A DISCIPLINA DE HISTÓRIA ANTIGA E ARQUEOLOGIA:
APONTAMENTOS SOBRE O ENSINO DA HISTÓRIA INDÍGENA DAS AMÉRICAS NA LONGA DURAÇÃO
Este
texto tem como objetivo discorrer sobre temas tradicionais ao ensino de
história antiga como o surgimento das instituições na antiguidade das
sociedades clássicas e orientais, desde as sociedades comunais até o surgimento
do Estado, porém situando da mesma forma o estudo das sociedades da antiguidade
americana e amazônica. Tais questões emergiram a partir da minha experiência
como professor substituto no curso de História da Universidade Federal do Amapá
[UNIFAP], ao ministrar a disciplina de História Antiga e Arqueologia. Como
historiador e arqueólogo, meu exercício neste sentido é fazer apontamentos
sobre essas diferentes áreas geográficas.
Pensar
na relação entre sociedades comunais e o aparecimento de instituições como
família, Estado, a Religião [institucionalizada] e a propriedade privada no
Mundo Antigo remonta a um evolucionismo unilinear muito em voga a partir do
século XIX, visto em obras que explicavam as sociedades desde a selvageria até
a civilização [Morgan, 1877], que ficou conhecido como evolucionismo social ou
evolucionismo cultural [Schwarcz, 1993].
Sob
a influência deste evolucionismo, porém sob uma perspectiva do materialismo
histórico dialético, foram produzidas obras que discutiam essas mudanças
culturais como a “A origem da família, da propriedade privada e do Estado”
[Engels, 1884], cujas interpretações históricas quanto à mudança cultural das
sociedades desde os primórdios, passando pela antiguidade, muito repercutiram
nos estudos do mundo antigo.
Para
saber como se deram essas mudanças, o ideal seria recorrermos a cada um dos
processos históricos individualmente, assim como os contextos sócio-culturais
particulares, dentro da perspectiva de uma história da longa duração
braudeliana ao relacionar os mesmos a contextos mais amplos e estruturais de
duração lenta, como o Mediterrâneo e as estruturas sócio-culturais das
sociedades banhadas por este mar [Braudel, 1958]. Isto ajudaria a refletirmos
sobre o crescente fértil no mundo antigo, cujos exemplos mais emblemáticos são
o Antigo Egito e a baixa Mesopotâmia, este último alvo de escrutínio aqui.
Para
iniciarmos essa narrativa devemos voltar ao surgimento da agricultura e começar
pela organização de comunidades aldeãs que partir do desenvolvimento dessa
mesma agricultura, teriam passado por revoluções neolíticas observáveis através
da cultura material e as tecnologias de produção [Childe, 1936], em outras
palavras, o início da sedentarizarão com as primeiras aldeias e o incremento da
agricultura, onde teríamos a formação de comunidades aldeãs, sendo estas,
segundo Marx [1867], responsáveis pelo primeiro modo de produção da humanidade,
o modo de produção comunal “primitivo”.
Estas
mudanças teriam levado a um gradativo aumento populacional e uma mudança nas
relações de trabalho que levaria ao início da exploração do homem pelo homem,
através do que ficou conhecido como modo de produção tributário ou asiático
[Cardoso, Rede & Araújo, 1998]. Entre as maneiras de entender esta mudança,
estão os determinismos do meio ambiente mais ou menos favoráveis a aumentos
populacionais que talvez tivessem alguma relação com outra “revolução”, a
urbana, com o surgimento das primeiras cidades [Pinsky, 2010].
Hoje
é amplamente aceito por historiadores e arqueólogos, que essas mudanças não
necessitam estarem interligadas causalmente umas às outras, nem seriam
excludentes umas às outras, muito pelo contrário, dependendo do caso analisado
[Cardoso, 1990; Pinsky, 2010], diversos fatores se somariam para explicar o
surgimento de instituições como o Estado e a propriedade privada.
No
que concerne o crescente fértil, no caso do Egito e Mesopotâmia, por volta do
III milênio A.C., de fato podemos observar justamente esses elementos
interligados multicausalmente uns aos outros, como a organização comunal na
qual a propriedade e acesso a terra não era, à época dessas transições, igualitária,
sendo realizadas redistribuições periódicas do acesso comunal a terra
coexistindo com a propriedade privada, mediante o Estado, que controlava os
meios de produção [Cardoso, 1990].
Por
se tratar de períodos onde temos dois tipos de fontes disponíveis, a escrita e
a cultura material, o crescente fértil pode ser explicado questionando-se
algumas recorrências nessa área [Pinsky, 2010], fortemente embasadas na ideia
das mudanças nos modos de produção, correspondendo a maneiras específicas das
atitudes pelos quais determinadas sociedades organizam sua vida econômica,
desde as relações de trabalho passando pela organização e estrutura política e
características culturais.
No
caso da baixa Mesopotâmia não há a formação de um estado centralizado [como ocorreu
precocemente com o antigo Egito], mas temos Estados cujas estruturas
administrativas sustentavam apenas um poder regional, e a formação do que
podemos chamar de cidades-estados que por vezes na história houve tentativas de
centralização ao longo de três milênios [Pinsky, 2010].
Um
dos legados mais conhecidos dos povos mesopotâmicos é o código de Hamurabi, que
apesar da simplificação, banalização e generalização que têm sido alvo,
permite, como bem coloca Pinsky [2010], pelo menos pensarmos como se dava as
relações familiares, a relação entre ricos, escravos e o povo, além de aspectos
econômicos, políticos e culturais, assim como das praticas sociais com o
desenvolvimento de uma institucionalização da religião e da propriedade privada
e principalmente relativo a obrigações e direitos regidos por leis, no que
poderíamos estender, a grosso modo, a toda a baixa Mesopotâmia [Pinsky, 2010].
O
controle dos rios e o desenvolvimento precoce urbano na porção sul da
Mesopotâmia, junto ao rio Tigre e Eufrates, levaram a uma divisão do trabalho
onde era necessária nos centros urbanos uma especialização na manutenção,
administração e controle das irrigações, que aproveitavam de maneira
inteligente os rios e suas cheias [não tão regulares como as do Egito e muito mais
violentas] para tirar proveito de um ambiente desértico [Pinsky, 2010]. Esta
manutenção dos canais e abastecimento de água levava também a multiplicação de
estabelecimentos rurais e consequentemente ao aumento de uma população
camponesa, cujas terras podiam pertencer ao Estado, a particulares, ou ainda a
templos religiosos [Pinsky, 2010].
A
propriedade da terra, ou do solo pertencia ao Estado enquanto garantidor das
obras de irrigação que possibilitavam justamente a produção agrícola. Por sua
vez a “lógica familiar”, da família extensa era a da divisão do trabalho
através das comunidades aldeãs, cujas terras anteriormente eram cultivadas
coletivamente e os produtos repartidos e geridos entre essas mesmas famílias,
passam agora sob tutela do Estado, através dos seus excedentes, a gerar
tributações ao Estado, podendo também garantir assim possíveis trocas mercantis
[Cardoso, 2008; Pinsky, 2010].
Nesse
caso há uma relação profunda entre uma religião agora instituída e
especializada e cada vez mais centralizada, que além de estocar excedentes
necessários aos especialistas, também mantinha aqueles que cobravam as taxações
até os encarregados na defesa dos templos, ou seja, na redistribuição e
subsistência daqueles que não produziam, além de é claro servir como elemento
ideológico legitimador desse sistema de taxação [Cardoso, Bouzon & Tunes,
1998].
Ao
falarmos em propriedade privada na baixa Mesopotâmia, deve-se ter em mente que
na realidade estamos nos referindo a “propriedades privadas” no sentido mais
simples e não jurídico do qual herdamos do Direito Romano. Desse modo ao desde
o século terceiro milênio A.C. até a conquista macedônica veremos vários tipos
de propriedade, as propriedades templárias, isto é, relativas aos templos
religiosos aos sacerdotes e seus dependentes, as propriedades palatinas, que
chegam a se confundir algumas vezes como o Estado, e por fim as propriedades
privadas de particulares [Cardoso, 1986].
No
que tange as propriedades palatinas e as propriedades particulares, estas
passam a ganham mais força. No caso das terras reais estas passam a ser
cultivadas mediante complexo sistema de posse/propriedade, desde rendeiros que
pagavam aluguéis, colonos que pagavam em espécie, funcionários públicos que
ofereciam serviços ao rei, além de pessoas que prestavam corveias [Pinsky,
2010].
Além
disso, com o crescimento do poder estatal esta também passa, através da
formação de corpos militares, a defender a cidade em caso de agressões externas
e expedições bélicas, mas principalmente manter o status-quo de maneira a garantir que as taxações fossem pagas, e é
claro, garantir o cumprimento do trabalho dessa mesma mão de obra rural
igualmente usada para a construção e manutenção das obras hidráulicas e outras
obras de engenharia.
Porém
apesar da crescente estatização, da economia mercantil em franco enriquecimento
e da escravidão, até as invasões macedônicas as comunidades aldeãs nunca
cessaram de existir, o que de certa forma, preservada as suas diferenças, pode
se aplicar igualmente, com suas devidas alterações ao longo dos anos ao antigo
Egito [Cardoso, 1990] e tantas outras sociedades como a antiga China, a Índia
Antiga e aqui na América, os Incas, os Astecas e os Maias, estes três últimos
reconhecidamente identificados como tendo pré-requisitos necessários para
enquadra-los no modo de produção asiático, assim como as sociedades comunais.
Apesar
dos questionamentos quanto ao surgimento dessas instituições serem alvo de
discussões até hoje, a ideia de um evolucionismo unidirecional e progressivo caiu
em desuso como um modo explicativo da mudança. Porém isso não significa que a
lógica da existência de uma comunidade aldeã-tributária não seja uma forma
pertinente de interrogar a História dessas sociedades [Cardoso, 1990], e da
evolução, no sentido simples de mudança social e cultural ao longo do tempo
como ponto de partida para desvendar as particularidades históricas e regionais
ocorridas no crescente fértil e em outros locais e temporalidades do globo
terrestre.
Este
tipo de pensamento inclusive acaba reiterando, muitas vezes, uma identidade
eurocêntrica, mesmo sendo nós latino-americanos, com a antiguidade clássica e
relativa ao crescente fértil do “velho mundo”. Se ensinadas sem uma maior
reflexão e pensamento crítico, acaba-se assumindo acriticamente uma visão
quadripartite da História [Forneck, 2017], onde o estudo das instituições
desses povos da antiguidade seriam o modelo de sociedade e civilização, o que
remonte um pensamento iluminista, e altamente colonialista. Se levada a cabo
esse tipo de história acaba sendo muito difícil enquadrar o estudo da
antiguidade das Américas, já que as mesmas em sua maioria seriam, segundo essa
lógica perversa, enquadradas em um anacrônica “pré-história”.
Essa
experiência europeia acaba sendo usada como base para comparar todas as outras
sociedades do globo, no que já é comum entre no ensino de história comparar
aspectos como as relações familiares, o Estado e a religião, no caso dos Incas
e Astecas, por exemplo, as vezes indicada tanto por arqueólogos como historiadores
como sociedades clássicas, referindo-se as sociedades romanas, gregas,
babilônicas e egípcias.
De
modo a pensar numa história local que caminhe junto a estas questões
tradicionalmente discutidas nos estudos das sociedades antigas é importante buscar
modelos teóricos provindos da arqueologia latino americana desde a nossa
antiguidade até os dias de hoje, de uma história indígena de longa duração que
busque romper com essa visão euro centrada e colonialista.
Sendo
assim em primeiro lugar devemos abandonar o termo “pré-história” e defender a
história indígena de longa duração, defendendo uma história dos povos
originários como agentes históricos [Carneiro da Cunha, 1993; De Oliveira,
2003], com legados culturais e de instituições que não devem nada àquelas do
“velho mundo”, e nem devem ser pensados
em termos de comparação pelas semelhanças mas principalmente pelas diferenças.
Esse
ponto de partida permite pensar em uma história antiga das Américas, de modo a
ensinar a história dos indígenas no Peru com cidades tão antigas quanto o
Egito, com suas culturais próprias e suas particularidades históricas [Shady,
2006], assim como no Brasil como no Pantanal mato-grossense [De Oliveira, 1996]
e na região amazônica com as sociedades ao longo da calha do rio Amazonas, como
as sociedades das ilhas do Marajó e as sociedades Tapajônicas [Roosevelt, 1992;
Schaan, 2004; Gomes, 2008],
Em
primeiro lugar, deve-se lembrar que usualmente no ensino de história se costuma
introduzir a História Antiga com a apresentação da “pré-história”, e neste caso
é apresentado de modo anacrônico e colonialista os povos indígenas, e em nenhum
momento os povos originários da Américas são mencionados como pertentes à
história, mas são, ainda que implicitamente, vistos como “povos sem história”.
Seguido dessa breve e equivocada introdução é muito comum ser logo em seguida
apresentada a História Antiga do “velho mundo”.
É
nesse a partir destas implicações da História Antiga que busquei junto aos meus
alunos e alunas das turmas 2017.2; 2018.1; 2018.2; 2019.1, na disciplina
“Arqueologia e História Antiga” que os mesmos pudessem refletir sobre como é
retratada a Antiguidade nos livros didáticos e nos meios midiáticos em geral,
em oposição à “pré-história” e que passassem a refletir sobre como poderiam
elas e eles, futuras e futuros docentes e historiadoras e historiadores, sobre
formas de realizar uma história antiga local.
Ora,
se o ser humano é capaz de narrar suas histórias, memórias e feitos através da
história oral, através de gestos, danças, artes, músicas, cantos, através de
pinturas, cestarias, gravuras rupestres, comunicar através de desenhos em
cerâmica, enfim em diversos meios materiais, então a escrita não é a única
forma de se contar e estudar a história de um povo, de uma sociedade. Não é por
acaso que, como o próprio nome da disciplina sugere, busca-se uma relação
interdisciplinar entre a história antiga e a arqueologia.
A
Arqueologia pode ser vista como uma ciência social histórica que estuda
vestígios materiais da presença humana, sejam estes vestígios antigos ou
recentes, com o objetivo de compreender mais sobre os mais diversos
aspectos da humanidade, assim estuda as pessoas e sua interação com as
coisas e os lugares, enfim estuda as pessoas através da cultura em meio material,
físico, ou seja em sua materialidade [as vezes chamada de cultura material].
Desse
modo a Arqueologia tem um papel fundamental na disciplina de História Antiga e
Arqueologia, porque permite entrever que esses vestígios materiais podem ser
aplicados não apenas às sociedades greco-romanas ou egípcias por exemplo, mas
para todas as sociedades, incluindo as sociedades ameríndias. Esta constatação
permitiu que eu pudesse fazer uma espécie de provocação com os meus alunos e
alunas, buscando mapear como era sua percepção da história dos indígenas no
Brasil e na Amazônia.
No
tocante à história antiga das Américas é necessário permitir ao alunado a
percepção e reflexão quanto a riqueza e diversidade da História Indígena, seja
apoiada em etnografias, seja apoiada em textos de cronistas e viajantes, seja
apoiada na oralidade, seja apoiada em materiais etnográficos de museus, seja
através da arqueologia, que está inserida na disciplina Arqueologia e História
Antiga.
Para
que os alunos e alunas possam ter um entendimento da importância desses
aspectos, estes deveriam de preferência já terem cursado outras disciplinas
importantes como História dos Povos Indígenas e História da África onde são
apresentados a conceitos antropológicos como a noção de “outro” e da alteridade,
indispensável em disciplinas como História da América, e principalmente na
divisão quadripartite de história dividida em antiga, medieval, moderna e
contemporânea [Forneck, 2017]. Por isso a disciplina de Arqueologia e História
Antiga se torna ainda mais relevante.
Nas
quatro turmas em que ministrei tal disciplina, ao serem indagados sobre a
existência da história indígena, muitos afirmaram que ela teria início na
“pré-história”, mas não havia ainda uma reflexão quando a origem e problemas no
uso desse termo. Ao serem perguntados sobre o que era a arqueologia ou o que
faz um arqueólogo, alguns disseram que a entendiam como “alguém que estuda as
grandes civilizações da antiguidade egípcia, romana, grega, ou a pré-história
daqui do Brasil”.
Tal
visão, não é de todo equivocada, por que de fato a arqueologia, como hoje a
conhecemos e entendemos se desenvolveu a partir de coleções de museus, as
descobertas cidade de Pompéia e Herculano e das expedições, descobertas e
escavações no Egito por exemplo, e paralelamente ao início dos estudos e
escavações das sociedades americanas anteriores a colonização europeia, a
partir de meados do século XVII e XVIII em diante [Trigger, 1992].
Ao
invés de discutir apenas a antiguidade clássica e oriental demos uma atenção
maior para as Américas e em Especial a Amazônia e dentro de uma ideia de
história local, o próprio estado onde os alunos e alunas se inserem, o Amapá,
de modo a estimular uma relação de aproximação entre o objeto estudado.
Para
que pudéssemos discutir sobre onde se deveria se inserir a história dos povos
originários, pedi aos alunos e alunas que se reunissem em grupos e avaliassem
livros didáticos do sexto ano [publicações de 2012 até 2018], que tratam
especificamente das sociedades antigas, embasados em questionamentos e métodos
de análise sugeridos por Circe Bittencourt em “Ensino de História: fundamentos
e métodos” [Bittencourt, 2018], no qual a autora elenca três passos
fundamentais, primeiro observando os aspectos formais, seguido pelos conteúdos
históricos escolares, e por último os conteúdos pedagógicos, dos quais são apresentados abaixo apenas os aspetos mais relevantes à
discussão aqui presente.
Nos
aspectos formais, as pesquisas do[a]s discentes indicaram, com raras exceções,
na análise da introdução e sumário, as sociedades indígenas quando são
mencionadas, aparecem sob o título de “pré-história”, junto a outros povos
também enquadrados nessa “pré-história” ao redor do globo. A história antiga
nas Américas também tem rara aparição, porém referente aos Incas, Astecas e
Maias, e em raras exceções a história do continente africano [não apenas o
Egito] ganha algum destaque, porém infelizmente enquadradas em “pré-história”.
No
conteúdo histórico escolar o[a]s discentes apontaram como era de se esperar, um
aprofundamento muito grande na antiguidade clássica, baseada em textos, e em
alguns casos fazendo referência a arqueologia. Tal constatação, permitiu que os
discentes passassem a refletir sobre a importância da arqueologia no
entendimento da história antiga clássica e mesmo apoio aos textos antigos
dessas sociedades, no que discutimos a importância dos contextos arqueológicos
de onde essas escrituras foram encontradas. Alguns livros didáticos inclusive,
uma ínfima minoria, faziam indicações de leituras e tinham quadros que
facilitavam o entendimento dessa interdisciplinaridade entre história e dos
achados e contextos arqueológicos.
No
tocante a atualização dos dados e conteúdos sobre a Grécia, Roma, Egito,
Babilônia, etc, percebeu-se um certo descompasso com as pesquisas mais
recentes, com raríssimas exceções apontadas acima. E a História Antiga na
América? Como já previsto no sumário, a “pré-história” brasileira estava muito
desatualizada e em alguns casos com fontes de jornais e revistas, não muito
confiáveis.
Enfim,
não querendo me estender, a visão como já apontei acima, nos livros didáticos
são fortemente marcados por um pensamento evolucionista e eurocêntrico,
defasado tanto para a antiguidade clássica quanto a oriental e praticamente inexistente
quanto a História Antiga Americana, enquadradas enquanto “pré-história”
americana, brasileira e amazônica.
Quanto
aos conteúdos pedagógicos, conforme já alertado por Bittencourt [2016], foi
possível observar que alguns dos exercícios não foram feitos por aqueles que
elaboraram o conteúdo histórico escolar, de modo que na maioria das vezes há um
descompasso entre o conteúdo e maneiras eficientes de refletir e mesmo ter
algum pensamento crítico. Em outros casos temos exercícios que acabam reforçando
uma ideia de evolucionismo cultural.
Como
bem lembra Funari e Carvalho [2007] existe uma renovação da historiografia
sobre a História Antiga no tocante a temáticas e problemas de pesquisa sobre
Grécia, Roma, Egito, Mesopotâmia, etc, que renovados pela história nova e da
interdisciplinaridade com a arqueologia buscam intercalar estudos de gênero, o
papel das mulheres, a visão do Egito por meio de textos egípcios e não visões
apenas a partir dos gregos e romanos, as construção de narrativas históricas, os
discursos por trás dos textos, enfim, dando um novo ar aos estudos da
antiguidade, e fazendo um forte apelo a leitura e uso de estudos arqueológicos
[Funari, 2003] e interdisciplinares sobre a antiguidade.
Funari
[2003] menciona a importância da História Antiga do Brasil, conclamando novos
docentes de história a se aprofundarem nos estudos da “pré-história” brasileira
vistas como história antiga, embasadas então na Arqueologia, indo na onda de se
buscar cada vez mais, que os alunos, seja nas escolas, seja nas universidades,
priorizem a importância da diversidade cultural. Que maneira de mostrar tal
diversidade cultural que não aquela que põem em pé de igualdade uma, ou várias,
antiguidade[s] americana[s]? Ou africana[s], Australiana[s]?
Como
bem apontou Bittencourt [2018] o livro didático não deve ser usado como manual,
mas usado como um instrumento, por onde começar a problematizar e estimular
visões críticas e reflexivas. Nesse quesito entra justamente uma crítica a uma
visão ainda dominante, e pelo menos implicitamente evolucionista e
colonialista, sendo um ponto de partida para buscarmos o entendimento das
sociedades ameríndias, os povos originários do continente americano.
Após
esta atividade eu e os discentes da disciplina Arqueologia e História Antiga
passamos a discutir durante e após aulas expositivas a importância de pesquisas
nas Américas no entendimento da organização social, nos aspectos culturais, nas
epistemologias e visões de mundo e modos de se colocar no mundo e entende-lo,
de sociedades indígenas, não apenas Incas, Astecas e Maias, mas também
problematizar aquelas sociedades normalmente enquadradas dentro da
“pré-história”, como as sociedades andinas e amazônicas, porém fortemente
embasados em bibliografias especializadas, em dissertações, teses, artigos e
livros. Estimulando os discentes a se tornarem professores/pesquisadores, a
procurem nas fontes da arqueologia (Funari, 2005).
Como
última atividade da disciplina pedi aos alunos que fizessem uma observação
participante em uma turma de sexto ano durante aulas de história antiga e que
fizessem uma pequena entrevista com o professor ou professora do ensino
fundamental, além de observarem aspectos estruturais das escolas que visitaram,
e é claro as aulas ministradas aos alunos, assim como as atividades didáticas
endereçadas aos alunos de sexto ano.
Passados
praticamente dois meses elaboramos em todas as quatro turmas rodas de conversas
onde os alunos relatavam suas experiências, na qual a grande maioria dos
discentes tiveram sua primeira experiência em sala de aula, mesmo que seja como
uma espécie de etnógrafo. O intuito dessa observação, como adverti os
discentes, não era para apontar “erros”, “falhas”, ou “falar mal” dos
professores do sexto ano de história, mas para que eles pudessem ter uma ideia
e uma primeira aproximação, nas escolas públicas e privadas na cidade de
Macapá, a relação ensino aprendizagem no tocante ao ensino da história antiga e
a realidade das escolas visitadas, assim como as dificuldades muitas vezes
sentidas pelos professores e alunos dos sextos anos.
Ainda
complementando a atividade final pedi aos alunos que elaborassem um plano de
aula de como gostariam de ensinar sobre a história antiga no sexto ano do
ensino fundamental, especificamente na história antiga da América, embasada em
bibliografia arqueológica especializada e atualizada, além de procurarem propor
meios de como inserir este conteúdo junto ao ensino de história antiga da
Grécia, Roma, Egito, etc., por meio de um ensino diferente de um evolucionismo
cultural.
Convém
mencionar, entretanto que mesmo dentro da arqueologia tal pensamento há quem
diferencie as sociedades ditas simples, isto é, sem Estados, ou um modo
intermediário chamado “Cacicado” [Carneiro e Schaan, 2007], daquelas ditas
sociedades simples. Tal visão é igualmente evolucionista e também é necessário
discernimento crítico ao usar com os alunos e alunas esses termos. Desse modo
nas bibliografias que passei aos alunos procurei aquelas que já passassem a
pelo menos relativizar essas classificações e buscassem entender as sociedades
ameríndias e amazônicas não pela falta de algo que ainda hipoteticamente
estaria por vir, em comparação a pressupostos ocidentais e eurocêntricos mas
como algo diferente, com suas particularidades históricas e regionais.
Os
discentes relataram que em muitas das escolas observadas já há uma preocupação
em conciliar a história antiga clássica, dentro de um espirito renovado e com
referencial teórico mais atual e problemas e temáticas mais importantes e até
mesmo mais chamativas aos alunos. Ainda que nas aulas se comente sobre as
Américas nesse mesmo período, infelizmente, ainda há uma insistência dessa vez
numa maioria das escolas, em situar a História Indígena, antes da chegada dos
europeus como “pré-história” e de forma muito rápida.
Em
algumas escolas, por iniciativa de alguns poucos professores e professoras,
buscam inserir a História Indígena de longa duração dentro da História Antiga,
vistas par à par com as sociedades clássicas e orientais. Chamando a atenção para
a continuidade dos povos indígenas, e os povos originários contemporâneos,
herdeiros dessas histórias, além é claro de estimularem a importância do
[re]conhecimento das histórias dos povos originários que remontam [muito] mais
de 10.000 anos nas Américas. E que podem e devem ser pensadas como história
antiga.
Na
explanação de seus planos de aula, os discentes, em sua maioria procuraram
demonstrar o quão prejudicial é pensar nas sociedades por meio de uma
explicação evolucionista, que não abre espaço para a explicação da diferença e
não contribui para uma história mais democrática e ao ensino de história que
abre espaço para a diversidade cultural e principalmente o respeito à diferença
cultural e temporalidades distintas [Forneck, 2017].
Tal
visão pode ser usada de modo estratégico ao lidar com uma bibliografia renovada
da história do Egito e da Grécia por exemplo, e a partir da temática
transversal escolhida procurar mostrar como deveriam ser também algumas
sociedades ameríndias, procurando mais do que recorrências, mostrar as
diferenças na organização social e nas concepções de mundo e universo
cosmológico das sociedades estudadas.
Desse
modo, os surgimentos das instituições podem ser vistas em diversas sociedades e
estimular assim ao alunado uma compreensão mais ampla de instituições que se
assemelham a sociedade europeia, mas também de outras sociedades, no continente
americano, no continente africano, que são diametralmente opostas, assim como
uma releitura do estudo das instituições nas sociedades clássicas e orientais.
Estas
reflexões, somando as aulas expositivas, análise do livro didático, observação
participante e plano de aula, foram brilhantemente discutidas na roda de
conversas, no que foi possível elencar alguns pontos importantes, como por
exemplo a percepção de que na sala de aula e na pesquisa (do professor), seja
como for temos que ter consciência crítica dos modelos explicativos que
adotamos e sua relevância ao se comparar o dito “Velho Mundo” e o dito “Novo
Mundo”.
Ao
buscarem uma visão antropológica meus alunos passaram a buscar aplicar
explicações provindas de teses, dissertações e artigos da arqueologia, que
longe de estarem livres de críticas, pelo menos permitiram que os alunos
pudessem ter elementos mais concretos e mais completos sobre as sociedades
ameríndias, de modo a pensarem em modos de enquadrarem em sala de aula o estudo
da História Antiga da Amazônia na disciplina de História Antiga nos sextos anos
do ensino fundamental.
O
que busquei aqui foi realizar uma reflexão e relatar algumas das experiencias
na disciplina de Arqueologia e História Antiga, assim como busquei fazer com
meus alunos da graduação em história, de modo que os mesmos pudessem perceber a
importância de se aproximarem da arqueologia, lessem as produções daquelas e
daqueles que estudam a história antiga na região amazônica e do Amapá, como
meio importante e estratégico de aproximar os alunos do ensino fundamental a
valorizarem as histórias do local onde moram e os colocarem em pé de igualdade
e importância com a antiguidade clássica e oriental.
Ainda
há muito que ser realizado nos estudos arqueológicos que lidam com a história
antiga das Américas, procurando finalmente desfazer uma visão nefasta de um
evolucionismo cultural eurocêntrico excludente, e buscando o entendimento das
sociedades estudadas sobre outros olhares mais abrangentes, mas buscando formas
e linguagens didaticamente acessíveis.
Tal
premissa é válida ao estudo de todas as sociedades da antiguidade enfatizando
nem tanto as origens, mas dos estudos das instituições em si, o que se entende
por família, tipos de organização social, cosmologias, visões de mundo,
religiões, enfim cada um desses aspectos observados por um uma lente histórica,
pensados dentro de uma história de longa duração, buscando observar suas
rupturas, mudanças e continuidades, de modo que o estudo das sociedades antigas
nas Américas possam ser igualmente ensinados.
Referências
Me.
Avelino Gambim Júnior é professor substituto no Curso de História Universidade
Federal do Amapá [UNIFAP]. Arqueólogo colaborador no Centro de Estudos e
Pesquisas Arqueológicas da Universidade Federal do Amapá (CEPAP / UNIFAP).
Agradecimentos
Em
primeiro lugar agradeço aos meus alunos e alunas, pelo desafio fazer com que
refletíssemos sobre a importância da história antiga a partir de outros
olhares. Agradeço também a sugestão da professora Jelly Juliane Souza de Lima e
novamente dos meus alunos que me motivaram a escrever este artigo.
Referências
Me. Avelino Gambim
Júnior é professor substituto no Curso de História Universidade Federal do
Amapá [UNIFAP].
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Parabéns pelo texto, é pertinente hoje tais análises. A respeito disso, como o ensino de história hoje pode ajudar a desfazer essa visão moldada por muito tempo do evolucionismo cultural eurocêntrico excludente que muitos aprendem em sala de aula?
ResponderExcluirAguardo sua resposta.
MARCOS ARAÚJO COSTA.
Este comentário foi removido pelo autor.
Excluirobrigado, fiz um texto abaixo respondendo os cinco comentários em um texto.
ExcluirO texto, e muito interessante e nos mostras a relação entre a arqueologia e a história antiga no entanto fiquei com uma duvida no que diz respeito a história antiga na america onde o texto deixa bem visivel que a pré-historia brasileira nao esta recebendo a sua devida atualizaçao por que isso ocorre?
ResponderExcluiraguardo resposta.
Jorge José de Lira
obrigado, fiz um texto abaixo respondendo os cinco comentários em um texto.
ExcluirMuito interessante o texto , eu sou estudante de história de universidade federal fluminense, e sou particularmente apaixonado por arqueologia, talvez me especialize, quem sabe.Um dos pontos centrais salientados no texto é a problemática em relação ao uso do termo " pré-história" e suas implicações e a tendência outrora dominante na historiografia do evolucionismo cultural e linear, que volta e meia ainda grassa nos livros didáticos. A questão que eu levanto é de que forma o termo " pré-história", termo criado por Gordon Child , teria influenciado num delimitação estreita do que se considera história , uma história que se inicia no surgimento da escrita ,e se essa noção tem alguma influência no tocante a hsitória indígena das américas para que esta seja considerado uma " história menor" e relegada a segundo plano principalmente em livros didáticos ? Veja até hoje se aprende na escola que a história do brasil começa com Cabral em 1500, de maneira nenhuma estou dizendo que não há pesquisas em história indígena ou trabalhos a esse respeito
ResponderExcluirNathan luiz Soares Coutinho Navarro
obrigado, fiz um texto abaixo respondendo os cinco comentários em um texto.
ExcluirBoa tarde. Muito bacana o seu texto. Em relação ao tema, qual dica você daria pra buscar periodizar os povos americanos em uma comparação com a Europa no ensino. Poderia usarmos a mesma divisão temporal ou recomenda usarmos divisões diferentes em relação a Europa e América? Grato, Marlon Barcelos Ferreira
ResponderExcluirobrigado, fiz um texto abaixo respondendo os cinco comentários em um texto.
ExcluirParabéns pela análise que o texto faz referência! Eu nunca havia pensado nesse período da história das Américas como História Antiga, mas como "pré-história"! E sim, o sexto ano nos permite trabalhar essas múltiplas visões de diferentes sociedades, e principalmente abordar a História. Local como inserida nesse temporalidade histórica! Busco desenvolver isso com as minhas turmas aqui na Chapada Diamantina (BA), principalmente por conta da proximidade com sítios históricos de pinturas rupestres, que ainda carecem de pesquisa mais aprofundada! Obrigada! Ingrid Barbosa Gonçalves (Ibicoara - Bahia)
ResponderExcluirobrigado, fiz um texto abaixo respondendo os cinco comentários em um texto.
ExcluirVou responder num único texto abaixo, em três partes porque só permitem 4000 caracteres.
ResponderExcluirBoa noite.
ResponderExcluirPrimeiramente muito obrigado, fico contente que tenham gostado.
Vou responder a todxs num único texto.
Um dos primeiros passos para vencermos este obstáculo é buscar auxílio na antropologia, nós como professores de história devemos buscar e discutir em sala de aula temas como diversidade cultural e multivocalidade, procurando demonstrar em primeiro lugar que existem diferentes formas de pensar o tempo, e outros modos de contar e pensar o que chamamos de história. É difícil pensar em uma resposta a esse problema, mas penso que estamos nos permitindo de fato problematizar os discursos oficiais de periodização histórica, como por exemplo a divisão quadripartite da história (antigo, medieval, moderno e contemporâneo) que tem origem no Iluminismo pós revolução francesa. Sabemos que essa divisão não pode ser vista acriticamente e obviamente, nem mesmo é aceita em todo o mundo. Ela diz respeito ao advento do capitalismo, e dentro da narrativa clássica e tradicional é pensada desde o século XIX, iniciando na pré-história e findando na idade contemporânea. Inclusive o próprio termo pré história tem origem no século XIX (no que arqueólogos como Childe e tantos outros no início do século XX iriam se apropriar). Essa divisão do tempo foi criada pensando em níveis de "complexidade cultural e social" ou mesmo tecnológico das sociedades, numa escala evolutiva do "menos evoluído" ao "mais evoluído", não levando em consideração as escolhas e as pessoas como atores sociais.
Penso que além de antropologico e sociológico o problema seja também de cunho filosófico, no sentido tentarmos nos permitir que enxerguemos de modo simétrico as diversas formas de explicar como as coisas são, e as diferentes formas de ser e existir no mundo, ao que chamamos de ontologias. O problema é que isso acaba indo de encontro com nossa ontologia ocidental cartesiana, nossa explicação de mundo e da própria existência. Isso não quer dizer que devamos substituir uma explicação de mundo pela outra, mas colocarmos em simetria, como outras possibilidades de explicação histórica. Isso pode ser feito em sala de aula trazendo informações provindas da arqueologia e da tradição oral. Na verdade esse problema não é algo enfrentado apenas no ensino, mas na nossa própria concepção de história, de como fomos ensinados e ensinamos, como produzimos trabalhos científicos e nos trabalhos científicos que lemos, e reproduzimos. A história indígena é um exemplo de como poderíamos unir as informações provindas do campo da história, arqueologia, antropologia e linguística e procurar outras formas de no ensino de história antiga incluirmos a temática indígena, trabalhando em sala de aula através de mitologias e narrativas orais, relatos etno-históricos e dados arqueológicos formas de contar a história antiga dos povos originários. Dessa forma, não se abandonaria o estudo das sociedades gregas e romanas, mas se procuraria mostrar outras sociedades, seja do continente americano, seja do continente africano, ou da Ásia, ou da Oceania, etc...
Não tenho uma resposta a esse problema, penso que temos ainda muito que discutir sobre formas de "não jogar a água do banho com a criança", isto é, não se trata de substituir, no caso da história antiga, uma visão de mundo pela outra, ou algumas sociedades por outras, mas procurar formas de discutir em sala de aula essas sociedades de uma forma mais heterogênea. E isso significaria modificar a narrativa clássica da própria concepção de história no ocidente. Porém, lembremos que estamos na América Latina, e temos que perguntar qual o ponto de vista da história estamos lidando? Qual o público que se destina essas narrativas? Qual a realidade dos meus alunos? A principal lição que aprendemos é que a história, ou as histórias são plurais e multivocais. Isso não significa que tudo seja valido, porque ainda nos embasamos fortemente nas fontes documentais (escrita, cultura material) e nas fontes orais, etnografias, estudos linguísticos, e no cruzamento dessas mesmas fontes acrescidas pelo discernimento crítico das mesmas, na averiguação lógica das mesmas, enfim, não abandonamos o método, mas devemos estar abertos a outras vertentes teóricas, por isso devemos nos permitir mais antropologia e filosofia, no reconhecimento do outro, da alteridade e do levá-lo a sério, e da filosofia para termos a humildade de reconhecer que a história tradicional, desde o início do século XX já (aos poucos) combatida, é apenas uma forma a mais de contar e periodizar as ações das pessoas no tempo.
ResponderExcluirNo ensino de história antiga, a história indígena não pode ser pensada como um apêndice na "verdadeira" historia antiga, mas colocada lado a lado. No ensino superior podemos discutir essas questões mais abertamente, inclusive propondo outras formas de pensar periodizações próprias para a América do Sul por exemplo, ou para as Américas, mas sempre tendo o cuidado de discernir que estas mesmas tentativas de periodização histórica não estão livres de críticas e que podemos estar privilegiando um ponto de vista, mas em termos didáticos tem validade, já no ensino fundamental e médio cada qual tem uma relação ensino aprendizagem diferenciada e deve ser pensada com cuidado, além da realidade social da escola, e das diretrizes institucionais que a professora ou professor tenha que se adequar a seguir. Penso que a história antiga das Américas (a malfadada " pré-historia") não tem o alcance que deveria, em primeiro lugar pela falta de diálogo (de modo genérico) entre arqueologos, historiadores e antropólogos, e devido a esse motivo há um descompasso e até mesmo desentendimento entre as áreas, de modo que a crítica que faço é quanto à academia em sí, que deveria estar mais focada em realmente cumprir o que propõe, ser um local de ensino, pesquisa e extensão, um tripé de verdade, fortalecido em cada um desses pés, e desse modo, procurar não apenas discutir entre seus pares, mas entre outras áreas das ciências humanas e que possa escutar e atender o público geral, fora dos muros da universidade e das escolas. Como arqueólogo e historiador me sinto numa posição que me permite observar um grande descompasso e desatualizarão das fontes arqueológicas para o ensino da história antiga, principalmente a indígena pensada na longa duração, quando por exemplo observada nos livros didáticos. Mas mesmo no ensino dos cursos de graduação em história que deveriam ser mais multidisciplinares, ainda são poucos os cursos que oferecem uma formação na história que dialogue com outras áreas, e isso acaba refletindo na própria história antiga, e no ensino fundamental e médio soma-se ainda a desatualizaçao dos livros didáticos, que já é inclusive uma outra problemática, que também deve ser colocada em questao.
Por muito tempo, a história indígena foi praticamente negada, tanto pela história quanto pela arqueologia, e o interesse pelas sociedades indigenas era relegada à antropologia, porém fora de uma perspectiva histórica. Nos últimos 30 anos no entanto tem-se envidado esforços nessas três áreas, e aqui no Brasil esses esforços culminaram na História Indígena, que pode ser considerada como um campo multidisciplinar da História, Antropologia, Arqueologia e Linguística. Aos meus alunos costumo explicar que até a chegada de outros atores como europeus e africanos por volta do século XVI e XVII, podemos falar em uma história antiga americana, ou amazônica, ou andina, variando pouca coisa de região a região, mas tendo como ponto em comum de uma ruptura, de uma mudança, o impacto dos primeiros contatos e a invasão e colonização europeia, a chegada de africanos escravizados e tudo o que se sucedeu a partir desse momento. Nesse sentido a história antiga das Américas pode ser recuada até mais de 10.000 anos atras (podendo obviamente recuar muito mais que 50.000 anos atras) desde os primeiros registros da presença humana nas Américas. A noção de pré história é que tem sido discutida, pela carga evolucionista cultural que carrega, pela própria compreensão e valoração da história oral, dos dados arqueológicos, em discussões provindas da área da antropologia e outras áreas das ciências sociais e humanas.
ResponderExcluirÉ interessante inclusive no ensino de história antiga chamar a atenção dos alunos no ensino fundamental e ensino médio aos contextos arqueológicos locais da história local onde os alunos e alunas se inserem. Em cidades onde existem sítios arqueológicos próximos, principalmente aqueles que tem sítios em áreas abertas à visitação ou museus ou reservas técnicas abertas a visitação pública, pode ser uma forma de aproximar o alunato ao interesse pela história antiga, no contexto local e servindo inclusive para aumentar o interesse de alunos e alunas em conhecer é estudar as áreas longínquas como a Grécia, Roma e Egito por exemplo, sendo inclusive um importante auxílio pedagógico no fortalecimento do entendimento e respeito à diversidade cultural.
Espero ter respondido satisfatoriamente as questões, estou à disposição a dirimir quaisquer duvidas.
Atenciosamente,
Avelino Gambim Junior
Bruno Moreno Soares
ResponderExcluirÉ um ótimo texto que contribui para a analise sobre as sociedade indígenas na América. Que ainda hoje o conteúdo trazido no livro didático tem um discurso eurocêntrico. E se não for bem trabalhado pelo professo. Só vai reforçar o discurso trazido pelo livro. É sempre bom como professor de História termos conhecimento vasto do local, de onde se ensina, do cotidiano do aluno, do município, para deixarmos a História mais próxima do estudante e dar mais destaque para a vivencia do mesmo ? para quebrarmos esse discurso eurocêntrico vindo de fora.
Obrigado, é uma tarefa árdua mas gratificante, penso que podemos sim deixar a história antiga no ensino fundamental e médio mais interessante e mais inclusivo. Sempre nos atentando à realidade local dos alunos e alunas.
ExcluirTexto enriquecedor, pretendo realizar mais leituras deste Simpósio, caso fique disponível para leitura.
ResponderExcluirPretendo buscar mais sobre a História da América, ... A História que foi construida e que estudamos nos livros didáticos nos dar a entender que quando que história começou na Crescente Fértil, Mesopotâmia,... Grécia e Roma, sendo assim, os outros povos já existiam, e porque não foram considerados nas escrituras? Será apenas por esses povos não possuíam a escrita e assim ninguém fez o registro naque período?
Obs: Professora estou ciente que já encerrou os comentários.
Neide de Oliveira Pires
Boa tarde Neide,
ResponderExcluirAssim como várias outras sociedades, ricas culturas antigas, ainda não são de nosso conhecimento. Por isso a importância da arqueologia. A escrita é um traço cultural que nos facilita o entendimento de outros povos, especialmente por que é uma linguagem da qual estamos acostumados. Isso não quer dizer que seja melhor ou pior, mas é um suporte que facilita nosso entendimento, por que já estamos acostumados com a escrita. Porém existem outras formas de registrar as memórias e mesmo o que entendemos por história. As culturas humanas são muito vastas, e por isso mesmo muito ainda deverá ser descoberto. Seja decifrando e relendo e cruzando dados de fontes escritas. Porém as fontes escritas não podem ser vistas acriticamente, e necessitam de contextualização, e é ai que entram outras fontes, iconográficas, orais, e a cultura material, carro chefe da arqueologia. Porém, não devemos nos enganar, porque cada área do conhecimento depende uma da outra: História, Arqueologia, Antropologia Social, Linguística, Antropologia Biológica, e é claro de outras áreas não apenas das ciencias humanas, mas de outras áreas das ciencias exatas e biológicas.
Sendo assim, respondendo a sua pergunta, muitos povos que não possuiam escrita foram relatados por Gregos, Egipcios, Romanos, e nos tempos modernos as próprias naçoes européias que descreveram os indigenas por exemplo.
Mas como históriadores, devemos ser criticos, porque estas visoes do outro, da alteridade, nunca são neutras, devido a estranheza que causam naqueles que veem o diferente, e projetam sua propria cultura sobre estes que descrevem, muito por não entenderem como estas culturas funcionam. Porém mesmo assim fornecem informaçoes immportantes sobre os povos que tiveram contato e observaram. É dever de quem pesquisa avaliar criticamente as fontes, cruzando dados e procurando os discursos por tras das fontes, no intuito de filtrar as informaçoes sobre aquela sociedade descrita.
O contexto arqueológico por exemplo é fundamental para historiadores da antiguidade romana, mesmo não sendo arqueológos, porque fornecem informaçoes contextuais importantes ao entendimento dos povos gregos e romanos, que tem a vantagem de eles mesmos terem escrita, mas mesmo assim nunca devem ser vistos acriticamente.
No caso dos indigenas, por não ter escrita, dependemos da arqueologia, da antropologia e da linguistica. Isto é, dependemos de relatos na maioria das vezes posteriores aos primeiros contatos com europeus e africanos a partir do século XVI. Os arqueólogos que se debruçam sobre esse período anterior ao século XVI,que eu e outros arqueólogos defendemos como História Antiga das Américas, dependem desses relatos de cronistas e viajantes europeus e não indígenas, ou mesmo relatos de indigenas letrados, sobre uma determinada etnia, de traços culturais, de praticas e aspectos culturais. É uma colcha de retalhos. Porém, perceba que os arqueólogos usam fontes escritas também, realizando analogias (não diretas) entre essas descriçoes e os dados arqueologicos. As etnografias realizadas por antropologos e suas interpretaçoes também são importantes para entendermos esses dados, porque temos consciencia do particularismo histórico de cada sociedade. Desse modo, normalmente quem trabalaha com História Indigena, são arqueólogos, historiadores, antropologos e linguistas.
Os arqueólogos desse modo podem ser entendidos como historiadores da longa duraçao, procurando compreender a presença humana nas Américas, desde a Antiguidade (não uso o termo pré história, por motivos ideologicos e teóricos, apesar de ser um termo ainda em uso) até os dias de hoje (ver por exemplo a etnoarqueologia). Mas também os historiadores, linguistas e antropologos, igualemente trabalham com a história indigena, porém na maioria das vezes a partir do século XVI até os dias atuais. Porém, como os arqueólogos, os historiadores, linguistas e antropólogos também usam o cruzamento de fontes diversas, seja da cultura material, fontes orais, etnografias, fontes escritas, etc.
Atenciosamente,
Avelino Gambim Júnior
ERRATA!
ResponderExcluirOnde se diz "Convém mencionar, entretanto que mesmo dentro da arqueologia tal pensamento há quem diferencie as sociedades ditas simples, isto é, sem Estados, ou um modo intermediário chamado “Cacicado” [Carneiro e Schaan, 2007], daquelas ditas sociedades simples."
Diga-se
Convém mencionar, entretanto que mesmo dentro da arqueologia tal pensamento há quem diferencie as sociedades ditas simples, isto é, sem Estados, ou um modo intermediário chamado “Cacicado” [Carneiro e Schaan, 2007], daquelas ditas sociedades "complexas", representadas pelo Estado."
Muita obrigada Professor Avelino, uma aula e tanta, enriquecedor, todos os textos deste Seminário, sou muito grata.
Excluir