AS AMEAÇAS DE UM
ENSINO DE HISTÓRIA EMANCIPATÓRIO FRENTE AO ESCOLA SEM PARTIDO
Surgido
em 2004, o Movimento Escola Sem Partido [MESP] não recebeu, de início,
importância à altura de sua ameaça. A partir do momento em que projetos de lei
inspirados no movimento começam a alcançar mais ampla difusão pelo território
nacional, contudo, passaram a acumular-se estudos sobre o fenômeno, indo dos
mais ensaísticos aos de mais sólida base empírica, discutindo desde as
concepções educacionais presentes, de modo mais ou menos explícito, nas
atuações do MESP, até suas redes de apoio, seus projetos de lei e sua
contextualização em movimentos semelhantes ao longo do tempo.
Um
aspecto proporcionalmente menos tratado, porém, diz respeito a autores e/ou
livros que dão sustentação conceitual ao MESP. Dentre as exceções encontram-se
os trabalhos de Diogo Salles e Fernando Penna, que analisaram brevemente
autores como Olavo de Carvalho [Penna e Salles 2017] e obras como “Professor
não é educador” [Penna, 2016a], que balizam muitos dos sentidos educacionais do
MESP. Salles [2019] ainda se dedicou mais profundamente ao trabalho de Nelson
Lehmann da Silva. Em comum, todos esses autores analisados produziram suas
concepções antes do início do MESP, servindo de norte para o movimento tanto no
que diz respeito aos métodos quanto às concepções de “atuação docente” e
“doutrinação”, centrais para seu projeto educacional.
Este
texto pretende tecer algumas considerações sobre uma obra ainda pouco analisada
nos trabalhos sobre concepções que sustentam a lógica do MESP. Refiro-me ao
livro Maquiavel Pedagogo, de Pascal
Bernardin. O referido livro está presente de forma difusa nos mais diversos
espaços que compõem o MESP, seja por indicações diretas, seja por referências
indiretas aos termos e perspectivas que dão dimensão global àquilo que é
proposto pelo MESP. Dessa maneira, aprofundar a discussão a partir do livro
pode nos auxiliar a compreender não apenas as lógicas que sustentam o MESP de
maneira mais ampla, mas também, principalmente, os motivos pelos quais o ensino
de humanidades, de modo mais geral, e particularmente o ensino de história,
constituem alvos preferenciais do MESP.
Dado o
limite do espaço, focarei aqui em apenas um aspecto da obra de Bernardin que
tem importância crucial para o MESP: o desenho de uma ameaça à família presente
em projetos de educação tidos como progressistas. A partir daí, pretendo
refletir sobre a importância do ensino de história para superação das limitações
desejadas por essa concepção reacionária-conservadora de educação.
A questão
das ameaças à influência familiar na formação dos filhos e filhas é ponto
central de preocupações do MESP, presente na proposta oferecida a partir do
site do movimento e que serviu de base para a maior parte dos projetos de lei
que seguem sua inspiração. Dentre os seis pontos da proposta, o quinto é o que
mais evidencia essa preocupação: “O professor respeitará os direitos dos pais
dos alunos a que seus filhos recebam a educação religiosa e moral que esteja de
acordo com suas próprias convicções.”
Esse
ponto da proposta do MESP segue uma linha muito presente nas produções do
movimento, inclusive naquelas de seu criador, Miguel Nagib, que se refere
fundamentalmente à crítica da educação como prática que lida com valores,
restringindo-a somente à mera transmissão de conteúdos tidos como desvinculados
de qualquer contexto ou interesse político. Nesse sentido, a perspectiva do
MESP anula completamente a educação em favor de uma lógica de aprendizagem
restrita à instrução, no sentido mais próximo possível daquilo que Freire
nomeou “educação bancária” [Penna, 2016a].
Podemos
perceber essa linha em artigo de Nagib discutindo a questão da educação sexual
nas escolas. Em certo ponto do texto, na argumentação de que essa discussão não
deveria ter lugar no espaço escolar, Nagib afirma:
“Como ninguém ignora, as salas de aula estão sendo
usadas de modo intensivo para promover determinados valores, com a finalidade
de moldar o juízo moral, os sentimentos e as atitudes dos estudantes em relação
a certos temas. Que temas são esses? Depende da moda, das novelas, da ONU, da
UNESCO e das minorias que controlam o MEC e as secretarias de educação. Pode
ser orientação sexual, questões de gênero, “direitos reprodutivos” (p. ex.,
aborto), modelos familiares, ética, etc. Os educadores chamam isso de “educação
de valores”.” [Nagib, 2013]
No tipo
de “educação de valores” definido por Nagib, a função da escola “não é transmitir conhecimento, mas, sim, inculcar valores e
sentimentos na consciência do estudante de modo que ele tenha determinado
comportamento.” De maneira ainda pior, para o criador do ESP “os valores
promovidos pela escola não coincidem necessariamente com aqueles que o
estudante aprende em casa com seus pais.” [Nagib, 2013]
Percebe-se
o profundo pânico de a escola ousar contrariar aquilo que os alunos e as alunas
trazem de casa. Esse pânico, que compõe a base de sustentação da força
do MESP frente à produção de leis e espalhamento do “ódio aos professores”
[Penna, 2016b], fica mais
patente no discurso de uma das grandes influências do MESP, Olavo de Carvalho,
que, em artigo sobre educação no Brasil, afirmou:
“Só para vocês fazerem uma ideia de até onde a
coisa chega, os programas educacionais de quase todas as nações do mundo, em
vigor desde há pelo menos vinte anos, são determinados por normas homogêneas
diretamente impostas pela ONU e calculadas não para desenvolver a inteligência
ou a consciência moral das crianças, mas para fazer delas criaturas dóceis,
facilmente amoldáveis, sem caráter, prontas a aderir entusiasticamente, sem
discussão, a qualquer nova palavra-de-ordem que a elite global julgue útil aos
seus objetivos. [...] Todas as disciplinas, incluindo matemática e ciências,
foram remoldadas para servir a propósitos de manipulação psicológica. O próprio
Pascal Bernardin descreveu meticulosamente o fenômeno em Machiavel
Pédagogue [1995]. Leia e descobrirá
por que seu filho não consegue resolver uma equação de segundo grau ou
completar uma frase sem três solecismos, mas volta da escola falando grosso
como um comissário do povo, cobrando dos pais uma conduta “politicamente
correta”.” [Carvalho, 2009] (grifos meus)
A fala de Carvalho destaca, ainda, o nome de
Bernardin. Para entender como esse pânico em relação à ameaça contra a família
se coaduna com o livro, precisamos compreender o argumento central de
“Maquiavel Pedagogo”.
O livro aborda aquilo que é chamado pelo autor de
“revolução pedagógica”. Basicamente, trata-se de um movimento global que, desde
ao menos os anos 1950, teria iniciado um processo de “asfixia ou subordinação
do ensino livre” com “pretensão a anular a influência da família”. Para tal,
“os ensinos formal e intelectual são negligenciados em proveito de um ensino
não cognitivo e multidimensional, privilegiando o social”. Isso justificaria,
na visão do autor, o contínuo decaimento do nível escolar, “o que aliás não
surpreende, já que o papel da escola foi redefinido e que sua missão principal
não consiste mais na formação intelectual, e sim na formação social das
crianças”. A escola, assim, já não buscaria “fornecer a elas ferramentas para a
autonomia intelectual, mas antes se lhes deseja impor, subrepticiamente,
valores, atitudes e comportamentos por meio de técnicas de manipulação
psicológica.” A isso Bernardin chama “ditadura psicopedagógica.” [2013, p.
10-12].
Percebe-se, no tom conspiracionista, a descrição de
um movimento [que me abstenho de classificar como imaginário] que toma
progressivamente a escola com vistas a atacar os valores familiares. Esse
movimento é absorvido pela lógica do MESP, o que justifica sua postura perante
qualquer prática educacional que sintam estar colocando os valores familiares
em xeque, como vimos nas citações anteriores.
Para
Bernardin, o movimento de revolução pedagógica não apenas ameaçaria os valores
familiares e a liberdade individual, mas também produziria uma profunda
destruição da educação de qualidade, já que redefiniria a principal missão da
escola, de formação intelectual. Vimos como Olavo de Carvalho e Miguel Nagib
retomam essa conexão. Para Bernardin, essa redefinição da missão escolar ainda
estaria atrelada a uma nova faceta do comunismo, nascida “nos meios
revolucionários norte-americanos, retomados e desenvolvidos ulteriormente pela
URSS e pela Unesco”. E como que antecipando uma contestação possível, munida de
evidências, de que órgãos como a Unesco ou a OCDE pouco têm de comunistas, o
autor já se adiantaria [2013, p. 13]: “nos encontramos face a uma temível
manobra criptocomunista, [que] não exclui, em absoluto, a hipótese globalista
da convergência entre capitalismo e comunismo. [...] na verdade supõe a
presença de um forte elemento criptocomunista na sociedade posterior à
desaparição da cortina de ferro.”
Em outras
palavras, a presença comunista em organismos em tese do mundo capitalista se
explicaria pelo globalismo. E não adiantaria afirmar que isso pouco diz. Em
todo o livro, isso o mais próximo a que se chega de uma definição. O globalismo
é entendido uma espécie de aproximação entre comunismo e capitalismo,
produzindo um amálgama sob predomínio do primeiro. Esse amálgama, que teria no
trabalho para a “destruição ou para a subversão da fé” o seu “objetivo maior”
[2013, p. 130], embora não tenha ainda convertido todas as elites, de acordo
com o autor, caminharia rumo a uma transformação das distinções entre esquerda
e direita que acabaria por transformar o próprio capitalismo em uma espécie de
cavalo de Troia do comunismo – não tanto mais voltado à vitória sobre o
capital, mas, sim, direcionado para a destruição da tradição por meio,
inclusive, da educação multicultural [2013, p. 69-70].
O método
da revolução seria o psicológico, e então Bernardin passa os capítulos
seguintes expondo as técnicas desenvolvidas, a partir dos anos 1950, com o
intuito de produzir mudanças comportamentais que independeriam da vontade do
sujeito. Dentre todas as teorias e experiências psicológicas apresentadas, a
mais importante para nossa argumentação é a da “dissonância cognitiva”,
elaborada em 1957 pelo psicólogo estadunidense Leon Festinger. Segundo
Bernardin, “uma dissonância cognitiva é uma contradição entre dois elementos do
psiquismo de um indivíduo, sejam eles: valor, sentimento, opinião, recordação
de um ato, conhecimento etc”, cujo estudo “permite perceber o quanto nossos
atos podem influenciar nossas atitudes, crenças, valores ou opiniões.” Afinal,
ainda segundo o livro, “se é evidente que nossos atos, em medida mais ou menos
vasta, são determinados por nossas opiniões, bem menos claro nos parece que o
inverso seja verdadeiro, ou seja, que nossos atos possam modificar nossas
opiniões.” [2013, p. 23].
No
entanto, argumenta Bernardin, é exatamente isso que ocorre, em especial “se um
indivíduo é levado a cometer publicamente [na sala de aula, por exemplo] ou
frequentemente [ao longo do curso] um ato em contradição com seus valores, sua
tendência será a de modificar tais valores, para diminuir a tensão que lhe
oprime.” Em outras palavras, quaisquer atitudes estimuladas em sala de aula, se
aparecem em contradição com os valores que o estudante traz de casa, então o
choque entre prática e pensamento faria com que aquela transformasse este, de
modo que o resultado seria a completa transformação dos valores iniciais
justamente naqueles que o planejamento escolar desejasse. Para o autor,
“Dispõe-se,
assim, de uma técnica extremamente poderosa e de fácil aplicação, que permite
que se modifiquem os valores, as opiniões e os comportamentos e capacita a
produzir uma interiorização dos valores que se pretende inculcar. Tais técnicas
requerem a participação ativa do sujeito, que deve realizar atos aliciadores os
quais, por sua vez, os levarão a outros, contrários às suas convicções. Tal é a
justificação teórica tanto dos métodos pedagógicos ativos como das técnicas de
lavagem cerebral.” [2013, 24]
Uma lavagem cerebral: eis a síntese a que
chega o livro ao analisar um amplo leque de técnicas de pedagogia ativa. Tal
lavagem pode ser fruto, inclusive, da redação de textos e de outros modelos
avaliativos, em especial a autoavaliação, desde que, ressalte-se estejam em
contradição com os valores iniciais do estudante. Dessa maneira, qualquer
proposição que leve a uma ação estudantil que contrarie seus valores constitui
uma manipulação psicológica que visa somente a atacar os valores familiares.
Podemos assim voltar aos textos de Nagib e
Carvalho. O filho que volta da escola transformado em suas reflexões, não mais
aceitando absurdos que porventura possam estar presentes em uma situação
familiar, constitui o verdadeiro temor do MESP, e não a pura ausência de
conteúdos mais básicos dos saberes disciplinares. Afinal, não há qualquer
oposição entre a compreensão de conteúdos e a reflexão sobre os próprios
valores. A falsa separação apontada serve apenas para que, a partir de certo
senso comum sobre o constitui a verdadeira educação, possa Carvalho – assim
como o MESP – produzir uma clivagem na qual apenas uma das metades poderia ser
tarefa escolar – justamente aquela que nada põe em cheque em termos de valores
familiares.
Como pode o ensino de história se posicionar frente
a essa questão? Podemos responder invertendo o sentido da crítica a partir de
uma provocação: Pascal Bernardin e o MESP estão absolutamente corretos em um
aspecto: o ensino de história mais significativo só pode, de fato, transformar
de tal maneira o(a) aluno[a] que ele[a] romperia, ao menos em parte, com as
concepções oriundas do núcleo familair.
Explico a provocação com o auxílio de um autor que
tem sido muito significativo para boa parte dos trabalhos que buscam explicar
os problemas concernentes ao MESP: Gert Biesta.
Para Biesta [2012; 2010, n.p.], a educação
compreende três dimensões que, não obstante se entrelacem, podem ser
compreendidas separadamente. São elas a dimensão da qualificação, da
socialização e da subjetivação. Nos interessa esta última em particular, para
Biesta aquela que constitui o mais profundo sentido da educação, afastando-se
de qualquer confusão entre “educação” e mera “aprendizagem”.
A subjetivação tem esse papel central porque é
nessa dimensão que se torna possível, pela educação, a ênfase no “vir ao
mundo”; o foco em possibilitar que cada indivíduo possa ter sua unicidade, sua
voz própria, e não há apenas a preocupação com conteúdos que possam formar sua
base de compreensão da realidade, ou com processos de inserção num mundo já
formado, respectivamente focos da qualificação e da socialização. Biesta deixa
claro que não se trata de eliminar ou minimizar essas dimensões, mas de
compreender que a educação é mais digna desse nome na medida em que cumpre as
possibilidades da subjetivação. Essas possibilidades, quando ressaltadas no
processo educativo, constituem uma “educação fraca” [Biesta, 2016, n.p.] – isto
é, incapazes de controlar com rigor os processos pelos quais os resultados
atendem aos objetivos iniciais.
Nesse sentido, Biesta, baseado em Derrida, destaca
o quanto esse processo se dá por meio de uma “violência transcendental”, um
tipo de violência que necessariamente viola a soberania do aluno [Biesta, 2013,
46-50]. Isso não significa que a educação deva ser bruta. Significa que “a
educação é uma forma de violência, uma vez que interfere na soberania do
sujeito propondo questões difíceis e criando encontros difíceis.” [49]. Afinal,
sem a disposição para ter suas certezas, convicções, valores desafiados, deslocados, redefinidos, torna-se impossível
trazer o novo ao mundo. Restaria apenas a reiteração do velho, do mesmo. O novo
surge sempre nos fragmentos dos processos da “educação forte”, e é capaz de
surgir mesmo sem uma dinâmica voltada para sua existência.
Nisto consiste, para o autor, o “belo risco da
educação”. A partir de W. B. Yeats, Biesta [2016, n.p.] destaca como, se a tônica,
na educação, é trazer o “novo”, é o “vir ao mundo”, então não se trata de
encher um balde, mas de acender uma fogueira; se trata de iniciar um processo
cuja conclusão desconhecemos, mas que constitui, para o autor, a única
possibilidade do irrompimento do “novo” na educação. Eis o “belo risco”: o fato
de que a educação abraça processos sobre os quais temos pouco controle,
baseados em confiança sem fundamento e responsabilidade sobre o que não sabemos
o que será. Trata-se, em síntese, de um despertar cujas conseqüências não
conseguimos de antemão delimitar. Apenas o processo pode nos dar perspectivas.
Tal dimensão educacional aproxima-se de certa
concepção conflituosa de democracia que a compreende não como a busca pela
construção do consenso que anula a disputa [afinal, impossível], mas como
espaço no qual os conflitos fazem parte da própria vivência democrática
[Mouffe, 2015]. Entender o “belo risco” inerente à educação – ou, mais
especificamente para nossos termos, ao ensino de história – é compreender que
seu compromisso com uma vivência democrática não pode se restringir a mero
conteudismo que permitiria uma melhor qualificação para o exercício da
cidadania [como se tal exercício fosse algo a ser alcançado no futuro, porém
impossibilitado no presente], nem tampouco pode se restringir a certo
racionalismo abstrato para o qual o simples conhecimento teórico da realidade
pode dar conta de uma transformação da mesma.
Uma concepção que mais potencializa o ensino de
história, explicitando todo o “belo risco” a ele inerente, só pode ser aquela
que parte do questionamento radical de si e dos outros. Do questionamento só
possível pela igualdade como princípio que emancipa, ao invés de brutalizar
[Rancière, 2013, p.50]. Do questionamento que invade de tal maneira o processo
de ensino-aprendizagem que permite a “interrupção do ser de um ser” [Biesta,
2013, p. 194]; uma descontinuidade que, na lógica do MESP e de Bernardin,
ameaça seriamente o controle familiar. E que deve, sim, neste sentido ao menos,
ameaçar, do mesmo modo que o conceito de “emancipação” tem suas raízes na lei
romana, referindo-se à libertação de um filho ou esposa da autoridade legal do pater famílias [Biesta, 2016, n.p.]. Uma
educação emancipatória só pode significar a libertação da autoridade
intelectual perante a família [bem como perante outras instâncias e espaços de
poder, inclusive, por que não?, da própria escola...] rumo a uma mais plena
autonomia só possibilitada pela permanente “curiosidade epistemológica” voltada
à transformação de si e do mundo [Freire, 2011, n.p.].
Em
síntese, sugiro, então, que não basta combater a ofensiva conservadora a partir
somente da defesa do ensino de história em abstrato como promotor de uma visão
racionalista de mundo. Ao invés, considero essencial que esse ensino esteja
profundamente comprometido com aquilo que o MESP rejeita e busca tirar da sala
de aula: uma educação política e emancipatória que, posicionando-se contra a
lógica da aprendizagem, se direcione com energia para uma concepção conflituosa
de democracia e para a “violação à soberania do estudante”. Ao arrepio das
propostas de Maquiavel Pedagogo,
endossadas e ressoadas pelo MESP, acredito que seja aí que podemos encontrar,
parafraseando Gert Biesta, um “belo risco” para o ensino de história.
REFERÊNCIAS
João Carlos Escosteguy Filho é
doutor em História pela UFF [2016] e professor do Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro, campus Pinheiral.
BERNARDIN, Pascal. Maquiavel
Pedagogo: ou o ministério da reforma psicológica. Campinas, SP: Ecclesia e Vide
Editorial, 2013..
BIESTA, Gert. Boa educação na era
da mensuração. Cadernos de Pesquisa, v. 42, n. 147, pp. 808-825, set-dez 2012.
BIESTA,
Gert. Good Education in na Age of Measurement. [S.l.] Paradigm Publichers, 2010.
BIESTA, Gert. Para além da
aprendizagem: educação democrática para um futuro humano. Belo
Horizonte: Autêntica Editora, 2013a
BIESTA,
Gert. The Beautiful Risk of Education. New York, NY. Routledge, 2016.
CARVALHO,
Olavo de. As armas da liberdade [online].
Disponível em: http://olavodecarvalho.org/armas-da-liberdade/. 2009.
Acesso em 01 abril 2020.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da
Autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 2011.
MOUFFE, Chantal. Sobre o
político. São Paulo: Martins Fontes, 2015.
PENNA, Fernando de Araujo. O ódio
aos professores. In: AÇÃO EDUCATIVA [org.]. A ideologia do movimento Escola sem
Partido: 20 autores desmontam o discurso. São Paulo: Ação Educativa, 2016b, p.
93-100.
PENNA, Fernando de Araujo.
Programa “Escola sem Partido”: uma ameaça à educação emancipadora. In: GABRIEL,
Carmen Teresa; MONTEIRO, Ana Maria; MARTINS, Marcus Leonardo Bomfim [orgs.].
Narrativas do Rio de Janeiro nas aulas de história. Rio de Janeiro: Mauad X,
2016a, p. 43-58.
RANCIÉRE, Jacques. O mestre
ignorante: cinco lições sobre a emancipação intelectual. Belo Horizonte:
Autêntica Editora, 2013.
SALLES, Diogo da Costa. Criando a
doença para vender a cura: o discurso da “doutrinação ideológica” do Movimento
Escola sem Partido. 2019. 147p. Dissertação [Mestrado em História Social]. –
Centro de Educação e Humanidades, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, São
Gonçalo, RJ, 2019.
Caro autor, segundo o seu texto, como o ensino de História pode oferecer bases para os professores possam fazer um dialogo com seus alunos em que o movimento escola sem partido façam ataques?
ResponderExcluirBruno Miguel dos Santos
Caro Bruno, Boa tarde!
ExcluirObrigado pela pergunta!
Não sei se há um "manual" ou um conjunto de regras que possa responder satisfatoriamente à trágica situação em que estamos, no que se refere ao avanço do reacionarismo sobre a educação.
Acredito, porém, que o maior desafio ao ensino de história hoje, para responder a esse avanço, está na plena recuperação da dimensão política de sua constituição. O risco maior é, frente aos ataques, recolhermos nossa prática a mera apresentação cronológica de acontecimentos passados despolitizados, presos ao tempo vazio e homogêneo de que falava W. Benjamin.
Frente aos ataques, recuperar a dimensão do ensino de história como formação plena da existência política é um primeiro e importante passo. E isso é parte essencial do nosso fazer docente: os processos de desnaturalização, problematização e contextualização da realidade a partir do presente são, ao mesmo tempo, parte inseparável do fazer histórico, do fazer docente e mecanismos de resistência ao reacionarismo.
Um abraço!
Bruno Fernando Santos de Castro
ResponderExcluirA partir de sua citação de Ranciére ("igualdade como princípio que emancipa, ao invés de brutalizar") e da menção a Derrida (através do Biesta), gostaria de fazer uma provocação: Como trabalhar com significantes universalizantes, essencializantes, como igualdade e emancipação, e escapar à brutalização das tentativas de controle da diferença, das tentativas de apagamento da contingência constitutiva do mundo entendido como texto (Derrida)?
Caro Bruno, boa tarde!
ExcluirObrigado pela pergunta!
Considero que um primeiro passo diz respeito á recuperação da historicidade dos significantes, resultado de lutas, disputas, conflitos etc. Trabalhar com os conceitos em aberto, mostrando o esqueleto da construção ao mesmo tempo em que apontamos o prédio.
A partir daí, acredito que a recuperação dos caminhos não percorridos, das histórias não concretizadas, faz parte dos processos que, embora rejeitados na história-ciência (em nome do risco de anacronismo etc.), cabem perfeitamente à história escolar, já que esta não é mera redução da ciência de referência.
Um abraço!
recentemete li um artigo do sociólogo Bernad Charlot no qual dava ênfase sobre o conhecimento construtivista do aluno. o professor de história ensina a sociedade a intelectualidade que muitos não sabem. quando o sujeito tem um emaranhado de ideias cabe a ele elucidar e introduzir algo novo. conhecimento é emancipador quando voce se livrar de idéias absolutamente arcaicas e pensa e agi com uma nova visão das coisas principalmente das atitudes e passar a entender e excluir oque não te agrega nen um valor ou comhecineto.
ResponderExcluirRayara thayani de Sousa caxeta
Boa tarde, Rayara!
ExcluirNão conheço o artigo, mas, a partir de sua fala, não sei se concordo com as linhas gerais da ideia. Acredito que um conhecimento emancipador exige mais que uma oposição arcaico x novo. Exige condições de reflexão sobre a constituição das temporalidades de ambos, os mecanismos que tornam um saber "superado" e outro mais "adequado". A partir daí, considero que todo novo saber pode ser transformador.
Um abraço.
Qual é a relação que você estabelece entre o MESP e o avanço do irracionalismo religioso presente, sobretudo, nas igrejas neopentecostais que tem conseguido eleger pastores para a dita bancada evangélica que se tornam, por sua vez, defensores do MESP no Congresso Nacional?
ResponderExcluirBoa tarde, Rafael.
ExcluirObrigado pela pergunta!
O primeiro passo é discutirmos se a questão é um "irracionalismo religioso" ou uma "outra racionalidade" que exige atenção.
Há elementos de racionalização nas propostas do MESP que exigem compreensão. É a partir dessas racionalidades fragmentárias, ou seletivas, que o irracionalismo avança no preenchimento de lacunas.
Em que medida essas racionalidades utilizam irracionalismos para compor um mosaico que ameaça o ensino de história (não apenas, mas para ficar no caso em questão)?
No tocante à relação estrita entre MESP e bancada religiosa, o trabalho de mestrado da Fernanda Pereira de Moura é uma excelente análise de como os movimentos passam a convergir a partir de certo momento.
O MESP não responde apenas a demandas religiosas. Na verdade, nasce fora da alçada direta delas, embora a religião sempre tenha estado presente. Mas a partir de 2014, principalmente, os fios se juntam no mesmo rio.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirBoa noite João Carlos, primeiramente parabéns pelo trabalho, como supramencionado no artigo tal movimento (ESP) reduz a educação a técnicas burocráticas de ensino perdendo todo seu caráter emancipador. De acordo com os pressupostos do movimento, como falar em construção do conhecimento histórico na relação ensino-aprendizagem, vale ressaltar, princípio de uma educação mais inclusiva, cidadã, democrática e crítica, diante o cerceamento da autonomia individual docente e a toda sua identidade construída historicamente no exercício de sua prática profissional, enfim, tal se apresenta como uma grande ameaça a dimensão emancipadora da educação. Visto tal pressuposto só poderíamos reduzir a sua maior pretensão, a transmissão de conteúdos.
ResponderExcluirComo podemos construir o conhecimento histórico junto ao aluno em sala de aula em que o mesmo se sinta partícipe desse processo, por exemplo inovando as metodologias, utilizando as fontes históricas, frente a tais ameças? (desenvolver sentidos)
Seygon da Silva Santos
Boa tarde, Seygon. Obrigado pelo comentário e pela pergunta.
ExcluirSou um tanto pessimista em relação à possibilidade de as metodologias resolverem esse problema, pois acredito que o fundamental é a dimensão política do saber. Falando de outra maneira: se metodologias mais ativas sem dúvida enriquecem o ensino-aprendizagem de história em relação à velha exposição bancária, também é verdade que isso não nos livra do principal no que se refere ao reacionarismo na educação, que é a interdição ao debate político, em especial no tempo presente, para o ensino de história.
Acho, por isso, que metodologias mais ativas precisam estar conectadas a uma recuperação do presente nas aulas de história. Devem ser as demandas da vida presente a orientar a seleção de conteúdos. Deve ser a dinâmica da política no presente a estimular as reflexões.
Um abraço!
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ResponderExcluirBoa noite João Carlos, como você analisa a nossa atuação como educadores de história após a nova BNCC e a reforma do ensino médio que causa empobrecimento do currículo, ao meu ver principalmente na área especifica de humanas, limitando ainda mais nossa atuação que é de uma educação emancipadora.
ResponderExcluirGuilherme Aurélio Crestani Magalhães.
Boa tarde, Guilherme.
ExcluirObrigado pela pergunta!
O novo ensino médio, que na verdade é um velho ensino requentado, é um desastre para uma educação crítica e emancipadora. Fatia de tal maneira os saberes e impede de tal forma o acesso discente aos conhecimentos mais complexos que acaba precarizando a educação.
Sua implementação, ao meu ver, significará um retrocesso contra o qual deveremos lutar permanentemente. A superação dessa fragmentação é essencial.
Contudo, acredito que a luta não deva ser pelo retorno a um modelo que tampouco funciona, ao engessar as disciplinas e também quebrar a unidade do saber.
Sou defensor da lógica da educação integrada como caminho para a superação dessas fragmentações e possibilitar uma educação mais aberta e voltada para a liberdade.
Recomento fortemente os trabalhos de Gaudêncio Frigotto, Marise Ramos, Maria Ciavatta e Paolo Nosella. O caminho, ao meu ver, passa pela expansão dessa modalidade, que inspirou a fundação dos Institutos Federais (embora, na prática, ainda careça de mais aplicação).
Um abraço!
Diante do cenário educacional, social, político e ideológico que presenciamos, como uma escalada cada vez maior do conservadorismo, qual o possível impacto no ensino de História do MESP no interior do Brasil, visto que há uma grande disparidade no acesso à informação dos grandes centros urbanos para as cidades interioranas? Há possibilidade de tal influência possuir uma nova roupagem a depender da região do Brasil?
ResponderExcluirLígia Grasiele Ferreira Gomes
Oi, Lígia. Boa tarde!
ExcluirAgradeço a pergunta!
Não saberia lhe responder sobre esses impactos. Seria necessário um estudo das formas de compreensão do passado nas populações dessas localidades.
Dado o alcance da expansão midiática desses negacionismos, eu chutaria que a localização geográfica pouco importa, desde que haja conexão à internet.
O que tenho percebido é que a estrutura central de interpretação do passado das narrativas negacionistas conta com certo senso comum historiográfico que, misturando memória e história, acaba perpetuando as falácias.
Seria o caso de se analisar se no interior esses processos são mais rígidos que nos centros urbanos. Não saberia afirmar.
Um abraço.
Olá professor! Obrigada pela excelente reflexão. Como entender a lógica da teoria do MESP, de que uma educação como uma “prática de mera transmissão de conteúdo”, pode ser ao mesmo tempo, capaz de levar o aluno a sua autonomia intelectual, visto que essa não dá espaço para qualquer reflexão dentro do espaço escolar?
ResponderExcluirAtt.
Renata Maria de Souza Santos
Como trabalhar e demonstrar o poder de uma educação emancipatória em tempos em que vemos uma negação da história e das ciências de uma forma geral? O senhor já nota impacto do MESP no trabalho dos professores de história?
ResponderExcluirAtt.
Renata Maria de Souza Santos