Lislley Raquel Damazio e Jaqueline Ap. M. Zarbato


ARTESÃS SUL-MATO-GROSSENSES DA ECONOMIA SOLIDÁRIA: DO DESCONHECIDO PARA A SALA DE AULA

 

Investigar os saberes culturais imateriais das artesãs em Campo Grande, contribui para fundamentar a produção do conhecimento histórico sobre sua importância para a cultura da cidade e, também para a manutenção das tradições orais na História regional. Essa pesquisa faz parte do projeto “Patrimônio histórico-cultural material e imaterial nas cidades de Mato Grosso do Sul e seu impacto histórico- cultural: Cultura regional e formação de um sistema de preservação a partir da educação patrimonial”. Nesse sentido, a pesquisa aqui apresentada se justifica pela importância histórica das mulheres na cultura regional, tendo em vista que Mato Grosso do Sul tem um número expressivo de artesãs, que trazem elementos da cultura e da economia solidária. Sendo assim, essas experiências da tradição cultural e oral aprofundam as relações histórico culturais como espaços de formação para o ensino e história do patrimônio. 

Dessa maneira, realizamos a pesquisa no espaço de artesãs, localizado em Campo Grande, em que há diferentes tipos de trabalhos artesanais, com as mulheres que desenvolvem as suas atividades culturais. Entende-se por cultura todas as ações por meio das quais os povos expressam suas “formas de criar, fazer e viver ” [Constituição Federal de 1988,art. 216]. A cultura engloba tanto a linguagem com que as pessoas se comunicam, contam suas histórias, fazem seus poemas, quanto a forma como constroem suas casas, preparam seus alimentos, rezam, fazem festas. Percebe-se no texto produzido pelo IPHAN que, as “crenças, suas visões de mundo, seus saberes e fazeres. Trata-se, portanto, de um processo dinâmico de transmissão, de geração a geração, de práticas, sentidos e valores, que se criam e recriam (ou são criados e recriados) no presente, na busca de soluções para os pequenos e grandes problemas que cada sociedade ou indivíduo enfrentam ao longo da existência  [IPHAN, 2008]. 

Assim, as pessoas de cada grupo social compartilham histórias e memórias coletivas, visões de mundo e modos de organização social próprios. Ou seja, as pessoas estão ligadas por um passado comum e por uma mesma língua, por costumes, crenças e saberes comuns, coletivamente partilhados. A cultura e a memória são elementos que fazem com que as pessoas se identifiquem umas com as outras, ou seja, reconheçam que têm e partilham vários traços em comum. Nesse sentido, pode- se falar da identidade cultural de um grupo social. O patrimônio cultural de um povo é formado pelo conjunto dos saberes, fazeres, expressões, práticas e seus produtos, que remetem à história, à memória e à identidade desse povo. 

A preservação do patrimônio cultural significa, principalmente, cuidar dos bens aos quais esses valores são associados, ou seja, cuidar de bens representativos da história e da cultura de um lugar, da história e da cultura de um grupo social, que pode (ou  mais raramente não), ocupar um determinado território. O objetivo principal da preservação dos saberes culturais femininos relacionam-se ao patrimônio cultural imaterial, sendo necessário fortalecer a noção de pertencimento de indivíduos a uma sociedade,a um grupo,ou a um lugar, contribuindo para a ampliação do exercício da cidadania e para a melhoria da qualidade de vida. Umas das questões cruciais da pesquisa se dá pelo pouco tombamento e mapeamento dos saberes culturais patrimoniais em Mato Grosso do Sul. A presença feminina está arraigada na construção na cultura nacional e expressa no patrimônio cultural imaterial brasileiro, seja na engenhosidade do saber fazer ou mesmo na economia solidária. 

As narrativas  do grupo de artesãs que fazem parte do Centro de Comercialização da Economia Solidária, permitem  conhecer e difundir o trabalho das mesmas, assim como o movimento de Economia Solidária. Tal movimento é conhecido nacionalmente por gerar autonomia particular regionalmente, e com o passar dos anos assume uma posição importante quando se trata de trabalhos pouco valorizados pela massa. As artesãs inseridas neste contexto possuem uma visão única e narrativas ímpares sobre sua arte como parte do movimento, com enfoque nos saberes geracionais mencionados por uma das artesãs, assim como o modo com o qual este saber é perpassado e os materiais gerados por ele. Os elementos culturais das vivências das artesãs será elemento constituidor como espaços de formação para o ensino e história do patrimônio. Nosso trabalho busca a partir de tais análises realizar a produção de oficinas voltadas para o ensino de história patrimonial nas escolas, assim como a construção de um material didático sobre os saberes femininos nos elementos culturais sul-mato-grossenses. Como abordagem teórica utilizamos as contribuições de Michele Perrot, com Minha História das Mulheres (1990); sobre aulas oficinas de Isabel Barca (2004); sobre Economia Solidária, com França Filho & Laville; sobre Saberes culturais femininos, com José Gonçalves, (2002).  

Metodologicamente, utilizamos as narrativas e as trajetórias das mulheres artesãs, os grupos femininos que fazem parte de associações, espaços de socialização de seus trabalhos. Em que contribuem com o processo de formação das identidades regionais, assim ao catalogar os processos de fazer-saber das mulheres artesãs como elemento cultural na região Centro-Oeste do Brasil.  Realizamos um levantamento sobre os saberes culturais femininos de Campo Grande – MS, no qual buscamos dados na divisão de artesanato da Fundação de Cultura do Estado sobre tais artesãs, assim como suas práticas. Durante este processo nos deparamos com um lugar pouco difundido na cidade, o qual possui uma visão singular pautada na Economia Solidária. A partir do achado deste local mencionado, começamos nossas visitas frequentes a fim de nos familiarizarmos com o ambiente e sua proposta. Nosso trabalho acabou seguindo o viés de estudo dos saberes das artesãs que fazem parte da Economia Solidária em Campo Grande, lugar este que possui um modo diferente de gestão e consequentemente de pessoas que lá trabalham. 

Para entendermos todos este universo que permeia o movimento de Economia Solidária e suas artesãs entrevistamos Sebastiana Almire de Jesus, membro fundadora do movimento em Mato Grosso do Sul e integrante ativa do Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES). Tiana, como nos foi apresentada, nos narrou todo o contexto ao redor da criação deste movimento em 2002. De acordo com ela a necessidade vem por causa da crise econômica da década de 90, na qual observa-se a necessidade de uma articulação interna a fim de expandir o movimento, porém só no final do ano seguinte este movimento chega à Campo Grande, levando um tempo ainda maior para que conseguissem o espaço que à elas foi cedido em 2006 após um longo processo de busca por espaços onde pudessem vender os produtos gerados por seus trabalhos. Segundo Tiana “ninguém pensava em loja”, pois a desenvoltura deste movimento em sua maioria se dava em feiras. Houve a partir daí a busca por opções para a criação de uma feira da Economia Solidária junto ao órgão com o qual possuem relação com o governo do Estado, a FUNTRAB. Ela deixa claro que a relação das pessoas que estão presentes naquele espaço é diferente dos artesãos convencionais de trabalho individual que já gestionado pela Fundação de Cultura, o movimento na Economia Solidária tem como base o trabalho, este um dos fatores determinantes até mesmo para o que aparentemente é o “saber” serem apoiados por órgãos diferentes.  

O modelo de Economia Solidária pauta-se no “apoio ao trabalho coletivo, baseado nos princípios de autogestão, solidariedade e cooperação. Trata-se, assim, de uma trajetória marcada pela reivindicação ao direito à organização do trabalho autogestionário, em contraposição ao trabalho assalariado.” [NAGEM e JESUS, 2012, p. 2], sendo assim as pessoas/artesãs inseridas neste tipo de trabalho buscam por algo que vai além do indivíduo. As mulheres que fazem parte da Central de Comercialização não disputa por um local de venda, pois entendem que o espaço pertence a todas elas e da sua maneira cada uma ajuda no que pode para que haja um bom funcionamento. O espaço possui, além de artesanatos diversos e produzidos pelas mais distintas pessoas que vão desde as entrevistadas até mesmo pessoas do interior do Estado, uma área gastronômica na qual encontra-se produtos orgânico e que estão ligados ao Cerrado (bocaiúva, jatobá, baru), curso de autogestão e de corte e costura, massoterapia e quiropraxia realizadas por deficientes visuais do ISMAC (Instituto Sul-mato-grossense para Cegos Florivaldo Vargas) e aulas de capoeira d’Angola. Por ser um ambiente autogestionado não há posições como “patrões e funcionários”, existe uma organização interna na qual os artesãos (em sua maioria mulheres) se revezam em escalas semanais e por períodos para cuidar do estabelecimento. Em uma das minha primeiras visitas me surgiu a dúvida de como ficava a distribuição de renda visto que o movimento prevê a coletivização do trabalho e as cinco entrevistadas deram respostas semelhantes de que “um dia você vende o artesanato do outro e no outro ele vende o seu”. Após este período de reconhecimento do local e do conceito específico sobre o que é a Economia Solidária e como esta infere na vida daqueles que a tomam como realidade, realizamos entrevistas com 6 artesãs de estilos variados. Posterior a entrevista passamos pelo processo de catalogação e transcrição das entrevistas utilizando como aporte teórico para o processamento destes dados o livro de Verena Alberti, Manual de História Oral (2005). 
A partir das entrevistas observamos que somente para 2 das nossas entrevistadas o artesanato foi repassado como um saber familiar.  Dona Janete de 50 anos nos narrou que quando mais jovem era costume as avós e mães colocarem as moças das famílias para aprenderem serviços manuais tanto como forma de punição quanto como forma de torná-la de certo modo mais prendada. Entre as cinco artesãs observamos diferentes especialidades, indo de bordado comum à pontos mais sofisticados, quadros, vasos, crochês e afins. Em sua maioria observamos que tornar-se artesãs para estas mulheres está muito mais vinculado à encontrar artifícios para se ocuparem de modo produtivo do que ao ganho financeiro, pois em uma de nossas pergunta que indagava justamente sobre a contribuição do artesanato para subsistência familiar  foi respondida de forma unânime de que não conseguiriam sobreviver somente com a renda destes trabalhos. Já para outras vimos que vai além disso. Dona Andrea de 40 anos nos relata que apesar de ter aprendido quando pequena com sua mãe coisas simples como bordar não valorizava muito este saberes, todavia agora que está passando por uma série de problemas relacionados a saúde imunológica e psicológica buscou o artesanato como fonte de escape para ajudá-la a preencher seu tempo livre.

Outro ponto analisado a partir das entrevistas foi o resgate buscado por uma delas por uma técnica familiar que se perdeu: “Tem uma história que eu gosto de lembrar e lamentar. É, a minha mãe, ela tinha um problema de visão. Perdeu a visão no dia que eu nasci e ela sabia fazer um trabalho que chama nhanduti que é do Paraguai e é um negócio raro, hoje em dia você quase não vê. A minha vó esqueceu e a minha mãe que sabia fazer, mas ela não pode me passar. Isso é uma coisa que eu lamento, chama nhanduti, até um dia se você souber alguém que faça eu tenho muito interesse de fazer” [LOPEZ, Janete. 2019]. Neste trecho da entrevista de Janete conseguimos entender o que significou para ela a perda de tal saber. Michael Pollak trabalha com o conceito de que a memória deve ser tida como um fenômeno social e coletivo que perpassa o sujeito como indivíduo. Levando em consideração a declaração de Janete após a análise meticulosa dos dados relacionados às técnicas artesanais que são desenvolvidas em nosso Estado fornecido pela Fundação de Cultura, conseguimos estabelecer a perda de tal saber como algo coletivo, visto que de um número de mais de 1000 artesãos registrados somente uma ainda possui tal técnica como sua. Importante salientar ainda a ideia exposta pela artesã de que não era qualquer tipo de ponto. Por diversas vezes a mesma afirma que existem alguns tipos de bordado nhanduti, mas os pontos e técnicas desenvolvidos pela sua avó eram dela e por mais que existam pessoas que consigam reproduzir tal bordado, este nunca terá a mesma identidade daqueles que foram feitos pelas mulheres de sua família.

 Oficinas e propostas didáticas para Ensinar sobre as artesãs.

O conceito aula-oficina da historiadora Isabel Barca foi essencial para produção de aulas-oficinas estas foram pautadas a partir de competências a serem desenvolvidas nos alunos, as mesmas encontram-se nas principais propostas curriculares para o ensino básico e secundário de História A aula- oficina parte do pressuposto de que os alunos são agentes do seu próprio conhecimento, ou seja , de que o conhecimento é proporcionado através de indagações causadas pelo professor por meio de atividades intelectualmente desafiadoras, porém para que isso seja efetivamente concretizado em sala de aula, Barca afirma que o Professor de história : “Terá que assumir-se como investigador social, aprender a interpretar o mundo conceptual dos seus alunos não para de imediato classificar em certo/errado, completo/incompleto, mas para que esta sua compreensão o ajude a modificar positivamente a conceptualização dos alunos” [BARCA, 2004, p. 133].  

E nesse sentido, propomos analisar algumas concepções sobre os conceitos de Mulheres artesãs, patrimônio imaterial e mulheres, economia solidária e mulheres, espaços de saber e fazer femininos em Campo Grande. Para cada tema propomos aulas oficinas com saídas de campo que serão visitas ao centro de comercialização e exposição de materiais posteriormente na escola. Principalmente com estudantes do Ensino Fundamental.

Seguindo a perspectiva de exploração e análise de ideias prévias dos alunos e do consequente processo de conceptualização em aula, que “situa-se num ambiente de aula construtivista, que em Portugal se convencionou designar “aula oficina” [BARCA, 2004].  Para isso, propomos um modelo de aula oficina que será executado nas escolas de ensino fundamental em Campo Grande/MS, no ano de 2020.

Roteiro de aula oficina
Nomes:
Turma:



Referências bibliográficas
Lislley Raquel Damazio é graduanda em História da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Bolsita PIBIC.

Jaqueline Ap. M. Zarbato é professora da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Cidade Universitária, Campo Grande.

ALBERTI, Verena. História Oral: a Experiência do CPDOC, Rio de Janeiro, Centro de pesquisa e documentação de história contemporânea do Brasil, 1989.
BARCA, Isabel. Aula Oficina: do Projeto à Avaliação. In. BARCA, I. (Org.) Para uma educação de qualidade: Atas da Quarta Jornada de Educação Histórica. Braga, Centro de Investigação em Educação (CIED)/ Instituto de Educação e Psicologia, Universidade do Minho, 2004.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental: História. Brasília, 1998.
FERNANDES, VILARINO E GOMES, História Oral: Outras possibilidades para o ensino de história. In: PADRÓS, Enrique Serra. (org), VI Jornada de Ensino de História e Educação, Porto Alegre, 2002.
FONSECA, Maria Cecília Londres. Para além da pedra e cal: por uma concepção ampla de patrimônio cultural. In: Memória e Patrimônio: Ensaios Contemporâneos. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. 
HORTA, Maria de Lourdes Parreira; GRUNBERG, Evelina; MONTEIRO, Adriane Queiroz. Guia de educação patrimonial. Brasília: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Museu Imperial, 1999.
MEIHY, Jose Carlos Sebe Bom. Manual de História Oral, Loyola, São Paulo, 1996.
POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, 1989. NAGEM, F. A.; JESUS, S. A.. V Plenária Nacional de Economia Solidária: trajetória e construção da Economia Solidária no Brasil. Disponível em: & lt;http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/3868/1/bmt54_econ03_vplenaria.>. Acesso em: 25 de ago. de 2019.
SOARES, André Luis Ramos (Org.). Educação patrimonial: relatos e experiências. Santa Maria: Ed. da UFSM, 2003.

Um comentário:

  1. Lislley e Jaqueline, muito legal esse trabalho que vocês fizeram!
    Uma questão: em MS (e Campo Grande especificamente) há uma cultura mais forte de trabalho sobre a história regional e a realidade local nas escolas, entre os professores de História? Pergunto porque, pelo menos em minha região (MG), a história local é bem deixada de lado frente aos "grandes temas" globais ou nacionais dos currículos. Vemos um ou outro projeto bem isolado nesse sentido. Muito provavelmente porque, para isso, têm-se de fato que realizar toda a pesquisa e a organização de todas as informações e sequências didáticas, pois não há tanto material pronto disponível aos professores (que em grande parte têm aqueles velhos conhecidos problemas de uma carga de trabalho muito grande para planejar com mais cuidado, dificuldades para inovar as aulas etc.).
    Como é a experiência dos professores por aí com essa abordagem?
    Obrigado.

    Fabrício Pinto Monteiro

    ResponderExcluir

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.