público.

REFERÊNCIAS

Natanael de Freitas Silva é doutorando em História pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro [PPHR/UFRRJ/CAPES]. É Graduado e Mestre em História pela mesma instituição. Membro do LabQueer – Laboratório de estudos das relações de gênero, masculinidades e transgêneros/UFRRJ, desenvolve pesquisa sobre masculinidades e relações de gênero no Brasil dos anos 1960-70 com a tese intitulada: Masculinidades disparatadas: Secos & Molhados e Dzi Croquettes. E-mail:natanaelfreitass@gmail.com

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30 comentários:

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  2. Olá,
    Primeiramente, adorei o texto, foi muito esclarecedor e pontual. Tenho duas perguntas:
    1)por que você considera que essas narrativas conseguem convencer tantas pessoas, especialmente pessoas que tiveram acesso à educação?
    2)de que forma você considera que professores e professoras deveriam abordar o negacionismo em sala de aula? Eles devem o fazer, ou apenas tratar dos temas que normalmente evocam revisionismos e negacionismos como a historiografia aceita?
    Isabela Mendes Fechina

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    1. Olá, Isabela, agradeço pela leitura atenta e pelas questões apresentadas.
      1) Para mim, a adesão ao negacionismo é por dois motivos: a) um limitado letramento histórico, mesmo entre pessoas com anos de estudo formal, ou seja, no contexto brasileiro, temos pouco interesse ou apreço em entender a nossa complexa formação histórica e b) o uso público e político do passado não para combater, denunciar e mudar a ordem vigente, mas para justificar essa mesma ordem. Por exemplo, dizer que a corrupção é uma característica oriunda da nossa colonização é naturalizar uma prática que requer mudança de mentalidade, e muita das vezes esse argumento é utilizado como autoexplicativo do "jeitinho brasileiro", o que é um completo equívoco.

      2) Penso que abordar os temas privilegiados pelos negacionistas requer trabalhar o máximo possível com fontes históricas como uma estratégia pedagógica potente na compreensão do modo como os acontecimentos são interpretados historicamente. Logo, o negacionismo precisa ser abordado como uma negação/ adulteração da verdade histórica, e isso pode ser trabalhado ao longo de toda a disciplina e não só nos temas considerados sensíveis.

      Att.,
      Natanael de Freitas Silva

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  4. Olá, boa noite

    Primeiramente eu gostaria de dizer que gostei muito do texto, foi uma leitura que expôs de forma bem clara um debate que adquire uma importância maior a cada dia devido ao crédito dado a revisionismos equivocados acerca de temas importantes de serem debatidos ao longo dos últimos anos, infelizmente ocasionando no descrédito do método empregado por historiadores profissionais no ponto de vista de um senso comum baseado nesses mesmos revisionismos e achismos fomentados por opiniões políticas divergentes.

    Os Docentes Suelem carvalho e Itamar Flávio da Silveira (Presentes no texto), alem de outros historiadores que apoiam uma perspectiva negacionista de episódios históricos apontam a presença dessa visão negacionista dentro da academia. O que poderia explicar a persistência dessa visão negacionista e revisionista (que ao que tudo indica ignora o que as fontes históricas e as bibliografias evidenciam) dentro de um meio que é pautado pela comprovação por meio do uso das fontes (com o auxílio de uma vasta bibliografia para ajudar a balizar o tema) para formar uma base sólida para as argumentações propostas?

    Renan Lopes Belo

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  5. Olá, Renan, agradeço pela leitura atenta e pela questão.

    No campo historiográfico comprometido com a verdade histórica que não abre mão do uso não anacrônico de documentação, a articulação com a bibliografia especializada e a composição de uma rede de conceitos e questões, o negacionismo não é uma possibilidade legítima de escrita da história.

    Agora, quem assim o faz, como o exemplo dos autores citados no texto, recorrentemente se serve de uma posição partidarista da história. No caso do livro abordado, os autores deixam claro que o objetivo da obra é reabilitar as ações dos militares envolvidos com o regime de 64.
    Eles se servem de um expediente polarizado desde as manifestações de 2013, para buscar no passado recente os elementos que, na concepção revisionista e negacionista, justificaria as ações antidemocráticas.
    Não é a toa que o fantasma do comunismo é reabilitado nas ações autoritárias que vemos hoje pelo país, mesmo em um contexto de pandemia.

    Por fim, outro fator agenciado pelos negacionista é a produção de uma narrativa oficial do passado por parte dos agentes do poder estatal, ou seja, sem liberdade de crítica e de reconhecimento pelos pares (por isso as bancas de avaliação são necessárias), logo, se por um lado eles criticam e atacam as humanidades acusando-nos de "doutrinadores", por outro, eles almejam o status historiográfico para legitimar a barbárie.

    Só podemos conter esse avanço preservando a liberdade de ensino nas universidades e repelindo toda tentativa de instrumentalizar a narrativa histórica transformando-a num panfleto e servindo a interesses particulares de poder.

    Natanael de Freitas Silva



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    1. Obrigado pela resposta Natanael, mais uma vez, parabéns pelo ótimo artigo produzido :)

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  6. Bom dia a tod@s

    Caro Natanael,
    junto-me aos colegas nos parabéns pelo texto. De forma clara, sucinta e didática você desenvolve um panorama que reconstrói o percurso recente desses dois males contemporâneos, o revisionismo e o negacionismo, que vêm atacando frontalmente a produção historiográfica, sobretudo no nosso contexto, a despeito de todo o acúmulo de trabalhos científicos sérios e largamente documentados.

    Minha pergunta - um tanto naïf, e talvez teleológica - vai no sentido, não de querer forçar ampliar o raio de escopo da sua análise, mas de tentar entender esse fenômeno, que ressurge hoje, numa visada socio-histórica mais ampla e atenta às nossas especificidades. Pergunto: o “ressurgimento” dessa espécie de rasura retórica, revisionismo e negacionismo, no nosso caso, poderia ser interpretado, também, como a atualização/permanência de uma longa prática de legitimação do arbítrio, da manutenção de privilégios de determinados grupos sociais e, consequentemente, da contínua afirmação de que, na nossa sociedade, a despeito da “invenção” da República, há tipos e tipos de cidadãos - e penso aqui desde o aparato legal e os panfletos paroquiais do séc. XVII, que, por meio da criação de peças retóricas, legitimavam um receituário de violências, até às manobras atuais do chefe do Executivo, com suas MPs, no sentido de esvaziar um histórico de conquistas de direitos e, assim, criar um terreno fértil para o vale-tudo retórico em que estamos hoje?

    Mais uma vez: parabéns pela pesquisa!

    Abraços

    Carlos Eduardo Bione

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  7. Olá, Carlos Bione, agradeço pela leitura e pela pertinente questão.

    Como você mesmo aponta, sim, há uma dimensão retórica que não podemos desconsiderar. Inclusive, na negação da diversidade que configura historicamente a nossa sociedade como a presença negra e indígena que, nos últimos anos, por força de Lei (11.645/08), fomentou-se a obrigatoriedade do ensino da história e da cultura afro-brasileira nas escolas, mas, ainda hoje não temos isso como uma prerrogativa de todos os agentes de educação. Mesmo nos cursos de graduação, ainda são poucos os docentes que trabalham essa temática, imagine as demandas no ensino fundamental e médio?!

    Essa dimensão retórica nos ajuda a entender a nomeação do Sérgio Nascimento de Camargo como presidente da Fundação Palmares, num ataque direto a anos de construção de uma historiografia mais inclusiva e plural, numa espécie de contranarrativa à história oficial. Coloca-se em posições de poder, sujeitos que desmontam essa memória e cultura por dentro, num processo político autofágico.

    Ou, ainda, a fala do atual chefe do executivo que já declarou "que Cada vez mais, o índio é um ser humano igual a nós', numa tentativa de apagar a presença e contribuição dos povos originários ao que nos conhecemos como identidade nacional e brasilidade.

    Enfim, há uma dimensão retórica que precisamos enfrentar.

    Agradeço mais uma vez pela questão.

    Abraços,
    Natanael de Freitas Silva

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  8. Prezado Prof. Natanael, parabéns pelo excelente, necessário e corajoso texto! Assim como é comum entre os intelectuais que se dedicam a este assunto e é compreensível, o seu texto utiliza processos históricos que apresentaram situações limites nas quais a violência extrema era comum.
    Pergunto-me se a comum aceitação de argumentos pífios com relação a estes acontecimentos não ocorreria em parte considerável porque o “terreno” já estaria preparado pela maneira como geralmente ocorre o ensino de História em âmbito escolar.
    Por exemplo, o ensino do processo histórico de desarticulação do Império Romano Ocidental nos séculos IV e V a partir de um conjunto conjugado de explicações que explicitem a ineficiência de uma narrativa simplória, causal e única sobre este processo histórico não contribuiria para o desenvolvimento de habilidades e competências necessárias para um entendimento mais adequado do real? E sendo assim, não contribuiria para o enfrentamento dessas narrativas negacionistas?
    Wendell dos Reis Veloso.

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    1. Prezado Prof. Wendell, agradeço pela profícua questão.
      Infelizmente, temos uma baixa compreensão e consciência histórica em nossa sociedade, em parte, pelo baixo letramento formal e uma concepção linear dos processos históricos. Concordo que toda explicação de processos históricos, como a desarticulação do Império Romano, precisa complexificar os motivos que levaram ao fim de determinada forma de governo, arranjo social, etc., Pois, independente do evento analisado, as motivações são diversas, penso que o desconforto que muitos dos nossos alunos apresentam em sala de aula seja efeito de uma visão de mundo que busca ler a realidade a partir de visões binárias como bem x mal, vilão x algoz, etc., sem considerar que no meio dessas díades há uma zona cinzenta, uma complexa rede de interesses de difícil apreensão.
      Um outro ponto que ainda afeta o ensino das humanidades é tentar moldar as habilidade e competências necessárias ao saber histórico ao modelo objetivado das ciências ditas exatas. Pedagogicamente, tenho a impressão que muitos projetos políticos pedagógicos são reféns de uma prática normativa de disciplinar de produção do saber que oblitera as múltiplas formas de inteligência.

      De certa forma, somos muito matemáticos e pouco linguísticos nesse aspecto.

      Att.,
      Natanael de Freitas Silva

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  9. Negacionsimo e revisionismo ideológico são questões a serem combatidas, sobretudo quando pensamos no cenário da escola básica. É preciso repensar as estratégias de ensino, nossa estética e nossa retórica, pois os negacionistas tem muitas vezes tem se beneficiado nesses quesitos. Tendo em vista que hoje se valoriza muito o "conhecimento" rápido e sem muitas complexidades, muitos preferem o vídeo de 5 minutos do you tube, do que a narrativa presente no livro de história. Desconstruir esses discursos que tem se enraizado na sociedade não é tarefa fácil e penso que a escola básica ainda é espaço privilegiado no qual temos o papel de construir conscientização histórica, como professores e como militantes engajados.
    Jannaiara Barros Cavalcante

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    1. Prezada Jannaiara, agradeço pela leitura e considerações ao meu texto.
      Sim, a dimensão retórica é algo que precisamos enfatizar. Os negacionistas geralmente apelam para esse elemento como uma forma de camuflar sua pouca ou nenhuma análise empírica dos dados.
      Eles não discutem com a bibliografia, eles a atacam.

      Att.,
      Natanael de Freitas Silva

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  10. Prezado Prof. Natanael gostaria de parabeniza-lo pelo texto, traz assuntos e questões que devem ser debatidas e jamais negacionistas, como mesmo citou "segundo Peter Burke [2002], lembrar a sociedade daquilo que ela quer esquecer". Ai eu me pergunto como professores trabalham essa questão em sala de aula? como tratar o negaciosismo com a atual situação em que o pais se encontra?

    Maria Evilene de Aquino...

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  11. Olá, Maria,
    então, apesar desse momento tão caótico, me lembro das palavras de Walter benjamin em que todo documento de cultura também é um documento de barbárie, na medida que o que é dito e como é dito, exclui outros sujeitos, narrativas e outras formas de existência. Penso que na atual conjuntura, apesar dos ataques, a história está na ordem do dia, e nem sempre parte de nós professores, alunos já se posicionam querendo entender esse ataque a ciência. Nos cabe aproveitar essas brechas, e como canta Gal Costa, é preciso esta atento e forte.

    Att.,
    Natanael de Freitas Silva

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  12. Caro Natanael, boa tarde!

    Temática excelente e discussão fundamental. Parabéns!

    Lendo seu texto e as respostas às questões anteriores, porém, duas questões me vieram à mente. Não sei se constituem exatamente discordâncias, mas gostaria de fazer as provocações:

    1) Em que medida podemos traçar limites, se é que deveríamos traçá-los, entre conhecimento histórico "verdadeiro" e "falso"? Sabemos, desde De Certeau, que o saber disciplinar na história constitui um lugar delimitado por suas regras, conflitos etc. No caso que você mencionou, dos professores universitários (aliás, acho que merece uma análise aprofundada no futuro), temos sujeitos inseridos nas tramas desse lugar social, porém apontando interpretações bastante complicadas, para dizer o MÍNIMO. Mas como traçar essa linha? Boa parte do negacionismo tem origem acadêmica. Boa parte da teoria dos dois demônios foi chancelada pela historiografia universitária. Afirmar que o diferencial do negacionismo pro conhecimento científico é o trabalho crítico de fontes significa dizer o que, exatamente, se há argumentos que nascem de trabalhos acadêmicos? Me parece, e aqui é a provocação, que ess questão tem mais a ver com dimensões ética e política do que com a metodológica.

    2) Aí entra minha segunda questão: será o caminho da literacia histórica o melhor para superação dos negacionismos? Confesso ser muito pessimista com essa proposta, por duas razões principais: a primeira é que me parece impossível que formemos uma sociedade de mini-historiadores (no sentido de uma sociedade que lide com fontes históricas suficientemente bem para ter boa noção de como se constrói uma interpretação histórica válida). Não apenas porque isso exigiria muito mais tempo de aula, como também porque nenhum professor conhece suficiente fonte para trabalhar todos os temas, então sempre haverá muito mais temas "de orelhada" (isto é, cujo aprendizado se dará não pela análise documental) que o contrário. O segundo motivo é que, novamente, historiadores negacionistas passaram por todo esse processo de literacia histórica não apenas na graduação, mas no mestrado e no doutorado. Contudo, alimentam negacionismos. Novamente: não seria a questão ético-política o fundamento? E aí, como construir uma consciência histórica que abrace essa dimensão?

    Desculpe o texto imenso. Mas sua análise me despertou essa reflexão. Parabéns novamente pelo trabalho!

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  13. Olá, João Carlos, agradeço pelas provocações.

    1) Sabemos que a noção de conhecimento histórico "verdadeiro" e "falso" já não se sustenta. Desde o chamado giro linguístico e da noção de regime de verdade de Michel Foucault, a verdade histórica é contingente e condicionada aos modos de sua produção (lugar social do historiador, seus compromissos e engajamentos que podem ser sociais, profissionais, etc). Penso que além da crítica documental, nos falta discutir a dimensão ética do nosso ofício. Não enveredei por essa caminho devido aos limites do texto. Mas concordo que cabe uma reflexão mais densa sobre a postura ética e política em nosso ofício.

    2) Infelizmente não temos um modo de prever que entre nossas fileiras sairão revisionistas e negacionistas. Novamente, penso que além de uma ênfase na produção de uma consciência histórica, sem necessariamente transformamos todos em mini-historiadores, isso pode ser ampliado com uma abordagem transversal com outros saberes também atacados como o ensino de sociologia e filosofia. Uma educação humanista pode ser caminho potente no combate aos negacionismos.

    Att.,
    Natanael de Freitas Silva

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  14. Boa tarde!
    Primeiramente parabéns pelo instigante texto abordando um problema historiográfico que atualmente tem ganhado força em nosso país.

    Como discutir esta temática em sala de aula de forma a proporcionar aos estudantes a possibilidade de diferenciar o papel da subjetividade na produção historiográfica da mera instrumentalização do saber histórico para fins ideológicos e políticos?

    João Felix da Silveira Neto

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    1. Olá, João,
      Então, penso que seja necessário discutirmos o que entendemos como objetividade e subjetividade com nossos alunos, pois, a própria noção de objetividade científica tem sua historicidade (e falo isso a partir de um instigante livro sobre o tema chamado "Historicidade e objetividade" de Lorraine Daston).

      Penso que seja necessário trabalharmos com nossos alunos em qualquer texto e sempre que possível, quem escreveu? Como? Quando? Quais as motivações e intenções? Como uma maneira de desconfiar dos discursos que se vendem como objetivos, imparciais e estritamente técnicos.

      Reconhecer o papel da subjetividade não significa dizer que nossos textos e análises não tenham uma verdade objetivada, um fio condutor e uma narrativa inteligível do ponto de vista do uso dos termos e conceitos que significam nossa compreensão da realidade.
      A potência desse debate se manifesta quando mostramos que toda verdade é parcial, local e localizável (Donna Haraway, Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial).

      Dessa maneira, penso que ao invés de uma instrumentalização do saber histórico, podemos mostrar as condições de possibilidades (históricas, políticas, sociais, etc) desse mesmo saber.

      Att.,
      Natanael de Freitas Silva

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  15. Boa tarde. Parabéns pelo texto. Gostaria de citar um trecho do mesmo "pouca adesão popular na construção de uma sociedade receptiva aos direitos humanos após a ditadura nos ajuda a entender porque, nas manifestações públicas, ainda há quem clame por intervenção militar, a volta do AI-5, fechamento do congresso...".
    Após a leitura do livro "O ódio como política. A reinvenção das direitas no Brasil", organizado por Esther Solano, alguns textos tratam do cenário político que o país tinha antes e durante o Golpe de 64.
    Com a redemocratização do Estado, me parece que o tema fica sob uma cortina "vergonhosa" para a História do país e, com isso, ou talvez por isso, o revisionismo, relacionado ao tema, sempre retorna.
    Você acha que, em sala de aula do ensino base, a discussão pode ser tratada de maneira que as gerações atuais não sejam influenciadas por pais ou avós, membros das gerações posteriores à redemocratização que vivenciaram aqueles anos e trazem, em suas memórias, pontos divergentes que a História apresenta?
    Obrigado.
    FABIANO PIO
    GRADUANDO HISTÓRIA UERJ, 4º PERÍODO

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  16. Olá, Fabiano,
    coincidentemente tenho lido esse livro esses dias para pensar a dimensão das emoções no jogo político contemporâneo.
    Penso que, neste caso em que temos uma memória particular sobre a ditadura, é necessária uma confrontação com as narrativas reminiscentes dessa época com a bibliografia e com a documentação como um modo de complexificar esse tema. Isso não significa desqualificar a priori esses argumentos, a ideia é questionar os motivos dessa compreensão, oferecendo elementos para que o sujeito possa romper com essa visão romântica da ditadura.

    Tem um elemento subjacente a esse fato, o primeiro é a nossa prática política alicerçada na violência de estado, vide as mortes praticadas pela polícia nas comunidades e periferias do Rio de Janeiro, a negação da desigualdade social justifica esse apelo por lei e ordem que, infelizmente, se volta contra os mais pobres, não combatendo a causa mais os efeitos dela.
    A população carcerária, no Brasil, triplicou nos últimos anos. E muitos casos são classificados como "crimes leves" (sem violência ou grave ameaça como pequenos furtos) com pena de 2 a 4 anos e podendo ter punições alternativas (algo pouco discutido entre nós). Dessa forma, a violência é uma linguagem que as periferias vivenciam de modo contínuo e, talvez por isso, a violência de estado praticada pela ditadura, seja muito mais uma questão da classe média e dos intelectuais que foram alvos da repressão, do que de uma parcela da população que sabe o que é ser alvo direito das forças militares estatais.

    ver: PIRES, Thula Rafaela de Oliveira. Estruturas Intocadas: Racismo e Ditadura no Rio de Janeiro. Rev. Direito Práx., Rio de Janeiro , v. 9, n. 2, p. 1054-1079, June 2018 .

    O segundo ponto é esse desejo de construir uma ordem democrática após a reabertura, efetivamente, jogou para debaixo do debate um debate sobre os traumas e as violências praticadas pelo regime. A nossa comissão da verdade só aconteceu quase 20 anos depois do fim da ditadura, ou seja, uma geração cresceu sem ouvir ou saber desse período traumático da nossa história recente. E fi esse calcanhar de aquiles da redemocratização que, em parte, nos levou a esse cenário recente de apologia da ditadura por parte da classe média brasileira entorpecida pelo consumo mas pouco afeita as discussões sobre uma sociedade mais igualitária.

    Enfim, espero ter respondido suas questões.

    Att.,
    Natanael de Freitas Silva

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  17. Prezado prof. Natanael, o seu texto é de uma urgente e importante percepção sobre um fenômeno vivenciado atualmente: o negacionismo histórico.
    Como você bem abordou no início do texto, o revisionismo é um termo polissêmico, sendo assim percebe-se que muitas vezes ele é utilizado como justificativa para distorcer fatos concesos na historiografia. A exemplo, podemos citar aqui o debate sobre o "lado partidário" do Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães, liderado por Adolf Hitler. Por décadas fora aceito, de forma racional, que se tratava de um Governo da extrema direita, entretanto com a vigência de partidos nacionalistas e discursos que buscam deturpar fatos a favor de um ideal, originou-se a ideia de que o partido se tratava na realidade de um Governo de esquerda - por apresentar o "socialista" em sua legenda. Nessa perspectiva, apesar de alguns órgãos reconhecidos como o Museu do Holocausto de Israel, afirmar que o partido era sim, um Governo de direita, a abordagem negacionista ainda urge e ameaça uma abordagem coerente dos fatos históricos.
    Dessa forma, como instigar o senso crítico dos alunos em sala de aula, sem ferir o ponto de vista deles - muitas vezes considerado negacionista - e nem ser taxado como imparcial?

    Cinthia Mirelly Gomes Barbosa

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  18. Olá, Cinthia,
    penso que o desafio na abordagem dessa temática é, ao invés de partimos do debate sobre o negacionismo, é construirmos em conjunto uma reflexão que possibilite o sujeito desconfiar e reconhecer que determinadas leituras da realidade são equivocadas em sua premissa.
    O desafio é falar do assunto sem, a princípio, nomeá-lo como tal, isso pode desarmar discursos prontos assim como àqueles que se dizem contra a suposta ideologia de gênero, podemos falar de homens e mulheres no tempo sem usar o termo gênero, o desafio é falar de assuntos sensíveis sem cairmos em polarizações partidárias.

    No caso do nazismo, infelizmente essa confusão acontece por uma má compreensão dos debates vigentes À época, a descrença no ideal liberal fomentou respostas coletivistas como nazismo, fascismo, stalinismo, o que requer de nós muita paciência para explicar tais diferenças.

    Por fim, lembro do partido do presidente eleito, PSL, partido social liberal, pode ser que daqui a uns anos ele seja chamado de socialista também ,rs. Triste.

    Att.,
    Natanael de Freitas Silva

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  19. Olá Natanael,
    Obrigada por compartilhar seu texto. Ele apresenta reflexões urgentes e mais do que necessárias, considerando que as ações dos "revisionistas" e "negacionistas", que crescem exponencialmente no Brasil e em vários países do Ocidente, colocam em risco a vida de milhões de pessoas.
    Seu texto articula as teorias revisionistas, e que são também negacionistas, pois partem do pressuposto de fatos históricos incontestáveis.
    Existe uma verdade na existência do fato, e a partir daí as narrativas o constroem, desconstroem, ressignificam, etc. E, conforme se alongam os processos, inclusive é possível a promoção do seu desaparecimento. Nesse espectro, o terreno é muito fértil para o "negacionismo", sempre um instrumento poderoso para os mais variados grupos sociais, intelectuais, políticos e financeiros.
    Compreendo que no caso específico do Golpe de 64 e ditadura instaurada, temos, para além dos negacionistas, a validação, por esses grupos, da ditadura e a perda dos direitos sociais e humanos. A trajetória da narrativa do bolsonarismo nos faz acreditar que não há uma "negação", mas uma validação do regime político ditatorial e, por exemplo, o uso sistemático da tortura.
    E, nessa direção, parabenizo-o por apresentar essa articulação, orgânica, com uma "prática política alicerçada na violência de Estado".
    A ditadura civil-militar no Brasil, foi um instrumento político de permanência desse estado, e que assistimos agora, infelizmente, é o rearranjo dessa política de Estado, nesse genocídio deliberado de escolha quem vive ou morre - seja pela pandemia, seja crivado/a de balas, como nossos jovens negros e da periferia do RJ e SP.
    Finalizando, sei que há professoras/es de História, de universidades públicas, que são revisionistas. De fato, nos envergonham.
    Agradecida pela sua atenção.
    Profª Ana Maria B. M. Chaves
    Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG)

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    1. Ana Maria Brochado de Mendonça Chaves21 de maio de 2020 às 19:54

      Ah, Natanael.
      Completando o comentário acima, a minha pergunta:
      Como desconstruir as vozes negacionistas e revisionistas que são trazidas, em sala de aula, pelas nossas alunas e alunos?
      Em tempos de pandemia, ensino remoto, ou mesmo a ausência desse campo vivo de saberes e resistências que é a escola, quais ações poderíamos desenvolver para combater ao que, apropriadamente é abordado no seu texto, como uma "adulteração" da História?
      Não consigo vislumbrar nesse curto prazo. Vamos dialogar. Os tempos são dificílimos.
      Muito agradecida pela sua atenção.
      Profª Ana Maria Brochado de Mendonça Chaves
      Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG)

      Excluir
    2. Olá, Prof. Ana Maria, fico feliz pelas considerações e questionamentos.

      Realmente não é uma tarefa fácil e não tenho uma resposta pronta para resolver esse desafio. Mas, penso que confrontar essas narrativas com outras vozes e interpretações sobre o nosso passado recente pode ajudar a minar essas visões meramente opinativas e negacionistas. É um trabalho árduo, mas, como diz a canção, é preciso está atento e forte.

      Abraços,
      Natanael de Freitas Silva

      Excluir
  20. Olá Natanael Freitas, ultimamente o negacionismo ganha mais adeptos pelo Brasil e pelo mundo, como por exemplo os terraplanistas, os que não acreditam nas mudanças climáticas, movimento antivacina, os que vão na contramão dos fatos históricos e entre outros. Todos esses movimentos tem uma características única, sustentam-se na teoria do achismo, no quesito ditadura ja ouvi dizer "meu avô nunca foi torturado", no que refere-se a terra plana "se a terra é redonda porque chamam de planeta e não de rodeta". Tudo isso ganha força nas redes sociais, na qual se tornou um dos maiores meios de propagação de fake news, as pessoas compartilham sem saber a veracidade do assuntos e acaba chegando na sala de aula. Como trabalhar esses "movimentos negacionistas" em sala de aula?

    Parabéns pelo texto!

    Participante: Jefferson Giovani Silva Espinoza

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  21. Olá, Jefferson,
    bom, no caso das alucinações terraplanistas, penso ser mais simples mostrar como isso não se sustenta vide a circunferência do sol, o movimento da lua e sua influência nos mares, acho que nesse caso os colegas geógrafos, físicos, químicos, conseguem de um modo objetivado e mais apreensível do ponto de vista da experiência empírica, desmontar essa argumentação.

    No caso dos historiadores, temos que acumular um repertório linguístico e discursivo que não é simples, são outras competências que o alunado precisa desenvolver. Mas, penso que o confronto de narrativas possa ajudar a enfraquecer essas visões partidarizadas sobre a ciência histórica, as ciências da terra e biológicas.

    Espero ter respondido sua indagação.
    Att.,
    Natanael de Freitas Silva

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